Sair da cama e passar o dia inteiro fazendo o bem é, mundo afora, um exemplo de altruísmo. No Brasil, contudo, essa agora é uma alternativa promissora de se ganhar a vida.
Conhecido por ser um país de abismos sociais e necessidades em suas áreas estruturantes, a economia local começa a recompensar – e muito bem – profissionais que ao invés do consumo puro e simples, colocam suas habilidades em prol de serviços e produtos que, na essência, procuram reduzir o impacto dessas carências históricas.
Educação, habitação, serviços financeiros, emprego e saúde são, em geral, os campos prediletos de atuação dessa turma. Não à toa, um relatório produzido em 2011 pelo JP Morgan revela que não faltam por ai os interessados em suportar financeiramente essas operações.
Segundo o banco, empresas especializadas em serviços e produtos para famílias com renda mensal de até US$ 250 vão movimentar entre US$ 400 bilhões e US$ 1 trilhão em investimentos pelo mundo em dez anos. Parte considerável desse montante terá como destino o Brasil, que já neste 2013 conta com US$ 300 milhões desse montante disponível, a partir de um levantamento que realizei junto aos fundos de capital de risco em operação no País.
Conseguir abocanhar uma parcela dessas cifras é o sonho, por exemplo, de Alessandra França e Adriene Garcia, duas discípulas de Muhamad Yunus, prêmio nobel de economia por seu trabalho com o Banco Grameen, em Bangladesh, instituição que concede linhas de microcrédito para população de baixa renda sem garantias nem papéis como contrapartida.
Após lerem o "Banqueiro dos Pobres", livro que conta a trajetória de economista bengalês, Alessandra e Adriane decidiram que deveriam fazer algo parecido. Montaram um projeto de um banco e Alessandra, filha de um caminhoneiro e de uma costureira, foi buscar empresas e instituições interessadas em aportar financeiramente a ideia.
Encontraram os recursos e fundaram, em 2009, o Banco Pérola, que concentra sua atuação em Sorocaba, uma pequena cidade do interior do estado de São Paulo, e empresta ás comunidades carentes locais valores que vão de US$ 150 a US$ 1 mil, com prazo de quitação de sete meses.
"Nós não exigimos nome limpo. Mesmo assim, temos um índice de inadimplência muito baixo, de 2% ao mês", disse-me Adriene Garcia, no final do ano passado.
O banco adota a metodologia de grupos solidários para a liberação do dinheiro, a mesma estratégia construída lá atrás por Muhamad Yunus. Funciona assim: para uma pessoa acessar o crédito, precisa associar-se a pelo menos outros três interessados. Caso um integrante do grupo não consiga saldar o débito, os demais assumem as prestações.
"Nosso trabalho de divulgação é tímido. Não temos recurso para atender a demanda, que é muito grande. Mas estamos captando dinheiro para expandir. Também estudamos lançar franquias para alcançar outras praças", contou Adriene.
Sobra dinheiro
Pesquisa encomendada recentemente por uma instituição chamada Artemísia, que atua na formação de especialistas para essa demanda de impacto social, diagnosticou que Adriane e sua sócia Alessandra não terão muitas dificuldades para conseguirem se monetizar. O apetite dos investidores nas empresas de impacto social tem criado uma situação curiosa: há mais dinheiro à disposição do empresário do que, na verdade, ele deseja. "O Brasil tem 140 empresas classificadas como de sendo de impacto. E existem quase 100 negócios interessados em investir nelas. Os investidores têm mais recursos até do que os investidos querem", confidenciou-me Luciana Aguiar, que tem um instituto de pesquisa especializada em base de pirâmide social brasileira, a Plano CDE.
Foi por isso que, no Paraná, estado ao sul do país, o advogado João Albuquerque, criador do Grupo Terra Nova, conseguiu validar sua operação e, na esteira disso, despertar a cobiça de endinheirados loucos por comprarem uma parte de sua empresa.
João desenvolveu um método de atuar em problema comum no Brasil: o de áreas urbanas ocupadas de maneira irregular. Ele trabalha com os dois lados envolvidos no conflito, os proprietários de áreas invadidas e os posseiros. Sua meta é egularizar a situação que, apenas no estado de São Paulo, atinge ao menos 100 mil famílias.
Basicamente, João penetra nas áreas invadidas e, após sua interferência, incute na comunidade que o melhor a fazer é abrir um diálogo com o dono do imóvel e fazer uma oferta de compra da área, a um preço justo. "Depois de uma invasão é problema para todo mundo. O dono do terreno fica com um ativo morto nas mãos. E os invasores não conseguem receber benefícios de infraestrutura do governo, como por exemplo o saneamento básico, já que estão em uma área irregular", explica João Albuquerque.
O lucro de João nessa história vem justamente no término do conflito, quando recebe uma comissão no ato em que a propriedade troca oficialmente de mãos. Assim, ele evita traumáticas ações de retomada de terreno comandadas pela polícia e, de quebra, fatura alto: em 2012 foi cerca de US$ 1 milhão.
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