Entre janeiro e novembro deste ano, foram registrados 54 homicídios provocados por disputas por terras, superando os 50 mortos em 2015, segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Com o índice, o ano de 2016 já configura como o mais violento desde 2003, quando 71 foram mortos no campo.
O estado mais violento, Rondônia, somou 17 homicídios. Maranhão ficou na segunda posição do ranking, com 12 mortes, seguido do Pará, com seis.
Ruben Siqueira, da coordenação nacional da CPT, pontua que a ascensão dos números já ocorre há quatro anos, e que os homicídios estão concentrados na região Amazônica, "menina dos olhos do mercado mundial".
Segundo o ativista, o processo de financeirização fundiária, ou seja, a valorização das terras como ativo econômico, e a criação do Terra Legal, programa do governo federal feito para regularizar propriedades na Amazônia, são determinantes para entender a intensificação dos conflitos.
"Há uma corrida para ter essas terras como futuros investimentos ou com a possibilidade de conseguir sua legalização a preços muito baixos", disse.
Para a defensora Ilcemara Sesquin Lopes, do Núcleo dos Conflitos Agrários da Defensoria Pública do Estado de Rondônia, o crescimento da violência do campo no estado está relacionado aos retrocessos das políticas públicas do governo federal, já que a maioria dos conflitos está em áreas da União e que compete ao Incra.
Segundo ela, o Estado interveio de forma mais incisiva na região após os grandes conflitos de 2003, por meio da criação da Ouvidoria Agrária, que foi extinta em 25 de novembro.
"Houve muitas mudanças na diretoria do Incra. Alguns programas que estavam evoluindo, de repente, retrocederam. Há algum tempo que já não há tanta participação do governo federal nas questões agrárias do Estado. É natural que, com isso, a situação volte a ser o que era no passado", analisou.
Já Siqueira olha com preocupação a "desinstitucionalização do país". Segundo ele, a diluição de secretarias ligadas à reforma agrária e à agricultura familiar na Casa Civil e a extinção da Ouvidoria Agrária, no dia 25 de novembro, só agravam o quadro de violência.
Entre os homicídios contabilizados pela CPT em Rondônia, está o assassinato do casal Edilene Mateus Porto, de 32 anos, e Isaque Dias Ferreira, 34, em setembro. A morte das lideranças da Liga Camponesa foram anunciadas: ela, um anos antes do ocorrido, registrou um boletim de ocorrência informando à Polícia Militar que havia policiais armados rodeando o Acampamento 10 de Maio, onde moravam.
Sesquin Lopes reitera a falta de programas específico para proteção de vítimas e testemunhas de violência e defensores dos direitos humanos no Estado. "A maioria das mortes é anunciada. As pessoas são ameaçadas pelos grandes fazendeiros e outras pessoas que têm interesse na situação, só que pouquíssimas coisas são feitas neste âmbito", disse.
No final de agosto, o governo estadual criou, através da Lei Nº 3889, o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas do Estado de Rondônia (Provita-RO), que visa dar proteção às pessoas que estão sendo coagidas ou expostas a graves ameaças, ou que estejam colaborando com investigação ou processo criminal.
O Brasil de Fato questionou, por e-mail, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos sobre a quantidade de pessoas que já integram o Provita, mas até o fechamento da reportagem não obteve resposta.
Siqueira afirmou que medidas paliativas são pensadas quando as mortes são noticiadas fora do estado, inclusive internacionalmente. "Nenhuma medida é estrutural, no sentido de atacar as causas da situação. O que tem que ser feito é uma reforma agrária verdadeira e botar pra fora os ilegítimos pretendentes", disse.
A impunidade completa o "caldo favorável" ao aumento dos conflitos. "Casos que não vão a julgamento dão a sinalização de que a terra é sem lei e sem dono", declarou Siqueira.
Outro levantamento da CPT, de 2015, aponta que, nos últimos 30 anos, apenas 10% dos casos que foram encaminhados à Justiça foram julgados. Dos 1.270 homicídio registrados neste período, apenas 108 tiveram uma conclusão no Judiciário e somente 28 mandantes dos crimes e 86 executores foram condenados.
Sesquin afirma que a situação é resultado de uma polícia sucateada pelo poder político dos latifundiários da região. Além disso, não há estrutura para enfrentá-los". "O contingente é pequeno. As delegacias não têm estrutura para investigar, e os crimes, tão graves, acabam entrando na vala comum de todos os outros", avaliou a defensora.
A Defensoria cumpre o papel de intermediação de ocupantes de terra e os supostos donos das áreas e está à frente das negociações com os governos locais e federal. No entanto, Sesquin alega que o atendimento do órgão é "bem limitado". Em Rondônia, são apenas dois defensores públicos agrários, o que seria pouco para o tamanho do estado, segundo ela.
"Conseguimos atender pouquíssima gente. Mas atuamos tentando fazer a mediação dos conflitos, geralmente para evitar que haja intervenções da polícia de forma agressiva nas reintegrações de posse", afirmou.
Em nota, movimentos populares e entidades repudiaram as graves violações de direitos humanos em conflitos por terra ocorridos no estado. “No último período, a criminalização e o extermínio tornaram-se a regra, colocando o estado [de Rondônia] como o primeiro do país em assassinatos a lideranças de movimentos sociais camponeses de luta pelo direito à terra”, diz trecho do texto.
O Comitê Brasileiro de Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) encaminhou para Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 24 de outubro, pedido de ação urgente para que o governo brasileiro e, especificamente, o governo estadual de Rondônia tomem medidas imediatas que cessem as violações em curso e que impeçam que novas violações aconteçam. A reportagem buscou o posicionamento, através da assessoria de imprensa, dos ministérios da Casa Civil e da Justiça, que não respondeu. Foto: Cezar Magalhães.
Créditos: Brasil de Fato
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