(BBC)-No povoado Contente, sertão do Piauí, o equídeo costumava passar os dias com cangalhas no lombo carregadas de água ou lenha. Então a luz elétrica chegou às 47 famílias do povoado. Depois, as cisternas, as motos e os ônibus escolares. A vida em Contente mudou, e os jumentos perderam funções. "Hoje, até eles estão mais gordos".
Não por acaso, foi no Piauí que Dilma Rousseff obteve seu melhor resultado proporcional no primeiro turno: 70,6% dos votos, ante 14% de Marina Silva e 13,8% de Aécio Neves. No Semiárido, que se estende por nove Estados e onde cerca de 40% da população ainda vive no campo, sua vantagem foi ainda mais folgada. No município de Paulistana, que abriga o povoado Contente, Dilma foi escolhida por 80% dos 11,5 mil eleitores, seguida por Marina, com 13%, e Aécio, com 5%.
"Se falar mal de Dilma aqui, periga apanhar", brinca a mulher de Francisco, Erismar Celestina dos Santos, de 34 anos. E se Aécio vencer a eleição? "Não quero nem pensar, me dói o estômago."
Em três dias de viagem pelos "interiores", os povoados rurais da região, a BBC Brasil não topou com qualquer sinal da campanha de Aécio e encontrou um único pôster de Marina. Já adesivos de apoio a Dilma e ao também petista Wellington Dias, reeleito ao governo piauiense no primeiro turno, eram avistados a cada instante nas portas das casas. Dilma deve grande parte de sua força ali ao laço com Luiz Inácio Lula da Silva, cujo governo é tido como um marco na história da região. Nos povoados, cada um tem na ponta da língua os programas federais lançados pelo ex-presidente.
Maior marca de sua gestão, o Bolsa Família costuma ser o primeiro da lista. "É uma ajuda sagrada", define Erismar, mãe de um filho e que recebe R$ 184 ao mês pelo programa. A iniciativa, no entanto, é considerada apenas um ponto de partida para várias outras melhorias ocorridas nos anos seguintes. As mudanças, conta a líder comunitária Jucélia Xavier, se intensificaram a partir de 2007, quando o governo federal reconheceu Contente e várias comunidades vizinhas como áreas remanescentes de quilombos.
Há muito, os mais velhos contavam histórias de antepassados vindos da África, e a comunidade ainda guarda os utensílios que embasaram o reconhecimento: objetos pontiagudos usados para mutilar escravos e fechaduras que, segundo se conta, pertenciam a uma senzala. Segundo o Ministério da Cultura, há hoje 2,5 mil comunidades quilombolas no país, onde moram 130 mil famílias. Como comunidades tradicionais e beneficiários do Bolsa Família passaram, nos anos Lula, a ter prioridade na aplicação de várias políticas públicas, logo os programas começaram a chegar.
Em pouco tempo, o Luz para Todos ligaria o povoado à rede elétrica. Hoje quase todas as casas de Contente têm TV, geladeira e máquina de lavar. Cada residência também ganhou uma cisterna. Com o equipamento, que armazena a água das chuvas, as famílias garantem seu abastecimento até a estação chuvosa seguinte. Nas secas mais severas, os reservatórios são reabastecidos pelo Exército, sem a intermediação de políticos locais. A prática golpeou a chamada indústria da seca, pela qual autoridades trocavam favores por votos. Antes das cisternas, lembra Jucélia, todas as madrugadas as mulheres deixavam suas casas em carroças para buscar água com cabaças. "Tinha de cavar na cacimba com picareta e levar na cabeça".
Com Lula, contam os moradores, também surgiram os primeiros programas de proteção a agricultores. O mais citado é o Seguro Safra, que em anos de colheita fraca, como este, efetua cinco pagamentos mensais às famílias. Em 2014, eles dizem que as parcelas foram de R$ 170. Segundo os moradores, Dilma não só manteve os programas de Lula como lançou outras três iniciativas que beneficiaram a comunidade. Pelo Brasil Sem Miséria, extensão do Bolsa Família, cada família recebeu neste ano a fundo perdido R$ 2.400 para investir em atividades rurais. A maioria das famílias optou por construir nos fundos das casas abrigos para rebanhos ou ampliar suas criações de porcos, ovelhas ou galinhas.
E, para garantir a oferta permanente de água para os animais e pequenas lavouras, estão sendo construídas na comunidade 16 cisternas-calçadões. Nesse sistema, grandes placas de cimento canalizam a água para os reservatórios, capazes de armazenar 52 mil litros, três vezes mais que as cisternas comuns. Segundo Jucélia, antes dessas ações, o agricultor "ia trabalhar nas roças dos outros para conseguir R$ 15 por dia para comprar o leite pro filho""Era o tempo da proteção de Deus e do braço pra cuidar da gente", lembra Maria de Jesus Nascimento, 76 anos e mãe de 11 filhos. "Era uma escravidão."
Agora, como os repasses do governo garantem as compras básicas do mês, os agricultores passaram a investir seu tempo nas roças próprias. Também foi no governo Dilma que as crianças do povoado passaram a ser buscadas na porta de casa por ônibus escolares amarelos, como os usados nos Estados Unidos. O vaivém dos veículos, entregues às prefeituras pelo programa federal Caminho da Escola, chega a causar pequenos congestionamentos nas cidades da região (PorJoão Fellet-BBC Brasil).
Créditos: BBC Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Os comentários aqui publicados são de responsabilidade de seus autores.