Provocou surpresa entre políticos e economistas o acordo firmado ontem (20) pelo Executivo Federal para socorrer estados em dívida com a União. Pagamentos ficarão suspensos (em 100%) até o final deste ano. E a partir de janeiro de 2017, terão uma redução gradual de 5,5 pontos percentuais destes 100% a cada dois meses, até que o abatimento na dívida seja zerado – o que acontecerá em 18 meses.
A estimativa de impacto sobre as contas do Tesouro com a negociação será da ordem de R$ 50 bilhões até 2018. O acordo expõe uma contradição para uma equipe econômica – o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, acompanhou a reunião – há menos de um mês levou ao Congresso uma elevação da previsão de déficit da União neste ano, de R$ 96 bilhões para R$ 170 bilhões.
O presidente em exercício Michel Temer alegou que a ajuda tem "caráter de emergência" por conta da situação crítica observada nos estados. Mas prometeu incluir os termos da negociação na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) a ser enviada ao Congresso nos próximos dias, referente ao limite do teto dos gastos públicos à inflação do ano anterior. Das 27 unidades da federação, apenas duas, Piauí e Tocantins, não têm endividamento fora de controle.
A manobra é vista como forma encontrada por Temer de pedir apoio aos governadores para conseguir aprovar o ajuste, o quanto antes, no Legislativo. E, ao mesmo tempo, de convencer o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Além do ajuste e de outras medidas consideradas antissociais ventiladas – como restrições de acesso a aposentadoria e redução de direitos trabalhistas –, a própria continuidade do governo interino será objeto de votação. A mais importante batalha por votos travada no momento é em torno dos que definirão se o afastamento da presidenta Dilma Rousseff será ratificado ou revisto.
Renan participou da reunião e ainda não se pronunciou. Ele havia dito na última semana que em sua opinião, qualquer medida de ajuste só deveria ser apreciada pelo Congresso após a votação do impeachment de Dilma, mas se sabe que seu filho, o governador de Alagoas, Renan Calheiros Filho (PMDB), é um dos beneficiados com a negociação.
À tarde, durante visita ao Sindicato dos Bancários de São Paulo, o ministro da secretaria de Governo do governo afastado, Ricardo Berzoini, havia afirmado que a equipe econômica faz "jogada de marketing" com o assunto fiscal desde a posse. “O pacote do ministro Henrique Meirelles, que quis ampliar o déficit da União para R$ 170 bilhões este ano, prevê uma gordura de R$ 40 a R$ 50 bilhões. É para gastar em acordos e ações orçamentárias a serem negociadas em busca de construir uma base parlamentar até 2018, e daí para frente”, afirmou Berzoini.
Para o consultor legislativo Antonio Ferraz, especialista em contas públicas e professor da Universidade de Brasília (UnB), é no mínimo contraditório um governo que "reclama tanto do fato de a presidenta afastada ter feito má gestão, agora tomar essa atitude com tanta facilidade". Para Ferraz, a lógica é simples: segundo explicou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o acordo representará R$ 20 bilhões a menos nas contas públicas deste ano, mais R$ 15 bilhões a menos em 2017 e outros R$ 15 bilhões a menos em 2018. (Por Hylda Cavalcanti)