sexta-feira, 19 de abril de 2013

Vilarejo entre Honduras e El Salvador vive situação de abandono e indefinição

Estrada sem asfalto em la Nahuaterique (Foto: Rebecca Lawn)

O vilarejo de La Nahuaterique tinha uma situação indefinida até 1992.
O local, na fronteira entre El Salvador e Honduras, foi disputado pelos dois países em uma guerra que durou apenas quatro dias. Em 1992, a Corte Internacional de Justiça determinou que o vilarejo era de Honduras.
No entanto, 22 anos depois, há poucos sinais da presença do governo hondurenho em La Nahuaterique.
"Ali é El Salvador", disse Marcos Argueta, subindo ao ponto mais alto do vilarejo e apontando para o topo enevoado de um vulcão.
"E ali, onde estão as lavouras de milho, é Honduras. De certa forma, não estamos nem aqui nem ali. Fomos abandonados pelos dois (países)", afirma o morador de La Nahuaterique que também é um líder comunitário muitas vezes procurado por outros moradores para resolver problemas.
A guerra de quatro dias entre os países ocorreu em 1969, em parte devido ao fato de que a população de El Salvador tinha invadido e construído casas em terras que o governo de Honduras afirmava que eram suas, em uma área indefinida da fronteira.
Há 22 anos foi determinado que o vilarejo pertencia a Honduras. Mas, hoje, ele é o lar de 6,5 mil salvadorenhos.
Os moradores não participam da vida política de Honduras, não são parte de nenhum distrito eleitoral parlamentar, e a polícia nunca aparece em La Nahuaterique.

Viagens

Professores vêm de uma cidade hondurenha, Marcala, a 32 quilômetros de distância. O padre também e ele aparece no vilarejo ocasionalmente.
Para muitos serviços básicos, os moradores precisam fazer uma viagem de 12 quilômetros para El Salvador.
"Muitas pessoas não queriam ser hondurenhas, mas elas não podem sair daqui pois não têm terras em nenhum outro lugar. Todos nós pensamos: 'pelo menos Honduras virá e cuidará de nós'", afirmou Argueta.
"Há problemas graves com a segurança. Qualquer um pode entrar (no vilarejo), traficantes de drogas, criminosos", acrescentou.
Os postos de fiscalização dos militares estão instalados em estradas esburacadas e sem asfalto, e fiscalizam apenas o tráfico de madeira ilegal. O fornecimento de madeira para El Salvador era o principal negócio na região até que a fronteira foi definida e a lei hondurenha proibiu a prática.
Outro problema de infraestrutura está ligado à saúde. Se os moradores precisam de um médico, precisam viajar 20 quilômetros, muitas vezes caminhando, pela fronteira, até chegar a Perquin, Morazán.
E, nesta região, as altitudes variam entre 1,2 mil e 1,7 mil metros acima do mar.
"No inverno, as estradas ficam difíceis. (Uma viagem) pode levar duas ou três horas. Se uma mulher tem algum problema durante a gravidez, pode ser muito perigoso. Mulheres e bebês morreram tentando chegar a um médico", contou Argueta.
É preciso fazer a mesma jornada para ir ao banco e cerca de um terço da população local depende do dinheiro que recebe de familiares que estão nos Estados Unidos.
A escola secundária, para aqueles que podem pagar, também fica em El Salvador.
"Eles têm uma saúde pública e educação melhores lá. Eles são recebidos de braços abertos. Em seu próprio país (Honduras) as pessoas se sentem como imigrantes, estrangeiros", afirma Jose Ramos, da organização de caridade Progressio Latina.

Gás, rádio e celular

Algumas partes de La Nahuaterique recebem energia elétrica da rede hondurenha. Mas o gás propano é comprado, em sua maior parte, de El Salvador, a maioria das pessoas escuta rádios salvadorenhas e aqueles que têm um celular conseguem um sinal mais forte vindo de El Salvador.
Em termos de futebol a cidade também está dividida. Alguns torcem para a Seleção de El Salvador, outros para a seleção de Honduras e ainda há um terceiro grupo que se recusa a escolher entre os dois.
Os dois governos assinaram um acordo em 1998 pelo qual os salvadorenhos no lado hondurenho da fronteira e os hondurenhos do lado de El Salvador poderiam obter a cidadania dupla.
Mas, depois de 15 anos, mais de mil salvadorenhos em La Nahuaterique ainda aguardam a cidadania hondurenha. Sem ela, eles não podem trabalhar para o governo, receber pagamentos de aposentadoria, pegar um empréstimo e nem conseguir a carteira de motorista.
Tecnicamente, os que têm a cidadania podem votar, mas não para um membro do Parlamento, apenas para um partido (parte do Parlamento de Honduras é eleito por representação proporcional).
Na prática, os partidos hondurenhos não fazem campanha em La Nahuaterique e apenas uma parte dos moradores se dá ao trabalho de viajar até a zona eleitoral da cidade de Santa Elena.

Integração

O vilarejo tem cerca de um século de idade e foi criado como uma resposta à falta de terras em El Salvador, um país que tem apenas um quinto do tamanho de Honduras mas conta com uma população muito maior.
A maior parte da zona rural do país era de propriedade de latifundiários, o que levou os camponeses a irem para áreas mais afastadas na fronteira e transformar estas regiões em áreas agrícolas. A maioria deles ainda trabalha no campo, cultivando milho, café e feijão.
Nos últimos anos foram tomadas algumas medidas para tirar os moradores de La Nahuaterique do limbo. Em 2010, apenas 200 pessoas tinham a cidadania hondurenha, mas o número já aumentou para 5 mil.
Agora, também há propostas para integrar ainda mais o vilarejo ao sistema administrativo de Honduras: uma é dividir La Nahuaterique entre dois municípios vizinhos ou transformar o vilarejo em um município independente.
Para José Ramos, a divisão seria desastrosa já que os prefeitos dos municípios vizinhos não são simpáticos aos salvadorenhos, vendo-os mais como estrangeiros.
"Se transformar em um município é o único caminho para eles se sentirem verdadeiramente aceitos", disse.

BBC Brasil





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