RBA-A Plataforma Política Social e o Le Monde Diplomatique Brasil promoveram na noite de ontem (18), em São Paulo, o seminário "Austeridade Contra a Cidadania: O Desmonte do Estado Social", em que se discutiu a conjuntura política do país com o governo interino de Michel Temer e as implicações de sua política na sociedade.
Participaram do debate o ex-ministro da Saúde (2007 a 2010) José Gomes Temporão e os economistas Sérgio Gobetti, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e Sérgio Haddad. A mediação foi do também economista Eduardo Fagnani, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Participaram do debate o ex-ministro da Saúde (2007 a 2010) José Gomes Temporão e os economistas Sérgio Gobetti, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e Sérgio Haddad. A mediação foi do também economista Eduardo Fagnani, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Segundo os analistas, o país passa por grave momento político-institucional e a supressão de direitos e conquistas ameaça seriamente as próximas gerações. Temporão falou da gravidade do cenário a partir da visão do governo interino, segundo a qual é preciso diminuir os gastos com saúde, de acordo com o princípio de que “não cabe no orçamento”. No Brasil, 52% dos gastos com saúde são de origem privada, enquanto 48% vêm do setor público. Na Inglaterra, 85% dos gastos são públicos.
“Deveríamos estar como a Inglaterra. Para isso, deveríamos ampliar os gastos públicos, mas vai-se diminuir. O setor conservador vê a saúde como um gasto. A distorção que já existe vai ser ampliada se as propostas do governo forem implementadas”, disse Temporão.
Ele lembrou que o ministro interino, Ricardo Barros, propõe “planos de saúde baratinhos para desafogar o SUS”. “Não satisfeito, disse que a maioria dos pacientes imaginam que estão doentes. Enquanto isso, para usufruir de um plano de saúde do Senado, basta exercer o mandato por 180 dias. O país vive um sistema de castas.” Na sexta-feira (15), Barros disse que o brasileiro tem uma cultura de fazer exames desnecessariamente e que a maioria dos pacientes "imagina" doenças, aumentando os gastos públicos.
Temporão destacou ainda a agenda liderada por parlamentares da bancada BBB (bala, boi e bíblia) no Congresso. Hoje, há cerca de cinco dezenas de projetos de lei que buscam destruir os direitos alcançados e impedir a conquista de novos. Ele citou propostas “pelo porte de armas, restrições ainda maiores sobre a legislação medieval que temos sobre o aborto, aniquilação do SUS, revisão da Lei Maria da Penha, aprovação de ‘Escola sem Partido’”, entre outras. “É uma agenda muito preocupante da direita ou extrema-direita”, afirmou.
Na educação, as perspectivas não são menos sombrias, segundo a palestra de Sérgio Haddad. Segundo ele, o país volta a uma aliança já conhecida no Ministério da Educação, formada pelo PSDB e DEM.
A privatização volta a ser uma diretriz de Estado, o que pode ser observado em textos publicados pela imprensa. Ele mencionou artigo de Alexandre Schneider, ex-secretário municipal de Educação de São Paulo, na gestão de Gilberto Kassab, que, na semana passada afirmou no jornal Folha de S. Paulo: “Chegou o momento de discutir com a sociedade brasileira a cobrança de mensalidade nas universidades públicas”.
Por trás dessa sugestão, a ideia é desmontar um sistema educacional sistêmico e universal, “focando” em uma área em detrimento do todo. No caso, a justificativa de cobrar mensalidades na universidade pública seria a de que o Estado precisa ter dinheiro para o ensino básico. “Essa lógica que predominou no governo Fernando Henrique Cardoso deve se impor em época de restrição orçamentária. Vamos viver um tempo de ‘focalização’ e se pode ver isso nos debates colocados na mídia” disse Haddad. “Estamos vendo uma crescente presença do setor privado nas estruturas que definem as políticas de educação.”
Ao lado das questões econômicas, há hoje no país a preocupante escalada censória e ideológica, simbolizada pela proposta Escola sem Partido, que se alastra por legislativos municipais, estaduais e federal. Fora todas as consequências na educação, “o ministério e as secretarias contarão com organismos de delação”, disse Haddad, em referência ao artigo 8° do PLS 193/2016, que tramita no Senado, e prevê: “O ministério e as secretarias de Educação contarão com um canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta lei, assegurado o anonimato”.
Já Sérgio Gobetti, do Ipea, teceu uma série de críticas à condução da política econômica não apenas pelo governo Dilma Rousseff, mas também pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo ele, o Brasil é um dos poucos países do mundo que não tributam dividendos para acionistas que recebem transferências de lucros, e os governos petistas não enfrentaram a situação. “Passamos 12 anos de governo sem enfrentar isso e nem mesmo colocar no debate.”
De acordo com Gobetti, o grupo dos muito ricos do país é formado por 70 mil pessoas que receberam, em média, R$ 4 milhões, cada um, por ano, e pagaram 6% sobre esse valor. O grupo de pessoas da alta classe média, formado por quem ganha de R$ 200 mil a R$ 300 mil por ano, desembolsa 12% em média. “A alta classe média vive de salários, que é tributado pelo Imposto de Renda, enquanto os muito ricos vivem de aplicações financeiras ou de dividendos. Isso é algo escandaloso.”
Segundo os dados disponíveis, esses 70 mil contribuintes concentram pouco menos de 25% da riqueza no país. “Não existe paralelo no mundo de países que disponibilizam estatísticas como essas”, disse Gobetti.
Ele criticou também algumas políticas econômicas e opções dos governos petistas, como “a obsessão em não fazer nada que contrariasse o mercado”. Um dos equívocos, segundo ele, foi a desoneração da folha, pela qual o governo pretendeu incentivar o crescimento. “A desoneração começou na indústria, se estendeu para o turismo, aos hotéis, bares e restaurantes, comércio varejista e construção civil. A cereja do bolo foram os meios de comunicação. A Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV), comandada pela Rede Globo, foi lá, pediu e levou.”
Segundo Gobetti, a desoneração da folha, que o governo decidiu fazer em 2011, quando a indústria estava muito fragilizada, principalmente pela concorrência chinesa, custou R$ 25 bilhões por ano para o governo. Por Eduardo Maretti, da RBA
Créditos: Rede Brasil Atual
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