RFI - A PEC do Teto, que limita o aumento dos gastos públicos à inflação do ano anterior, pode reduzir o tamanho do Estado brasileiro a um nível que ameaça o desenvolvimento do país nos próximos 20 anos. A medida, que visa estancar o crescimento da dívida, deve reduzir as despesas do Estado de cerca de 20% do PIB para em torno de 13%. Países desenvolvidos gastam em torno de três vezes mais para assegurar serviços públicos de qualidade.
As diferenças entre os países ricos são o tamanho do Estado – quanto mais um país gasta para assegurar os serviços públicos, menos os cidadãos terão de pagá-los através da iniciativa privada. É por isso que, nos Estados Unidos, por exemplo, a fatia das despesas públicas é de 38,8% do PIB, enquanto nos países europeus, onde impera o Estado de bem-estar social, a média sobe para 49,9%.
“Tudo depende da sociedade que queremos. Nos países desenvolvidos, inclusive naqueles mais liberais, há um modelo de proteção social mais estabelecido do que nos emergentes ou em desenvolvimento, mas isso tem custos”, resume a pesquisadora Christine Rifflart, economista do Observatório Francês de Conjuntura Econômica (OFCE). “Até nos Estados Unidos, onde o Estado tem um peso menor, há uma série de compromissos com a população – mesmo que seja limitado à educação, à defesa e outros serviços essenciais.”
As experiências mundo afora mostram que os investimentos privados não compensam a falta de investimentos públicos. “É uma ilusão pensar que o setor privado vai gastar no lugar do público. Não existe mágica nesse sentido”, ressalta Stéphane Straub, da Toulouse School of Economics e pesquisador convidado do Banco Mundial, em Washington. “A chave é gastar melhor e nos bons setores. Melhorar a eficiência dos gastos é o maior problema dos países latino-americanos”, afirma o especialista em desenvolvimento e infraestruturas.
Já o economista François Bourguignon, um dos maiores especialistas franceses em desigualdades e ex-vice-presidente do Banco Mundial, observa que era importante o Brasil dar um sinal de que vai controlar melhor as contas públicas – no entanto, se a taxa de gastos em relação ao PIB ficar em torno de 15%, o país vai se equiparar a países bem menos desenvolvidos, como os africanos. “É uma redução extremamente severa, e o verdadeiro problema agora vai ser escolher onde os cortes vão acontecer. Serão em todas as pastas? Teremos menos professores, hospitais e infraestruturas?”, questiona.
“Reduzir os gastos públicos nessas proporções em um país onde os serviços públicos ainda são claramente deficientes me parece uma medida bastante violenta”, frisa Straub. Rifflart também insiste neste ponto: “Sempre é possível gastar melhor. Quando observamos todo dinheiro desperdiçado em subornos no Brasil, temos certeza de que há uma boa limpeza para ser feita nos gastos do Estado”.
Na Europa, a mordida das despesas públicas em relação ao PIB cresceu bastante no pós-guerra – era o período chamado de Trinta Gloriosos (1945-1975), em que os países europeus atingiram um pico de desenvolvimento econômico e social. Na França, em 1960, os gastos do Estado consumiam 35% das riquezas, segundo o Insee (Instituto Nacional de Estatísticas).
O problema é que esse índice subiu em uma trajetória quase constante e, nos anos 2010, chegou a um índice considerado preocupante. A alta se deve basicamente às despesas sociais, que cresceram 123% dos anos 1960 até 2013, quando 57,3% do orçamento francês foi consumido, conforme a OCDE. Essa disparada ocorreu para compensar a subida do desemprego – inexistente há 50 anos -, o envelhecimento da população, com o aumento dos pensionistas e dos custos em saúde, além da ampliação das políticas sociais familiares.
A França desponta sete pontos acima da média europeia, conforme os dados da Eurostat (agência europeia de estatísticas). A Alemanha gasta 44,1% do PIB, enquanto a Finlândia, líder no ranking, usa 58,1% dos recursos. Na zona do euro, que reúne os países que adotam a moeda única, a média de despesas sociais era de 20,3% do PIB em 2012 (Eurostat) – e isso após anos de políticas econômicas de austeridade adotadas em praticamente todos os membros da União Europeia pós-crise de 2008, a fim de trazer de volta o teto do déficit público para no máximo 3%, como estipula a Comissão Europeia.
Em julho deste ano, em meio à frágil retomada da economia mundial, o FMI (Fundo Monetário Internacional) surpreendeu ao publicar um relatório pedindo para os países desenvolvidos acelerarem os investimentos, em especial em infraestrutura. O órgão diz que alguns países, como Estados Unidos, Canadá, Alemanha e Austrália, já engordaram os caixas suficientemente para voltar a ter margem para gastar, depois do choque de 2008. O argumento do fundo é o de que, ao colocar dinheiro em grandes projetos, esses países vão estimular a criação de empregos e renda – portanto, apoiar o crescimento econômico e acelerar a saída da crise.
O mesmo pedido foi feito em setembro pela OCDE, que reúne as 34 economias mais ricas do mundo. Desde que as taxas de crescimento voltaram a ser positivas nos países desenvolvidos, a organização vem insistindo na retomada dos investimentos públicos, como uma das soluções para impulsionar a atividade econômica em nível global.
Créditos: RFI
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