A presença de representantes de todos os setores durante votações consideradas polêmicas sempre foi comum no Congresso Nacional, mas o que a Câmara dos Deputados viveu na semana que passou – e que tende a se repetir esta semana – reflete uma situação desproporcional no acompanhamento da sessão que votou o texto base do Projeto de Lei (PL) 4.330, que legaliza atividades de terceirização, e na aguardada continuidade da apreciação da matéria, amanhã (14).
Do lado de dentro, presidentes de entidades empresariais, representantes do patronato e um grupo de pessoas que se diziam assessores parlamentares das confederações nacionais da Indústria (CNI), da Agricultura (CNA) e do Comércio (CNC) ficaram o dia inteiro acompanhando a votação e em contatos com os deputados. Do lado de fora, manifestantes e filiados das centrais sindicais foram proibidos de entrar, após um confronto da polícia legislativa com um dos grupos – que proibiu de forma agressiva a aproximação de um carro de som do espelho d'água do Congresso.
Para a deputada Erika Kokay (PT-DF), não é razoável que no momento em que se decide uma matéria "que diz respeito à vida destes trabalhadores", conforme destacou, o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tome uma medida "tão arbitrária" (de impedir a entrada das pessoas às galerias da Casa).
Por isso, os deputados que estão contrários ao PL e querem mobilizar os manifestantes interessados em retornar ao Congresso para a continuação da votação do PL já deram início a novos pedidos para evitar que a decisão de Cunha se repita. Já deixaram claro que estão preparados, inclusive, para insistir em alguma outra decisão de ordem judicial.
Isso porque Cunha justificou-se destacando que ao proibir a entrada dos manifestantes, preocupou-se com a “integridade física” dos parlamentares, diante do clima de animosidade que foi instalado depois do confronto entre policias e trabalhadores. E diante de decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Melo, que considerou inconstitucional a proibição de se ocupar as galerias, o presidente da Casa declarou que iria avaliar a liminar com sua equipe, podendo, no início da semana, apresentar um recurso, no sentido de manter a restrição ao acesso.
A preocupação dos deputados que criticaram o gesto do presidente da Casa diz respeito ao desconforto e decepção estampado por muitos trabalhadores, que saíram de outros estados para acompanhar a votação, como foi o caso do motorista Paulo Henrique Fernandes, do sindicato dos motoristas do Pará. “Viemos de ônibus de Belém para acompanhar os deputados e pedir que votem contra o PL. Fizemos esse esforço porque sabemos que o texto vai mudar muita coisa para nós e é preciso contribuir, fazendo a nossa parte e nos mobilizando”, disse ele, na última quarta-feira.
'Sei bem como é'
Segundo o motorista, ele hoje está contratado numa empresa com carteira assinada, mas trabalhou durante oito anos como garçom, num emprego terceirizado. “Só eu sei como é difícil ser encaminhado para vários órgãos públicos pela empresa contratante e se sentir invisível em relação ao restante dos funcionários do local, em termos de direitos. Se tiver que regulamentar a terceirização, que é importante, que seja de uma maneira bem feita”, acrescentou.
Como estava em frente ao Congresso por volta das 9h, Paulo Henrique nem fez muita questão de entrar para as galerias depois que, no meio da tarde, a polícia legislativa entrou em confronto com os manifestantes e fechou as entradas. Considerou que, para a estratégia montada pelo seu sindicato, era mais importante que o grupo ao qual fazia parte ficasse do lado de fora, mesmo, conversando e orientando os que chegavam.
Mas muita gente demonstrou frustração. “Isso é um absurdo. A gente se organiza para vir até aqui e trazer os colegas e é expulso de uma casa que nos representa. Esse povo está aí dentro porque foi eleito por nós”, queixou-se a professora Eliane Pinheiro, do Distrito Federal, referindo-se aos deputados e senadores.
‘Assessoria parlamentar’
O outro lado – formado pelas ações dos que defendem o projeto, no entanto, foi observado de forma tranquila por assessores de vários locais. “Estamos o dia inteiro aqui e nos preparando para vir amanhã, ajudar os deputados”, afirmou, sem entrar em muitos detalhes, a estudante de Direito Alexandra Carla Soares, que disse ter sido contratada pela CNA.
Ela e um grupo de moças distribuiu, horas antes da sessão de votação, um folheto mostrando “os motivos pelos quais o PL é importante e a necessidade de dar segurança jurídica às empresas em relação à terceirização”. Curiosamente, Alessandra não quis divulgar o material que estava distribuindo para a repórter. “É só para deputados", desculpou-se.
Está aberta, portanto, nova temporada de embates entre o Legislativo e o Judiciário. E, também, entre os deputados que são contra e os que defendem o PL. Tudo para discutir um tema que já está sendo chamado, nos corredores desta "Era Cunha" – referência que tem sido feita à legislatura do atual presidente – de “ironia das ironias”: o acesso justamente dos cidadãos responsáveis por colocar no Congresso nacional aqueles que lá estão.
"Estão sendo criadas duas novas bancadas partidárias, nos últimos dias: a dos contrários e dos favoráveis à terceirização na atividade-fim. E nessa disputa, muitas regras regimentais têm sido lembradas, quebradas e ate questionadas", disse um analista legislativo, ao comentar o tom ácido dos discursos dos últimos dias.
Créditos: Rede Brasil Atual
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