Os mais de dois anos de recessão profunda que o país enfrentou e vem descarregando na população brasileira, aumentaram significativamente a demanda por serviços sociais, bem como, mudou-se muito o perfil predominante dos usuários destas instituições.
"Hoje você vê muitas famílias que vão com a barraquinha para o meio da rua. Você percebe que são pessoas que teriam condições de trabalhar, mas perderam o emprego e entregaram a casa", afirma Kaká Ferreira, 63 anos, fundador do Núcleo Assistencial Anjos da Noite, que há 27 anos distribui comida, roupas e ações de resgate de autoestima as pessoas em situação de rua de São Paulo, além de ser o idealizador da já tradicional ceia de Natal que é realizada para os moradores há anos no Pateo do Collegio, no centro da cidade.
"A demanda aumentou muito desde o fim de 2015. Demorava três horas para distribuir 800 marmitas. Agora levo 40 minutos, e a quantidade de gente que vem desesperada atrás de comida é muito grande", diz Kaká, que é servidor do Ministério da Agricultura há 40 anos, e semanalmente, lidera grupo de cerca de 60 voluntários que caminham por roteiros que tradicionalmente concentram grande parte da população de rua de São Paulo, como a Praça da Sé, a Rua 25 de março, o Vale do Anhangabaú, a Rua Amaral Gurgel, entre outros.
Segundo o freio José Francisco, “Nos dez anos em que atuo nesse trabalho, este é o pior momento que vi [...] Em todos os lugares você encontra barracas com famílias dentro. Não precisa ter muita sensibilidade para notar que essas pessoas estão por toda a cidade”.
A alta do desemprego reforça em todo o país a tendência de que mais pessoas percam suas moradias. As próprias pesquisas de desemprego sinalizam um aumento desalento, bem como de mais pessoas que param de procura-los e saem dos radares do IBGE. Ainda que com estes expressivos dados, o sociólogo Gabriel Feltran, diretor cientifico do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) e um dos organizadores do livro “Novas Faces da Vida nas Ruas”, que reúne pesquisas sobre o tema ao longo das últimas décadas, diz que não dá pra dizer que a crise cause um aumento no número de pessoas em situação de rua.
Isso porque, de acordo com o mesmo, o fenômeno da população de rua, responde a fatores que estão pra além da economia. A atuação do crime organizado, a sazonalidade que atrai moradores de rua para determinadas áreas, ou o aumento das ações de assistências no fim do ano, atrai moradores de outras regiões. “Não é que, quando aumenta o desemprego, mecanicamente aumenta a população de rua [...] Aumenta a tendência no país todo. Mas, por exemplo, se o crime estivesse dando muito dinheiro na periferia e o cara que perdeu o emprego formal consegue ser olheiro em uma “biqueira”, ele fica por lá mesmo”.
Feltran cita outras influencias da atuação do crime organizado sobre o comportamento da população de rua, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) que desde 2000 passou a regrar o comportamento dos usuários de crack na cidade, elevando a migração da periferia para o centro. “O moleque, por exemplo, não pode fumar pedra no meio da comunidade, e muitas vezes é expulso. E aí, após ser expulso de uma e outra favela, se endivida, e acaba indo parar no Centro”, exemplifica.
“Acompanhei várias pessoas que se viciaram no crack na periferia, na favela, mas que terminaram no Centro. Ninguém vai expulsar ele da Cracolândia”, diz Feltran, que busca destacar a heterogeneidade do perfil dos moradores de rua, bem como reduzi-los em si a culpa por estarem nessas condições, ao alencar dos maiores agravantes o sofrimento psíquico de alguns, ou o rompimento da família de outros, sem se quer questionar o papel ausente que o Estado assume, e muito menos o caráter paliativo de cada uma das políticas constituídas.
O discurso utilizado por esse pesquisador pra tratar da temática tão agravante que é o aumento de famílias em situação rua, e consequentemente em situação de extrema vulnerabilidade social, é de assustar qualquer profissional coerente que estudou minimamente para atuar na área. Começa pelo ponto crucial de não enxergar da relação direta do desemprego e do aumento do número de famílias em situação de rua, bem como de não apontar fatores tão significativos como é o valor do salario mínimo, os postos precarizados de trabalho, nem mesmo a feroz especulação imobiliária que se intensificou muito sob a gestão de Haddad na cidade. Estas pessoas geralmente têm famílias, sustentam filhos e necessitam também pagar um aluguel que não se encontra por menos de R$600 em qualquer um dos cantos da cidade.
Isso sem falar à funcionalidade que o pesquisador legitima ao crime organizado, que além de ter parte de responsabilidade, também se utiliza de controle, para com esses munícipes que, teórica e constitucionalmente, deveriam ter acesso à educação, a saúde, ao trabalho, ao lazer, a segurança, bem como a assistência quando desamparado, sem contar o salario mínimo, que deveria atender as necessidades mais vitais suas e de sua família, tal como moradia, alimentação, vestuário, higiene, transporte, previdência, entre outros.
Essa afirmação é com base na mesma Constituição Federal que foi o pilar para a aprovação do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Roussef, mas que também vem se desdobrando a legitimar cada canetada dos inúmeros ataques e retrocessos aos direitos conquistados dos trabalhadores, que seguimos denunciando. Pra conhecimento, essa é a mesma Constituição Federal, que se propõem a construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e marginalização, assim sendo, reduzindo as desigualdades sociais e regionais.
O que vai bastante contrario as interpretações e atuações das políticas públicas pra essa população na própria cidade de São Paulo, que como vimos recente, teve como uma das primeiras medidas de Dória, realocou dezenas de moradores de rua abaixo do Viaduto da 9 de Julho, além de colocar telas nas grades do viaduto.
Reintegrar os moradores de rua ficou mais difícil em meio à crise. "Este ano me assustou bastante. Foi muito mais difícil encaminhar para entrevistas nas empresas", diz a engenheira civil Caroline Garcia Pinto, que em 2014 deixou seu antigo emprego como executiva de RH e voltou a morar na casa dos pais para realizar o sonho de criar Instituto Muda Vidas, dedicado a recolocar moradores de rua em vagas de emprego formal ou no empreendedorismo. "Hoje os moradores de rua estão competindo com pessoas qualificadas que perderam os empregos", afirma.
O aumento da demanda ocorre justo no momento de queda mais expressiva nas receitas das instituições, que se articulam de formas distintas, para alavancar o numero de doações, para dar conta de uma demanda que só cresce e tem necessidades das mais básicas como são as alimentares.
Na visão de Feltran, as políticas públicas para a população de rua do país vêm sendo “engolida” pelos programas de combate ao crack, “Todo recurso do Centro de Referencia Especializado de Assistencia Social – População de Rua, por exemplo, faz parte do guarda-chuva de um programa de combate ao crack. Em termos de políticas públicas, o que se pressupõe? Que toda pessoas que esta na rua é usuário de crack”, conclui. Sem pensar com devida consequência, o aumento da criminalização da vida dessas pessoas, e de tantos outras que ficam de fora desse enfoque.
Enquanto a moradia for tratada como privilegio e parte de merecimento do suor que damos todos os dias para os lucros dos patrões, continuará a ter e a crescer o número de pessoas em situação de rua, e consequentemente o desenrolar dos agravos das questões sociais de derivam na vivência, ou subexistência, destes indivíduos.
Se torna cada vez mais necessário o questionamento acerca destas políticas publicas e seu caráter eletivo a situações que se colocam de forma cada vez mais agravada para a população, bem como a responsabilidade do Estado e a forma a qual vem sendo gestadas, uma vez que o próprio município de São Paulo encontra-se com uma defasagem que ultrapassa a de 800 Assistentes Sociais, de acordo com o Plano Municipal de Assistência Social – PLAS 2014/2017, que tem exigido o acumulo de atribuições de muitos profissionais, e a repartição de tais demandas, para responsabilidades de ONG e de Instituições beneficentes, uma vez que o Estado insiste a não cumprir seu papel. Fonte: Valor Econômico.
Créditos: Esquerda Diário
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