Se a proposta de meta fiscal do governo interino de Michel Temer vier a ser implementada, os programas sociais deverão ser fortemente atingidos. O Programa Bolsa Família (PBF), especialmente, deixará de atender a 10 milhões de famílias pobres que necessitam do benefício. A estimativa é do estudo Os impactos do Plano Temer nas políticas sociais: o caso do Bolsa Família, lançado ontem (24) pela Fundação Perseu Abramo (FPA), em São Paulo. Trata-se do primeiro de uma série que será produzida a partir do monitoramento da Fundação sobre as políticas de Temer.
Conforme destacou o presidente da FPA, o economista Marcio Pochmann, na era Temer, o sistema público deverá voltar-se fundamentalmente aos 5% mais pobres. Isso porque, segundo o documento "Uma Ponte para o Futuro", do PMDB, esse percentual não estaria inserido na economia e reside em comunidades isoladas, esparsas, somente para os quais os equipamentos e serviços públicos e programas de sustentação de renda devem ser descentralizados. Assim, não haveria necessidade do programa nas regiões metropolitanas.
Segundo as informações oficiais do IBGE e disponíveis na Pnad de 2014, o contingente dos 5% mais pobres seria de 3,4 milhões de famílias, equivalendo a cerca de 12,2 milhões de pessoas. O rendimento médio dessas famílias era de apenas R$ 176 mensais (R$ 5,87 por dia para família ou R$ 1,63 per capita ao dia). Para o ano de 2014 e o mesmo parâmetro de pobreza, contabilizava-se pela Pnad o contingente de 14,3 milhões de famílias de pobres. Pelo PBF, 13,9 milhões de famílias eram atendidas em abril de 2016, o que equivalia a cobertura de 97,3% dos pobres estimados pelas informações do IBGE de 2014.
"As pessoas das regiões urbanas, onde há grandes bolsões de extrema pobreza, deverão ser as mais afetadas por mudanças no programa. Em São Paulo, o estado mais rico, a pobreza está nos grandes centros, em bairros que concentram as famílias mais pobres", destacou Pochmann. Ele lembrou ainda posicionamento do ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR), para quem o país não tem condições de manter os direitos que a Constituição garante, entre eles, a universalidade do acesso à saúde.
Em 2015, enquanto deputado federal relator do Orçamento Geral da União, Barros propôs oficialmente o corte de R$ 10 bilhões de recursos para o Bolsa Família, levando à retirada de 23 milhões de pessoas do programa de transferência de renda, sendo 11 milhões de crianças e adolescentes de até 18 anos. "Agora ministro, ele vive defendendo a repactuação, como na Grécia, que cortou as aposentadorias”, disse.
Segundo o estudo, a implementação da proposta do Plano Temer vai afetar a todas as regiões. Porém, o Centro-Oeste, que atualmente possui a maior cobertura nacional pelo programa, passaria a ter a menor proporção de cobertura, com apenas 20% das famílias assistidas (137,7 mil famílias). Na sequência, a região Norte, com 21,2% (370 mil famílias), região Sul, com 21,8% (236 mil), Sudeste, com 22% (843 mil famílias), e Nordeste, com 25,9% (1,8 milhão de famílias).
Todos os estados serão prejudicados, porém, a situação será mais grave no Amapá (16,1% de cobertura e somente 9,5 mil famílias atendidas), Rio de Janeiro (16,3% e 133,3 mil famílias), Distrito Federal (18,2% e 20,1 mil famílias), e Paraná (19,3% e 86,3 mil famílias atendidas). Não existem estados os quais possam ser enquadrados como pouco prejudicados.
Na região Centro-Oeste, 20% das famílias que necessitam do benefício serão excluídas. No Nordeste, só um quarto delas será beneficiada. Serão 7 milhões de pessoas desassistidas só no Nordeste.
A Bahia, hoje o estado com maior número de bolsistas, deverá ter 1.3 milhão de famílias excluídas. Em São Paulo, o segundo, será 1,1 milhão. Minas Gerais, 1 milhão de famílias, Ceará, 840 mil, e Pará, 700 mil famílias.
Apenas a região Nordeste contará com 5,1 milhões de famílias em situação de pobreza não atendidas. As regiões Sudeste com 3 milhões, Norte com 1,4 milhões, Sul com 850 mil e Centro-Oeste com 550 mil, completam o quadro da possível tragédia social que se avizinha.
Do conjunto das 10,5 milhões de famílias passíveis de exclusão pela proposta do Plano Temer, 49,6% pertencem à região Nordeste, 25,5% ao Sudeste, 12,9% ao Norte, 6,5% ao Sul e 5,5% ao Centro-Oeste. E da economia dos R$ 20,9 bilhões, 51,7% deixarão de ir para a região Nordeste, 23,1% ao Sudeste, 14,5% ao Norte, 5,8% ao Sul e 5% ao Centro-Oeste.
"Impacto social significativo, com agravamento da situação de uma população vulnerável, com baixa escolaridade, com história de exclusão social. Haverá aumento da pobreza, subnutrição, violência, com maior impacto sobre o sistema de saúde. E evasão escolar, já que a frequência à escola é condição para recebimento da bolsa. Poucos estados mantiveram seus programas de transferência de renda, desarticularam-os, reunindo-se em torno do programa federal. Há cidades em que mais da metade da população está na pobreza", disse o economista.
Pochmann lembrou que nos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff as políticas sociais foram mantidas mesmo durante a grave crise de dimensão global iniciada em 2008. "O Brasil rompeu com o padrão governamental de internalizar medidas recessivas, como era desde 1981. Com isso, não houve corte de gastos sociais, o que permitiu proteger melhor a população em geral, sobretudo a situada na base da pirâmide social", disse.
Inovador ao reunir várias políticas de transferência de renda, o Bolsa Família é reconhecido e premiado no Brasil e no exterior. Pagando um benefício em média de R$ 160, é responsável por retirar 36 milhões de pessoas da linha de pobreza e ainda é um mecanismo que estimula economias regionais. De acordo com dados do Ipea, para cada R$ 1 gasto com o Bolsa Família, são adicionados ao PIB R$ 1,78.
Segundo Pochmann, é assim porque a família pobre precisa gastar uma parcela maior de sua renda mensal do que outras classes econômicas. "Assim, os R$ 27,6 bilhões gastos em 2015 com transferência aos beneficiários incrementou o PIB do mesmo ano em R$ 49,2 bilhões", disse. "Enquanto os Estados Unidos comprometem 2% de seu PIB em programas focalizados, o Bolsa Família respondeu em 2015 por 0,46% do PIB brasileiro. Foto: Pe. Djacy.
Créditos: Rede Brasil Atual
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