A permanência da juventude no campo não deveria ser uma preocupação só de quem mora no campo, é um assunto que deveria ser debatido entre toda a sociedade. Segundo dados do IBGE, dos dois milhões de pessoas que migraram do campo para as cidades entre os anos de 2000 e 2010, um milhão eram jovens. A ausência de jovens camponeses para continuar o trabalho rural na agricultura familiar afetará a produção dos alimentos e consequentemente impactará a mesa dos trabalhadores e trabalhadoras da cidade.
A produção de alimentos no Brasil, de fato, é em sua maior parte proveniente da agricultura familiar. Ela fornece, por exemplo, 87% da produção da mandioca, 70% do feijão, 58% do leite, 59% da carne suína. Embora a agricultura familiar demonstre sua capacidade de promover segurança e soberania alimentar, como uma importante via para o desenvolvimento do país sem agressões ao meio ambiente, o êxodo rural continua existindo e a permanência do jovem no campo é um desafio.
Segundo o estudo “Dimensões da experiência juvenil brasileira e novos desafios às políticas públicas” divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), grande parte dos jovens de origem rural deseja construir projetos de futuro no campo e para permanecerem no campo, entretanto, precisam lutar por condições objetivas que garantam sua permanência e pelo acesso a direitos básicos de cidadãos. Quando não saem vitoriosos desta luta, não lhes restam alternativas, senão migrar para as cidades
A juventude rural vem afirmando que sair do campo é uma condição, e não necessariamente um desejo, um sonho. A definição sobre ficar ou sair do campo, não resulta exclusivamente da construção de vínculos familiares, comunitários e de identidade com a terra, mas passam por mudanças políticas estruturais, que promovam a revalorização dos camponeses, com garantia de vida digna, boas condições de trabalho, produção, comercialização, participação política e acesso às políticas públicas.
A antropóloga e professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Elisa Guaraná, que trabalhou como coordenadora política da Secretaria Nacional da Juventude nos governos Lula e Dilma, conta que devido às políticas públicas de incentivo e fortalecimento da agricultura familiar nos últimos 14 anos beneficiaram os filhos e filhas de camponeses e muitos jovens retornaram ao campo, mas as políticas não conseguiram mudar a realidade do êxodo rural. Elisa alerta que pra a juventude continuar resistindo no campo é preciso entender qual o modelo de desenvolvimento rural que o país quer é fundamental.
A agricultura familiar produz 70% dos alimentos seguros que chegam às mesas das brasileiras e dos brasileiros, sustentável e solidário e isso se choca ao projeto de desenvolvimento do atual governo e seus aliados. “Pararam a reforma agrária, acabaram com o Ministério de Desenvolvimento Agrário e a Secretaria de Juventude ligada a presidência da República foi transferida para o Ministério da Justiça. Que compromisso este governo tem com a juventude rural?”, questiona Elisa.
Para a Secretária Nacional da Juventude na CUT, Edjane Rodrigues essa conjuntura resulta de um modelo de desenvolvimento rural, historicamente empregado no Brasil, que se baseia no agronegócio que valoriza o latifúndio, a monocultura, a exploração da força de trabalho e o esgotamento do meio ambiente.
Edjane, que é agricultora familiar da base da CONTAG completa dizendo que atualmente não há política pública consolidada para a sucessão rural. “Ser filho ou filha de assentados, por exemplo, não significa que um dia a terra dos pais será herdada. Eu, por exemplo, que sou filha de assentada, além de ser mulher e não herdar as terras da minha família, se quiser permanecer no campo terei que ficar aglomerada no mesmo lote”.
“Precisamos de políticas estruturantes, especialmente voltadas à educação do campo, reforma agrária e condições dignas de trabalho. Precisamos, também, ampliar e qualificar a participação juvenil nos espaços de deliberação e controle social das políticas públicas, para fortalecermos e implementarmos ações diferenciadas que rompam com as desigualdades sociais, que persistem na historia do jovem do campo”, comenta Edjane.
O coordenador de juventude da CONTRAF Brasil, Francisco Auri Alves Júnior, nos conta que nesse sentido, as políticas públicas precisam dar conta de garantir acesso aos direitos básicos de cidadania. Temas como lazer, comunicação, mobilidade são essências, combinado com o desenvolvimento de políticas de produção como agroecologia, entre outras. “Agricultura familiar é um espaço de vida e precisa ser também um espaço cada vez mais de cidadania e inclusão para os jovens permanecerem no campo”.
Elisa finaliza dizendo que o movimento de juventude rural e camponesa tem condições de resistir. “A juventude rural organizada precisa se unificar e ir pra luta garantir uma vida digna e justa no campo e consequentemente para toda a sociedade brasileira”. A professora não descarta cobrar que as políticas públicas que já estão no papel sejam cumpridas, como o Estatuto da Juventude e o Plano Nacional de sucessão rural por exemplo.
Cabe destacar a condição ainda mais precária das jovens mulheres no campo. A cultura patriarcal do campo e a desigualdade nas relações de poder nas famílias tornam as possibilidades de permanência no ambiente rural e de sucessão das propriedades familiares mais difíceis para elas.
Edjane, que também é secretária de Mulheres da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETAG-Alagoas), conta que as trabalhadoras rurais estão participando mais da política e também estão se sindicalizando mais. “As mulheres rurais são super antenadas em relação aos direitos delas na construção da transformação da sociedade. Com a paridade na CONTAG nós conseguiremos ampliar o debate sobre a vida das mulheres no mundo do trabalho, na vida e na sociedade e isso só trará benefícios para a vida das trabalhadoras”, finaliza.
Créditos: CUT
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Os comentários aqui publicados são de responsabilidade de seus autores.