domingo, 21 de julho de 2013

Governo não renova acordo para melhorar condições de trabalho na cana


Chegou ao fim o Compromisso Nacional pelo Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar, acordo articulado pela Secretaria-Geral da Presidência da República (SG/PR) que envolveu entidades patronais e representações dos trabalhadores em torno da promessa de redução de problemas trabalhistas no setor. Desde o final de abril de 2013, perderam a validade tanto o protocolo firmado por sete ministérios e quatro entidades da sociedade civil – União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) e Fórum Nacional Sucroenergético, por parte dos empregadores, e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e Federação dos Empregados Rurais do Estado de São Paulo (Feraesp), pelos empregados – como os “selos sociais” de “empresa compromissada” concedidos a um total de 185 usinas espalhadas pelo país.
Lançado em junho de 2009 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva com prazo de duração de dois anos, o Compromisso Nacional surgiu como uma tentativa do governo federal de qualificar os padrões oferecidos aos trabalhadores e às trabalhadoras que atuam no setor, tido como estratégico especialmente por conta do mercado de exportações. Todavia, o processo sofreu, do início ao fim, críticas de diversos setores do poder público e da sociedade civil: da exclusão da garantia obrigatória de refeições nas frentes de trabalho à inclusão de usinas que constavam na “lista suja” da escravidão contemporânea; da sucessão de “problemas, falhas, equívocos e fraudes” constatada e questionada judicialmente pelo Ministério Público Federal (MPF) no curso da concessão dos selos ao flagrante de violações de direitos trabalhistas em usinas aderentes.
O Compromisso Nacional foi prorrogado em duas ocasiões: em 24 de junho de 2011 (quando foi estendido por mais um ano) e em 14 de junho de 2012 (ocasião em que se estabeleceu como referência final a data de 30 de abril de 2013). Também em meados de 2012 foi realizada cerimônia no Palácio do Planalto, com a presença da presidenta Dilma Rousseff, na qual foram concedidos selos de “empresa compromissada” a 169 usinas – cerca de metade dos 323 empreendimentos sucroalcooleiros que, no início do processo, em 2009, tinham sido incluídos como participantes da iniciativa. No respectivo ato, o ministro da SG/PR, Gilberto Carvalho, chegou a definir a distribuição de certificados como um “momento histórico nas relações entre capital e trabalho”. Um ano depois, o acordo e as suas 185 certificações (16 a mais que a quantidade inicial) – que requeriam o envolvimento de auditorias privadas contratadas pelas próprias usinas e autorizadas pelo governo – deixaram de ter qualquer efeito.
Questionada pela Repórter Brasil sobre os motivos da finalização de um esforço que envolveu cinco anos de trabalho (a partir da criação da “Mesa de Diálogo” sobre o tema, em julho de 2008), a Secretaria-Geral se limitou a responder que “o acordo não foi continuado porque perdeu a vigência” e que “a adoção de um novo acordo ainda está em discussão no âmbito da mesma Mesa Nacional de Diálogo e Avaliação”. Ainda de acordo com a SG/PR, as “partes envolvidas” avaliam que “houve melhoria importante nas relações capital/trabalho, que permitiram avanços significativos nas condições de saúde e segurança, transporte dos trabalhadores (as), alojamentos, eliminação dos gatos, aferição da produção, entre outros”.
Não é o que diz Antonio Lucas Filho, que atuou como representante da classe trabalhadora pela Contag durante as negociações e a implementação do Compromisso Nacional. “Ao final do processo, o sentimento que temos é de que fomos enganados. Fomos usados para que os usineiros pudessem ganhar mais dinheiro”, critica o dirigente sindical, que atualmente está à frente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado de Goiás (Fetaeg). “Acreditamos, chancelamos e defendemos o acordo na esperança de que ele fosse cumprido, mas faltou preparação, empenho e atuação do governo, que afrouxou demais a coisa”, complementa. Como exemplos de medidas que não se concretizaram, ele cita a manutenção da estrutura insuficiente de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), assim como a ausência de sanções concretas (como, entre os diversos incentivos econômicos concedidos ao setor, a revisão de empréstimos) a agentes que descumprem a legislação trabalhista.
Acionada pela reportagem, a Unica, que reúne grandes usinas e atuou para a construção do acordo como membro patronal, enfatiza que o diálogo deve prosseguir “com o objetivo de continuar o debate para a segunda fase”. A avaliação, segundo a entidade, é a “melhor possível”, pois o Compromisso “contribuiu de forma evidente e decisiva para o aprimoramento das práticas trabalhistas que todos os participantes pretendiam, e foi reconhecido [por segmentos como a Organização Internacional do Trabalho (OIT)] por isso”. A Unica declarou ainda desconhecer manifestações de frustração pelos resultados limitados apresentadas por membros dos sindicatos dos trabalhadores. ”Se tais comentários de fato existem, seria importante conhecer o nome da pessoa que o fez e se estava falando em nome de alguma entidade ou emitindo opinião pessoal”, rebatem os empregadores. Sobre o aproveitamento econômico propiciado pelos selos sociais concedidos pelo governo federal, sustenta que este “nunca foi um objetivo na concepção e realização do Compromisso Nacional”. Para a Unica, tal ideia “parece, no mínimo, absurda”.
Segundo informações da SG/PR, três usinas (que não foram identificadas) chegaram a ser denunciadas por não estarem cumprindo o acordo, mas perderam o selo antes da averiguação prevista nas resoluções sobre a certificação “porque, conforme acordado entre as partes, os selos seriam válidos até 30 de abril de 2014″. O procurador do trabalho Rafael de Araújo Gomes, autor da ação civil pública que requer a cassação dos selos de sete usinas situadas na região de Araraquara (SP) por conta de graves irregularidades no processo de atribuição de selos (acerca dos quais, a Unica pretende não se posicionar enquanto o processo judicial estiver tramitando), observa que, apesar de não estar mais em vigor, a “União Federal, através da SG/PR, continua, até hoje, a divulgar no sítio específico do Compromisso na internet a lista de usinas agraciadas com a certificação”.
“Além de inexistir nesse sítio qualquer menção ao fato de o Compromisso não estar mais valendo, a lista de empresas agraciadas é mencionada da seguinte forma: ‘Lista de unidades empresariais que cumprem o Compromisso – Validade até 30/04/2013‘. Veja-se que a redação não sugere que o Compromisso não está mais em vigor e que os selos, portanto, não possuem mais valor. A mensagem sugere que a atualização da lista tem validade até 30/04/2013. Quem lê a mensagem pensa que a lista de empresas certificadas no sítio está desatualizada desde o final de abril, não que todos os selos concedidos perderam seu valor”, pontua o procurador.
Sobre o balanço do acordo, o procurador recorda que “mesmo as piores usinas do país flagradas cometendo ilícitos graves (inclusive trabalho escravo) eram, desde seu lançamento, todas signatárias desse Compromisso”. A participação na iniciativa, aliás, vinha sendo destacada pelas mesmas, ainda que sem dignificar qualquer tipo de melhoria, em suas defesas judiciais, conforme ressalta Rafael. “Também é certo que as condições de trabalho previstas pelo Compromisso limitavam-se a repetir o que já determina a legislação trabalhista, não representando qualquer avanço significativo se o seu propósito fosse de fato a negociação entre as categorias”, salienta. “Parece agora claro, também, que o principal interesse em torno do acordo estava na concessão de um selo governamental às usinas, destinado a facilitar as exportações, pois o questionamento judicial ao selo, por ter sido concedido de forma bastante irregular, fez desaparecer, ainda que momentaneamente, o interesse no processo. Vale enfatizar que o MPT não requereu a descontinuação do Compromisso, mas a correção dos graves problemas cometidos no processo de certificação.”
No entendimento do Antonio Lucas, que representou a Contag na Comissão Nacional de Diálogo e Avaliação do Compromisso, o acordo até abriu espaço para alguns avanços em determinadas regiões nas quais houve intervenção dos sindicatos dos trabalhadores rurais, mas não significou muitas mudanças nas áreas em que a pressão dos empregados e empregadas do setor não foi efetiva. À Repórter Brasil, ele ratificou as críticas do MPT aos esquemas problemáticos de concessão de selos, os quais “teriam servido apenas como propaganda das usinas”. “Se fôssemos voltar à Mesa de Diálogo hoje, exigiríamos bem mais. Principalmente quanto à atuação do governo, que deixou a gente sozinho.”

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