Uma semana após o incêndio na favela do Moinho, no centro de São Paulo, uma porção de cimento começa a ganhar feição rapidamente no local que antes abrigava uma área verde, chamada pelos moradores de "bosquinho". O trabalho de uma empresa de terraplenagem começou apenas dois dias após o fogo destruir parte dos barracos em um terreno da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) que, cedido ao setor privado, será transformado em um estacionamento de caminhões.
Até o dia do incêndio, a área era aberta, possuía árvores de pequeno porte e bastante mato, de acordo com moradores da favela. Hoje (24), só havia poucas árvores no local e pelo menos cinco homens trabalhavam na limpeza do terreno, de 10 mil metros quadrados. Com um trator, um caminhão e um carro antigo, os trabalhadores não usavam uniformes que identificassem a empresa.
De acordo com o encarregado de obras, Alfredo dos Santos, todos são empregados da Terraplanagem JC, situada no bairro de Pirituba, zona oeste da capital. Ele afirma que a empresa teria sido contratada pelo Ceagesp para fazer a limpeza do terreno com o intuito de evitar que ele fosse ocupado por desabrigados do incêndio. Não foi possível localizar a empresa.
Apesar de manter contato com Alfredo, o integrante do Departamento Comercial do Ceagesp, Rubens Reis de Souza, afirmou que, após a locação, o Ceagesp não teria mais responsabilidade sobre o terreno. Nenhum dos dois disse saber o nome da empresa que teria alugado a área. A assessoria de imprensa do órgão também não soube informar quem seria o locatário, porém confirmou que a área dará espaço a um estacionamento de caminhões.
A Rede Brasil Atual apurou que Alfredo dos Santos também é supervisor geral da empresa de estacionamento União Park, que, de acordo com o Ceagesp, teria concorrido a uma licitação. Ele nega o fato. Situada entre duas linhas de trem, a possível entrada para o terreno seria passando por parte da Favela do Moinho, localizada embaixo do viaduto, que pegou fogo na última segunda-feira (17).
Os desabrigados da favela começam a reconstruir as casas, mantendo 10 metros de distância do viaduto Engenheiro Orlando Murgel, seguindo orientações da Defesa Civil. De acordo com a prefeitura a estrutura do viaduto foi abalada e uma empresa de construção civil trabalha na reforma do local. O trânsito está impedido em um dos sentidos.
Este é o quinto incêndio na Favela do Moinho, que vitimou uma pessoa e deixou pelo menos 300 desabrigados. Desde 2006 a área, antiga posse da Rede Ferroviária Federal, está em disputa. A prefeitura de Gilberto Kassab (PSD) pretende construir um parque ou uma estação de trem, e alega que o terreno não serve para moradia porque está contaminado. Em dezembro do ano passado ocorreu o maior incêndio do Moinho, que devastou um terço da comunidade, em uma área de 6.000 m². Duas pessoas morreram e dezenas de famílias ficaram desabrigadas.
Sé este ano foram registrados 68 incêndios em favela. Entre 2008 e 2011, o Corpo de Bombeiros registrou 530 ocorrências. Em 13 de setembro, o líder comunitário do Moinho, Francisco Miranda, esteve na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada na Câmara Municipal para investigar o número elevado de casos. Na ocasião, ele lamentou o fato de a CPI, dominada pela base aliada a Kassab, não investigar de fato a possibilidade de se tratar de uma atuação criminosa.
Rede Brasil Atual