Diante da crise econômica e política em que o país está mergulhado, o Congresso pautas que ameaçam conquistas da classe trabalhadora continuam a tramitar na Câmara dos Deputados e no Senado, e passado o momento conturbado do país, elas podem voltar ao debate com força. Há pelo menos 25 projetos com esse propósito tramitando de forma silenciosa nas duas casas. “A linha da maioria dos atuais parlamentares é desregulamentar todos os nossos direitos, tudo o que conquistamos nas últimas décadas.
No dia 21 de março, nós comemoramos 84 anos da carteira de trabalho. A nossa avaliação é que estamos correndo o risco de perder o que conquistamos neste período”, observa a secretária nacional de Relações de Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Graça Costa, sobre a pauta que suprime direitos trabalhistas.
No pacote, estão desde o projeto que amplia a possibilidade de terceirização, aprovado na Câmara e em debate no Senado, até a proposta de que acordos possam prevalecer sobre a legislação. Também fazem parte do conjunto de propostas a diminuição da idade para o ingresso no mercado de trabalho de 16 para 14 anos, redução da jornada de trabalho e de salário, possibilidade de ampliação de horas extras para o trabalhador rural, extinção da multa de 10% por demissão sem justa causa, além da regulamentação da Emenda Constitucional sobre o trabalho escravo.
Secretária-geral da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (Amatra), a juíza Carolina Gralha Beck avalia que sempre que o país passa por uma crise é retomada a pauta de redução de direitos da classe trabalhadora como “solução mágica.” “Reduzir direitos dos trabalhadores em momento de crise não é a solução, é o maior engano que pode ocorrer. O trabalhador não é insumo, não é mercadoria, o trabalhador tem de ser valorizado”, argumenta Carolina, que também é integrante da Comissão Legislativa da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Esse tipo de solução, alerta ela, tem como consequência a diminuição do emprego, do poder de compra e de renda.
Muitas das propostas asseguram a prevalência de acordos sobre a lei trabalhista como, por exemplo, a tese do negociado sobre o legislado e a instituição do acordo extrajudicial com a possibilidade de negociação direta entre trabalhador e patrão. Na avaliação da juíza, não há como estabelecer cláusulas de “igualdade de condições” para a discussão das questões trabalhistas, uma vez que o empregado é a parte mais vulnerável da relação e uma “mão de obra substituível.” Na maioria das vezes, conforme Carolina, o trabalhador é que sai prejudicado diante dessa situação. “É um verdadeiro retrocesso nas relações trabalhistas”, observa a representante da Amatra, caso esse tipo de projeto seja aprovado.
Quanto à redução de jornada, Carolina afirma que já há previsão na Constituição Federal para situações específicas não havendo necessidade de projeto nesse sentido. “A ampliação é muito perigosa”, alerta ela, sobre a possibilidade de alteração na legislação.
Engavetado desde 2004, o projeto de ampliação da terceirização foi retomado em 2015 e tramitou rapidamente pela Câmara dos Deputados. No momento, a proposta está no Senado, aguardando análise. Também no ano passado, trabalhadores e juízes do Trabalho se uniram para barrar o projeto. A Amatra foi uma das entidades que se engajou em diversos atos com esse propósito.
Hoje, a legislação só permite a contratação para atividades-meio, no caso para serviços de vigilância e de limpeza. Em caso de aprovação do projeto, a terceirização se estenderá também para a atividade-fim com possibilidade da contratação, por exemplo, de carteiros para os Correios. A secretária-geral da Amatra argumenta que a terceirização é prejudicial ao trabalhador, pois são os “que mais ficam doentes e sofrem acidente de trabalho”, entre outros problemas. “A possibilidade de ampliação é realmente nefasta”, afirma Carolina.
O projeto da terceirização, na opinião da secretária nacional de Relações de Trabalho da CUT, só não passou, ainda, no Senado porque o relator é Paulo Paim (PT), que promoveu, por meio da Comissão de Direitos Humanos, uma série de audiências públicas em todos os Estados, mobilizando os trabalhadores. “Ele (o projeto) é o objeto de paixão do empresariado brasileiro. Estamos travando uma luta muito dura contra o patronato brasileiro que tem uma representação massiva, principalmente na Câmara dos Deputados”, comenta Graça Costa.
Trabalho escravo
O projeto que regulamenta a Emenda à Constituição do trabalho escravo também preocupa trabalhadores e juízes do Trabalho. A proposta define novo conceito para o trabalho escravo, reduzindo sua amplitude. Como consequência, em caso de aprovação, a medida limita a atuação da Justiça do Trabalho tanto na interpretação do caso concreto quanto na sua fiscalização. “Esse engessamento é absurdo, não tem como fazer a fiscalização”, argumenta Carolina. Também é suprimido do conceito as expressões trabalho degradante e a jornada exaustiva. “A conclusão é que estamos caminhando para o trabalho escravo, para a escravidão novamente em nosso país,” completa a secretária nacional de Relações de Trabalho da CUT.
Outra proposta que tramita no Congresso e colocou a Justiça do Trabalho em alerta é a que reduz a idade iniciar no mercado de trabalho de 16 para 14 anos. Hoje, a legislação trabalhista permite o trabalho a partir de 14 anos somente na condição de aprendiz. “Somos absolutamente contra, o jovem de 14 anos não tem condições de cumprir os compromissos de um empregado, ele está em formação. Ele não tem condições de acompanhar as aulas e fazer a jornada de oito horas”, explica a juíza. Os magistrados do Trabalho, inclusive, procuraram o deputado Esperidião Amin (SC), relator do projeto na Câmara, na tentativa de barrar o avanço do projeto. Por enquanto, conforme Carolina, o parlamentar se comprometeu em não levá-lo adiante, embora esteja “irredutível” quanto à redução da idade. Por Jaqueline Silveira, Do Sul21*Colaborou Marco Weissheimer.
Créditos: Brasil de Fato
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