A história das famílias do Assentamento Cachoeira Grande, no município de Aroeiras, no Agreste paraibano, pode ser dividida entre antes e depois da instalação do dessalinizador na comunidade.
Sem a garantia de água potável todos os dias, a rotina dos assentados e das comunidades rurais da região era marcada por incertezas e pela presença frequente de carros-pipas e filas de crianças com diarreia no posto de saúde do assentamento devido ao uso de água salobra e imprópria para o consumo.
A mudança de uma situação de insegurança hídrica para a abundância de água veio no início de 2012, quando foi instalada no assentamento uma unidade demonstrativa do Programa Água Doce, uma parceria de diversas instituições governamentais e não-governamentais, com recurso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e que assegura o acesso à água própria para o consumo humano para as 33 famílias de Cachoeira Grande. “O carro-chefe do programa é a água para beber. Antes a gente tinha que esperar carro-pipa ou bebia a água do Rio Paraibinha, que é salobra”, contou o assentado Celso Ferreira Sousa, de 54 anos. Para ele, a mudança na qualidade de vida das famílias pode ser vista na sala de espera do posto de saúde da comunidade. “Agora não dá mais diarreia nas crianças. O problema praticamente acabou. Antes o posto de saúde vivia cheio”, disse.
A água dessalinizada também abastece a creche e o posto de saúde que funcionam no assentamento e pelo menos outras 50 famílias de comunidades vizinhas. Os assentados explicam que compartilham a água dessalinizada com famílias de outras comunidades, principalmente de novembro a abril, quando a terra está mais seca e a estiagem do Sertão nordestino se assevera.
Dessalinização
A água salobra possui salinidade intermediária entre a água do mar e a água doce – entre 5% e 30% da concentração de sal encontrada nos oceanos. Ela é retirada de um poço com vazão de 2,7 mil litros por hora, cavado há cerca de 15 anos pela Prefeitura de Aroeiras.
Com o auxílio de uma bomba, a água abastece uma caixa d’água com 16 mil litros da lavanderia comunitária e outra caixa d’água com capacidade para cinco mil litros que armazena a “água bruta”. Depois, a água segue para o dessalinizador e, impulsionada por uma bomba de alta pressão, passa por três tubos onde seis membranas e quatro filtros retiram o sal.
A água dessalinizada, pronta para o consumo humano, segue para uma caixa d’água de cinco mil litros de capacidade, que abastece o chafariz com três torneiras onde os assentados e agricultores de comunidades vizinhas pegam diariamente sua cota de água potável: 40 litros.
Embora o dessalinizador tenha capacidade para dessalinizar até 900 litros de água por hora, atualmente são processados cinco mil litros de água por dia, o suficiente para atender as famílias do assentamento e de comunidades vizinhas.
Tilápias
O rejeito, ou seja, a água que não é beneficiada no processo de dessalinização, segue para dois tanques de contenção, escavados no solo e forrados com lonas apropriadas. Neles são criados peixes tilápia, que rendem nas despescagens, realizadas sempre antes da Semana Santa, cerca de 700 quilos de pescado.
Cada quilo de peixe é vendido por R$ 7, gerando uma renda anual para a comunidade de aproximadamente R$ 5 mil. O valor arrecadado é dividido em duas partes iguais. Metade é destinada à manutenção do projeto – aí incluídas a compra da ração dos peixes e de peças de manutenção do dessalinizador. O restante é repartido entre os cinco assentados voluntários do projeto.
O programa de dessalinização de água integrado à piscicultura não é de fácil manutenção. Os voluntários são responsáveis pelo funcionamento e manutenção da máquina dessalinizadora, cujos filtros precisam ser trocados a cada três meses, pela distribuição da água e ainda pelo controle das condições dos tanques de peixes (temperatura, condutividade elétrica e nível de oxigênio da água) e despesca.
Erva-sal
Um terceiro tanque é usado como auxiliar no processo de limpeza dos outros tanques. A água não tratada é utilizada para o gado bovino e caprino e para o plantio irrigado por gotejamento da erva-sal (Atriplex Nummularia).
A planta forrageira é originária da Austrália e muito utilizada para o pasto, por sua capacidade de servir como complemento para os rebanhos na seca, oferecendo um alimento rico em proteína e sais minerais no período de maior carência nutricional dos animais. “No ano passado, a erva-sal foi a salvação dos animais durante a seca. Com ela, minha vaca até passou a dar mais leite”, afirmou o assentado Celso Sousa, que ainda fez um balanço do programa: “A vida das famílias mudou muito. Foi o melhor projeto que já chegou aqui. Agora só queremos mais um ou dois poços para a gente poder ajudar mais vizinhos”, afirmou o generoso Celso Sousa.
Por sua vez, o engenheiro agrônomo Hugo da Costa Araújo, da Cooperativa de Trabalho Múltiplo de Apoio às Organizações de Autopromoção (Coonap) – contratada pelo Incra na Paraíba para a prestação de assistência técnica aos assentados –, reforça a importância da erva-sal para a criação de animais no Semiárido. “A erva-sal é rica em proteínas e bem aceita pelos animais”, disse o agrônomo.
Assistência Técnica
A Coonap é uma das entidades de assistência técnica contratadas pelo Incra na Paraíba e atua em 35 assentamentos da reforma agrária paraibanos. Os técnicos da entidade acompanham o funcionamento do Projeto Água Doce, assim como as culturas tradicionais de milho, feijão, fava e jerimum (um tipo de abóbora) cultivadas no assentamento e a criação de bovinos, aves, caprinos e ovinos.
O Programa
A implantação do Programa Água Doce no assentamento, com R$ 117 mil em recursos do BNDES, incluiu a implantação física da Unidade Demonstrativa (casa do dessalinizador e três tanques de retenção para criação de peixes); o peixamento dos tanques de produção, com 1,5 mil alevinos; o treinamento da comunidade para operação da Unidade Demonstrativa; e atividades de mobilização social para a sustentabilidade ambiental do programa.
O programa é uma ação do governo federal, coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente, em parceria com cerca de 200 instituições federais, estaduais, municipais e sociedade civil, que atende prioritariamente comunidades rurais localizadas no Semiárido brasileiro. A iniciativa busca estabelecer uma política pública permanente de acesso à água de qualidade para o consumo humano por meio do aproveitamento sustentável de águas subterrâneas, incorporando cuidados ambientais e sociais na gestão de sistemas de dessalinização.
O Água Doce faz parte do Programa Água para Todos, do Plano Brasil Sem Miséria, e assumiu a meta de recuperar, implantar e gerir 1,2 mil sistemas de dessalinização até 2014, beneficiando 500 mil pessoas com investimentos de R$ 168 milhões. Os recursos provêm de convênio firmado entre os ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Social (MDS) e da Agência Nacional de Águas (ANA). Fonte:Incra.
Créditos: Focando a Notícia
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