O governo não tem mais pauta econômica que centralize as atenções, como era o caso da reforma da Previdência. Por isso, pegou um conjunto de medidas que já estavam em parte sendo discutidas no Congresso Nacional e elencou 15 delas como se fossem novas prioridades. A avaliação é do economista Guilherme Mello, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Para ele, essa é uma agenda legislativa que já existia, e terá pouca força para disputar atenções como a atuação concentrada na intervenção militar no Rio de Janeiro. “Não há uma leitura precisa de qual a capacidade do governo de encaminhar essas pautas, que é muito diversa, atira para todo lado e, portanto, não tem objetivo único”, afirma Mello, em entrevista concedida nesta terça-feira a Rafael Garcia, na RBA. O professor analisou três dessas “15 prioridades”: O projeto de independência do Banco Central, a privatização da Eletrobras e a extinção do chamado Fundo Soberano.
O BC, segundo sua visão, já tem autonomia em relação ao governo ("pena que não tem em relação ao mercado", ironiza) –, e propor independência total seria tirar da sociedade o direito de "eleger" que economia quer para o país.
Essas ideias, observa Mello, são baseadas em necessidades fiscais imediatas. Como o governo não consegue arrecadar, quer usar importantes patrimônios estratégicos para fazer caixa e tentar fechar as contas – “danem-se” os futuros governos. E carregadas de ideologia de mercado, em que se vende a tese de tudo o que é público é ruim e o que é privado é bom – uma tese sem base histórica e prática a comprovar, lembra o economista, citando a experiência da crise de dimensões globais de 2008, originada por corrupção e fraudes em grandes corporações financeiras privadas, geridas pelo “mercado”. Acompanhe a análise.
Evidente que não. Não é de hoje o Banco Central já usufrui alguma autonomia em relação ao governo, mas não em relação às pressões do mercado financeiro. Afinal de contas, ele constrói o seu cenário com base na visão dos integrantes dos mercados. Por exemplo, a partir de boletins que colhem opiniões dos agentes do mercado, o chamado Boletim Focus. Então, essa autonomia, na prática, já existe. O que existe é a discussão entre autonomia e independência.
Independência seria o caso de o presidente do Banco Central não ser nomeado, ou ser indicado para um mandato fixo que o presidente da República não pode mudar. O grande problema nesse caso é que você tira de vez do governo a capacidade de determinar os rumos da política monetária, que é uma parte muito importante da política econômica. É como se o povo elegesse um presidente que não pode comandar a economia. Então, isso é um tema muito complexo, que não pode ser debatido a toque de caixa.
É uma empresa estratégica, sem dúvida. Das poucas grandes empresas estatais que sobraram, a Eletrobras é uma delas. A gente teve, num passado recente, experiências de tentativas de privatização da geração de energia. E isso redundou num apagão energético (em 2001) decorrente da falta de investimento e de planejamento. Por quê?
Porque uma coisa é você privatizar linhas de transmissão ou outras atividades que são mais rentáveis, aí o setor privado tem algum interesse em entrar, em particular investidores internacionais. Outra coisa é tentar privatizar usinas, a parte de geração, que exige investimento inicial muito alto com retorno a muito longo prazo.
Por isso, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, exige uma participação muito grande do setor público. Sem falar que quem controla uma usina controla também o rio – a vazão e seu fluxo. A discussão da privatização da Eletrobras é em parte fiscal. O governo está desesperado para arrecadar mais “recursos extraordinários”, que são as receitas que não vêm todo ano. Vendeu, pronto. Alguém paga e o dinheiro só entra nesse ano. Então ele que fechar as contas e – vamos ser sinceros – fica um “dane-se” para os próximos governos.
E além desse lado fiscal, tem o lado ideológico, que é o de acreditar que tudo que é privado é bom e o que é público é ruim. E obviamente isso é um argumento ideológico, a ideologia do mercado. Se você olhar a história recente, grandes empresas privadas tiveram sérios problemas, de corrupção inclusive, e não só no Brasil. Nunca é demais lembrar que a crise de 2008 foi provocada por corrupção e fraudes nos bancos privados. Essa ideia de que o privado é sempre melhor do que o público me parece basicamente uma tese ideológica, e não com base em experiência histórica nem prática.
O Fundo Soberano no Brasil foi pensado como uma forma de diversificar os ativos do governo federal. O governo tem lá as reservas cambiais, predominantemente em dólar, títulos do tesouro americano, o que rende muito pouco. Fundo soberano é uma forma de diversificar isso. É muito embasado na experiência de países da Europa e, em particular, de outros países, exportadores de petróleo – e o Brasil já é e será cada vez mais um grande produtor.
Parte dessa receita era usada de forma a construir um fundo, e com ele financiar investimentos, inovação, no caso brasileiro poderia estar voltado para educação e saúde. É um projeto que muita gente chamou de passaporte para o futuro. Usar receitas que o petróleo vai gerar para promover desenvolvimento econômico e social e também para evitar que o câmbio se valorize. Se você exporta muito petróleo e o ingresso de dólar aumenta, o câmbio valoriza, o que pode prejudicar sua indústria. É curioso isso, se você exporta bastante acaba prejudicando sua indústria. É uma realidade que vários países já passaram e que o Brasil queria evitar ao criar o fundo soberano.
Então, o governo Temer, ao acabar com o Fundo Soberano, está sinalizado duas coisas. Primeiro, quer raspar o tacho de onde tiver dinheiro (de novo para melhorar o resultado fiscal de imediato). E, segundo, quer destruir o legado dos governos Lula e Dilma, desmontar tudo o que foi feito, entregar tudo para o setor privado, assim como já está entregando o petróleo.
Créditos: Rede Brasil Atual
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