segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Oito pontos para entender a história do Hamas e do Islã político

Há algumas perguntas as quais é necessário responder para que se entenda o conflito palestino-israelense e atual situação no Oriente Médio 

1. Quando surge o Islã político?
Em 1928 é fundada a Irmandade Muçulmana no Egito que, com o passar dos anos, foi se expandindo para vários países do mundo árabe. Esta foi a primeira organização moderna a adotar o Islã como base de seu projeto político. Apesar de sua criação precoce e desenvolvimento teórico ao longo do século XX, durante décadas foi ignorada pelos governos nacionalistas ou pró-ocidentais que dominavam a região. Por conta das perseguições, seu trabalho foi eminentemente social. A irrupção massiva e expansão do islamismo se deu, então, a partir de 1979, com a chegada da Revolução Iraniana ao governo do país. 
2. Quais são seus fundamentos? 
O islã político parte da premissa de que os postulados do Islã são aplicáveis a um programa político e integral para a sociedade. Daí resulta a sharia, ou Direito Islâmico. É necessário esclarecer que não existe uma única forma de interpretar o Corão (livro sagrado dos muçulmanos) e os preceitos do Islã. Isso se reflete, por sua vez, nas distintas organizações que promovem o islamismo. A sharia não é a mesma no Sudão (onde se pratica a mutilação genital feminina), na Nigéria (onde é permitido apedrejar até a morte uma mulher adúltera) ou no Irã, onde as mulheres podem dirigir e ir para a universidade.O cientista político francês François Burgat, especialista em Oriente Médio, toca em um ponto básico, mas que carece de explicação: “São as personalidades islâmicas que fazem o islamismo, e não o contrário”. Além disso, afirma que “segundo a natureza do terreno social que atravessa, das forças políticas que dela se apropriam, e das reações dos governos, a corrente islâmica se expressa com multiplicidade de registros e através de modos muito distintos. Nenhum deles pode ser uma chave de leitura única e atemporal”. Por isso, é incorreto dizer que o Hamas, na Palestina, é o mesmo que o Boko Haram, na Nigéria, ou então a Irmandade Muçulmana, no Egito.
3. Que setores sociais representa o Islã político?
Com a revolução iraniana de 1979 e o primeiro governo islâmico da história, irrompem na política setores sociais que haviam sido relegados àquele rincão do mundo. O estudioso francês Gilles Keppel aborda essa questão ao defender que “o movimento islâmico é dúbio. Nele, encontramos a juventude urbana pobre, oriunda da explosão demográfica do terceiro mundo, do êxodo rural massivo e que, pela primeira vez na história, tem acesso à alfabetização.” Keppel explica que também o integram “a burguesia e as classes médias piedosas que foram marginalizadas no momento da descolonização, levada a cabo pelos miliares e por dinastias fundadas por meio do poder". Isso quer dizer que o islamismo tem um apoio popular significativo, especialmente em sua versão mais radical, e também nacional. Mas não significa necessariamente que incorpore um projeto político ligado às reivindicações populares progressistas ou de esquerda.

4. Por que o islamismo se dividiu em duas correntes majoritárias?
Toda revolução gera uma reação, e o caso do Irã não foi a exceção. A chegada ao poder do Aiatolá Khomeini em 1979 determinou o auge do Islã político e também a sua radicalização, em contraposição aos esforços reformistas da histórica Irmandade Muçulmana. É assim que aparecem e ganham força, na década de 1980, grupos armados islâmicos, como o Hezbollah, no Líbano, e o Hamas, na Palestina. Em resposta, a dinastia da Arábia Saudita emerge como foco de contenção à radicalidade desses novos movimentos. O islamismo conservador passou, assim, a ser financiado por um dos países mais ricos do mundo e seus aliados estratégicos. Para sufocar a tentativa de estender a revolução iraniana ao resto do Oriente Médio, a Arábia Saudita impulsionou sua própria “cruzada”: a guerra do Afeganistão. Milhares de mujahidines foram enviados como combatentes internacionalistas a deter o avanço do comunismo soviético por meio da dinastia de Riad. Dessa situação nasceu a ligação do saudita Osama Bin Laden ao Taliban, que então governava o Afeganistão.
5. Como e por que surge o Hamas?
Neste contexto convulsionado do Oriente Médio, com o Islã político no auge durante a década de 80, surge o Hamas (“Despertar”, em árabe). Embora suas origens estejam ligadas à Irmandade Muçulmana egípcia, devido ao trabalho social que realizava principalmente na Faixa de Gaza, a nova organização expressou e expressa uma das versões do islamismo radical, como consequência da influência da Revolução Iraniana. A primeira Intifada (“levantar a cabeça”), que começou em 1987 e durou até os Acordos de Oslo de 1993, foi o contexto no qual emergiu este novo movimento político-militar. Durante estes anos, as populações palestinas de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental se rebelaram contra a ocupação israelense.
6. O Hamas foi impulsionado por Israel?
Poucas mentiras sobre o conflito palestino-israelense foram tão difundidas e aceitas, inclusive em ambientes ocidentais progressistas. Como citado anteriormente, o Hamas surgiu de organização do trabalho social realizado nas mesquitas palestinas, muito similar ao promovido pela Irmandade Muçulmana no Egito. Durante décadas, Israel permitiu a proliferação do trabalho religioso islâmico por considerá-lo inofensivo e por representar um freio à posição laica, democrática e de libertação nacional da OLP (Organização para a Libertação da Palestina). Aqui nasce o erro e a distorção histórica. Foi esta construção subterrânea que permitiu ao Hamas desenvolver uma hegemonia muito forte entre a população (fundamentalmente de Gaza). A Revolução Iraniana e a politização massiva do Islã no Oriente Médio catapultaram o trabalho social ao plano político.
7. Quais as diferenças entre o Hamas e a OLP?
Primeiramente, o Hamas é uma organização cujo objetivo é construir um Estado islâmico na região histórica da Palestina, enquanto a Organização para a Libertação da Palestina é laica, e portanto luta por um Estado palestino democrático e similar ao estilo ocidental. Outro ponto de divergência na década de 90 foi o reconhecimento do Estado de Israel como tal. Após anos de luta, a OLP optou por negociar, e dessa forma se alcançou os Acordos de Oslo, que deram origem à Autoridade Nacional Palestina (ANP), governo do proto-Estado que nunca se constituiu devido às violações por parte de Israel. O Hamas, por sua vez, nasceu e postula, em sua carta orgânica, a destruição do Estado de Israel. Por isso, rejeitou, no começo, os Acordos de Oslo e a ANP. Esta postura inicial, entretanto, se converteu com o tempo em posições mais realistas.
8. Qual é a política atual do Hamas?
No início, o Hamas adotou um linha de ação radical, que incluía a realização de atentados suicidas entre 1994 e 2004 (desde então não voltou a realizá-los, embora a propaganda israelense os cite sistematicamente). A radicalização, somada à posição mais diplomática da OLP, permitiu ao grupo crescer e se consolidar como uma alternativa diferente ao povo palestino. No entanto, sua política tem variado. Em 2001, Ahmed Yassin, dirigente máximo da organização, assassinado em 2004 por Israel, afirmou: “Não lutamos contra povos de outras religiões ou judeus pelo fato de serem judeus. Lutamos contra os que ocuparam nossas terras, tomaram nossas propriedades, transformaram em refugiados nossas famílias e massacraram nossos filhos e mulheres". Em 2006, o Hamas concorreu pela primeira vez às eleições legislativas para a ANP. Em um dos pleitos mais democráticos da região, saiu vencedor. Mas Israel e Estados Unidos tentaram dividir e deslegitimar o triunfo do grupo islâmico. Com certo consentimento do Fatah (a organização preponderante a OLP), o governo palestino se fragmentou em dois: Hamas em Gaza e OLP na Cisjordânia. 
Esta divisão favoreceu e favorece a política israelense de negar a criação de um Estado palestino autônomo e soberano. Porém, no início deste ano, Hamas e OLP haviam firmado acordo para reunificar o governo palestino mediante uma administração de transição, até que se realizassem novas eleições. A decisão palestina provocou a ira do governo de Israel, que poucos meses depois, principiou a ofensiva que perdura até agora. Por Santiago Mayor
(*) Artigo originalmente publicado no portal Notas; tradução por Anna Beatriz Anjos, da Revista Fórum . Copiado do Opera Mundi. Foto: EFE
Créditos: Opera Mundi

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