Segundo Silva, a situação é complicada porque sua esposa não pode trabalhar para cuidar da filha, de 8 anos, portadora de necessidades especiais. “A gente recebe muita ajuda de amigos e parentes, porque nossa menina não anda e precisa de alimentação especial, remédios. Mas o mais difícil é a incerteza da permanência na casa. Se faltar para isso, não sei como vai ser”, preocupa-se.
A família de Silva e outras 200 que vivenciam problemas parecidos decidiram montar barracos no terreno do antigo Clube Aristocrata, também no extremo sul da cidade, abandonado há 10 anos, e fundar ali a ocupação Povo Unido para Vencer, que reivindica a destinação da área para construção de moradias populares.
Apesar de ter casa, a família já fazia parte do déficit habitacional do país, que atinge 5,4 milhões de famílias, o equivalente a 8,8% do total de domicílios estimados no Brasil em 2011, segundo pesquisa divulgada recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Isso porque o vigilante compromete mais de 30% de seu rendimento com o pagamento do aluguel.
O comprometimento de mais de um terço da renda com a locação de um teto é um dos itens que apontam que a família, na verdade, não tem seu direito à moradia garantido. Entre 2007 e 2011, o déficit de habitação diminuiu, mas o índice de comprometimento excessivo com o pagamento de aluguéis piorou, passando de 3,14% do total de domicílios para 3,43%, o equivalente a 2,1 milhões de famílias.
O problema tem se agravado em função do descontrole da especulação imobiliária nas grandes cidades do país. Entre junho de 2012 e o mesmo mês deste ano, o valor de novos aluguéis em São Paulo subiu 8,4% segundo o Secovi, sindicato do setor imobiliário. A variação de preços ficou acima da inflação no mesmo período, enquanto o IGP-M, índice que regula a maioria dos contratos formais de locação de imóveis no país, teve alta de 6,3%.
Movimentos sociais ligados à questão da habitação trataram do problema com a presidenta Dilma Rousseff no dia 26 de junho. Eles querem que o governo federal se empenhe na aprovação de uma lei que controle os preços dos aluguéis. “A gente tem um descontrole imenso dos preços dos aluguéis, sem acompanhamento dos governos e sem nenhuma justificativa palpável, a não ser a especulação imobiliária, na medida que aumenta mais que a inflação, que os salários, que tudo”, afirma a militante do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) Natália Szermeta.
Segundo o diretor de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP, Mark Turnbull, os preços de novos contratos se baseiam principalmente em localização, oferta de serviços e infraestrutura instalada no bairro – parte importante realizada com investimentos públicos – e na margem de retorno que o proprietário pretende obter, que hoje está entre 0,4% e 0,6% do valor de venda do imóvel.
“Acabou o contrato da pessoa, o proprietário diz assim: 'olha, o mercado imobiliário está uma loucura – às vezes se baseia em informações erradas ou antigas que dizem que o mercado está bombando – e acabou seu contrato. O senhor estava pagando mil, agora vai ter que pagar mil e duzentos'", exemplifica. “Às vezes eles fazem isso porque não estão satisfeitos com seus locatários. O inquilino não pode reclamar. Vai ter que procurar outro.”
Foi o que aconteceu com o estudante de arquitetura Fellipe Soares. Há cinco anos, ele pagava R$ 650 por uma quitinete de 21 metros quadrados na Liberdade. O bairro marca o começo da zona sul e é colado ao centro da cidade, bem atendido por ônibus e metrô. Até abril deste ano, o aluguel havia acumulado aumentos e já havia chegado a R$ 850, o que representa elevação de 30,7% do valor inicial da locação do imóvel.
Mas em abril ele teve uma surpresa: a imobiliária que administra o prédio o informou que o valor do aluguel iria subir para R$ 1.160. “É um grande absurdo. É um bairro de classe média baixa, na minha cozinha não cabe nem geladeira nem fogão de quatro bocas. Pelo preço que ele está pedindo, daria para pagar o financiamento de um imóvel”, lamenta.
Para especialistas ouvidos pela RBA, há poucas chances de estabelecer um controle estatal dos preços dos aluguéis do mercado privado, o que seria considerado uma atitude antidemocrática por parte do governo. “Isso já aconteceu no tempo do Getúlio, nos anos 40, mas era uma ditadura, então ele baixou um decreto. Pelo nosso ordenamento é difícil. Como não existe um regramento do Estado, porque o aluguel está inserido dentro do mercado privado, isso com certeza seria considerado arbitrário e inconstitucional”, analisa o urbanista do Instituto Pólis Nelson Saule Júnior.
Mas há concordância que é preciso buscar alternativas para o acesso à moradia adequada, principalmente para a população com renda de até três salários mínimos, que representam 70% do déficit habitacional.
Para Saule, é possível que se adotem medidas para adequar o preço dos aluguéis quando há dinheiro público financiando o imóvel e em zonas especiais de interesse social (Zeis). “Caracterizado que determinado imóvel é de interesse social ou que tem financiamento público, pode-se estabelecer regras diferentes de uso e ocupação dele”, aponta.
“No caso da habitação de interesse social, a política tem de ser outra”, afirma a urbanista e diretora do Defenda São Paulo, Lucila Lacreta. Ela dá o exemplo da política de aluguel social adotada na França. Lá, o governo construiu diversos edifícios e subsidiou parte dos aluguéis.
O aluguel social é um mecanismo diferente do auxílio-aluguel, oferecido pelas prefeituras em situações emergenciais. Com caráter de curto prazo, não garante a permanência dos inquilinos por longos períodos. “O auxílio não é uma política pública. É uma medida emergencial”, afirma Lucila.
Para ela, modelos-piloto de aluguel social poderiam ser testados antes de serem adotados em larga escala. “Tudo isso precisaria estar dentro de uma política habitacional. Se as pessoas tivessem condições de arcar com os valores do mercado formal, elas não estariam em áreas de risco, em favelas.”