A organização de Direitos Humanos Justiça Global enviou um informe à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA) denunciando a intervenção militar decretada pelo Governo Federal no Estado do Rio de Janeiro.
O documento aponta diversas irregularidades no decreto que instituiu a intervenção, além de sinalizar sua absoluta incompatibilidade com os tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário. Em face da gravidade da medida e de suas prováveis consequências, a denúncia pede a criação de um canal de diálogo permanente dos organismos internacionais com a sociedade civil brasileira que está dedicada à crítica, ao monitoramento e denúncia desta medida de exceção, assim como uma manifestação pública dos organismos internacionais sobre as violações de direitos no país.
Para a Justiça Global, a ruptura institucional instaurada pela medida de intervenção insere-se em um contexto mais amplo de afrouxamento das garantias constitucionais, dos princípios democráticos e das políticas sociais no país, levado a cabo por um governo com déficit de apoio popular e de legitimidade política. A gravidade desta medida ameaça, assim, os direitos e garantias individuais de toda a população do Rio de Janeiro, sobretudo as populações negras e pobres, moradoras de favelas e periferias urbanas.
A denúncia internacional insere-se em um contexto de ampla mobilização da sociedade civil contra a intervenção militar. A preocupação crescente com as violações que ela pode desencadear amplifica-se ainda mais à luz de episódios anteriores de utilização das Forças Armadas como agentes de segurança pública na cidade e no estado do Rio de Janeiro. O documento enviado aos organismos internacionais recupera alguns exemplos deste trágico desvirtuamento das funções constitucionais das tropas militares, como a invasão à favela da Rocinha em setembro de 2017, e a operação militar em novembro do mesmo ano na favela do Salgueiro, em São Gonçalo.
“A utilização das Forças Armadas na segurança pública na cidade do Rio de Janeiro tem se tornado uma constante durante o período de redemocratização. Esta prática tem promovido um verdadeiro festival de violações de direitos humanos, sobretudo para a população negra e pobre”, afirma Sandra Carvalho, coordenadora da Justiça Global. “Um dos pontos de maior relevo em nossa denúncia é o fato de que a Constituição não autoriza que a autoridade política dos estados seja transferida da esfera civil para a esfera militar, mas tão somente da esfera estadual para a esfera federal. Ao definir que ‘o cargo de Interventor é de natureza militar’, o decreto de intervenção afronta a ordem constitucional”, conclui Sandra.
A denúncia destaca dois episódios que evidenciam a gravidade e necessidade de alerta quanto à transferência de poder para um comando militar. O primeiro se trata da declaração do Comandante do Exército brasileiro de que “[os] militares precisam ter garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade”, referindo-se à Comissão Nacional da Verdade, que foi responsável pela investigação e documentação dos crimes cometidos pelos agentes do Estado brasileiro durante os anos da ditadura militar no país. O outro episódio, igualmente grave, consiste na mensagem do chefe do centro de comunicação social do Exército Brasileiro sobre a intervenção militar no Rio de Janeiro, direcionada a todas as organizações militares do país, que transmitiu o seguinte recado do Comandante do Exército às suas tropas: “O Comandante do Exército entende que a solução exigirá comprometimento, sinergia e sacrifício dos poderes constitucionais, das instituições e, eventualmente, da população”.
Créditos: WSCOM
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