A história das famílias do Assentamento Cachoeira Grande, no município de Aroeiras, no Agreste paraibano, pode ser dividida entre antes e depois da instalação do dessalinizador na comunidade.
Sem a garantia de água potável todos os dias, a rotina dos assentados e das comunidades rurais da região era marcada por incertezas e pela presença frequente de carros-pipas e filas de crianças com diarreia no posto de saúde do assentamento devido ao uso de água salobra e imprópria para o consumo.
A mudança de uma situação de insegurança hídrica para a abundância de água veio no início de 2012, quando foi instalada no assentamento uma unidade demonstrativa do Programa Água Doce, uma parceria de diversas instituições governamentais e não-governamentais, com recurso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e que assegura o acesso à água própria para o consumo humano para as 33 famílias de Cachoeira Grande. “O carro-chefe do programa é a água para beber. Antes a gente tinha que esperar carro-pipa ou bebia a água do Rio Paraibinha, que é salobra”, contou o assentado Celso Ferreira Sousa, de 54 anos. Para ele, a mudança na qualidade de vida das famílias pode ser vista na sala de espera do posto de saúde da comunidade. “Agora não dá mais diarreia nas crianças. O problema praticamente acabou. Antes o posto de saúde vivia cheio”, disse.
Segurança hídrica
Além da água filtrada pelo dessalinizador, as 33 casas do Assentamento Cachoeira Grande também possuem cisternas de placas com capacidade para 16 mil litros cada uma, construídas em 2010 com recursos do Crédito Semiárido do Incra, muitas delas pelas mãos de Sousa.
A água dessalinizada também abastece a creche e o posto de saúde que funcionam no assentamento e pelo menos outras 50 famílias de comunidades vizinhas. Os assentados explicam que compartilham a água dessalinizada com famílias de outras comunidades, principalmente de novembro a abril, quando a terra está mais seca e a estiagem do Sertão nordestino se assevera.
Segundo a assentada Terezinha Barbosa da Silva, 52 anos, moradores de comunidades da agricultura familiar de Aroeiras, distante 50 km do assentamento, costumam ir buscar água no chafariz do assentamento Cachoeira Grande. O marido de Terezinha, também assentado, Olivaldo da Silva, 60 anos, é o voluntário responsável pela entrega da água às famílias. O assentado explica que todo dia, das 7h às 9h, exceto sábados, domingos e feriados, há distribuição de uma cota de 40 litros de água a todos que pedem e que a comunidade estabeleceu prioridades de acordo com as diferentes necessidades. “Quem tem recém-nascido em casa ou é dono de mercearia pode pegar 60 litros”, explicou. Dona Terezinha faz questão de enfatizar que os beneficiados pelo programa sempre partilharam a água com todos que pedem. “Quem vai negar água?”, questiona.
Dessalinização
A água salobra possui salinidade intermediária entre a água do mar e a água doce – entre 5% e 30% da concentração de sal encontrada nos oceanos. Ela é retirada de um poço com vazão de 2,7 mil litros por hora, cavado há cerca de 15 anos pela Prefeitura de Aroeiras.
Com o auxílio de uma bomba, a água abastece uma caixa d’água com 16 mil litros da lavanderia comunitária e outra caixa d’água com capacidade para cinco mil litros que armazena a “água bruta”. Depois, a água segue para o dessalinizador e, impulsionada por uma bomba de alta pressão, passa por três tubos onde seis membranas e quatro filtros retiram o sal.
A água dessalinizada, pronta para o consumo humano, segue para uma caixa d’água de cinco mil litros de capacidade, que abastece o chafariz com três torneiras onde os assentados e agricultores de comunidades vizinhas pegam diariamente sua cota de água potável: 40 litros.
Embora o dessalinizador tenha capacidade para dessalinizar até 900 litros de água por hora, atualmente são processados cinco mil litros de água por dia, o suficiente para atender as famílias do assentamento e de comunidades vizinhas.
Tilápias
O rejeito, ou seja, a água que não é beneficiada no processo de dessalinização, segue para dois tanques de contenção, escavados no solo e forrados com lonas apropriadas. Neles são criados peixes tilápia, que rendem nas despescagens, realizadas sempre antes da Semana Santa, cerca de 700 quilos de pescado.
Cada quilo de peixe é vendido por R$ 7, gerando uma renda anual para a comunidade de aproximadamente R$ 5 mil. O valor arrecadado é dividido em duas partes iguais. Metade é destinada à manutenção do projeto – aí incluídas a compra da ração dos peixes e de peças de manutenção do dessalinizador. O restante é repartido entre os cinco assentados voluntários do projeto.
O programa de dessalinização de água integrado à piscicultura não é de fácil manutenção. Os voluntários são responsáveis pelo funcionamento e manutenção da máquina dessalinizadora, cujos filtros precisam ser trocados a cada três meses, pela distribuição da água e ainda pelo controle das condições dos tanques de peixes (temperatura, condutividade elétrica e nível de oxigênio da água) e despesca.
Erva-sal
Um terceiro tanque é usado como auxiliar no processo de limpeza dos outros tanques. A água não tratada é utilizada para o gado bovino e caprino e para o plantio irrigado por gotejamento da erva-sal (Atriplex Nummularia).
A planta forrageira é originária da Austrália e muito utilizada para o pasto, por sua capacidade de servir como complemento para os rebanhos na seca, oferecendo um alimento rico em proteína e sais minerais no período de maior carência nutricional dos animais. “No ano passado, a erva-sal foi a salvação dos animais durante a seca. Com ela, minha vaca até passou a dar mais leite”, afirmou o assentado Celso Sousa, que ainda fez um balanço do programa: “A vida das famílias mudou muito. Foi o melhor projeto que já chegou aqui. Agora só queremos mais um ou dois poços para a gente poder ajudar mais vizinhos”, afirmou o generoso Celso Sousa.
Por sua vez, o engenheiro agrônomo Hugo da Costa Araújo, da Cooperativa de Trabalho Múltiplo de Apoio às Organizações de Autopromoção (Coonap) – contratada pelo Incra na Paraíba para a prestação de assistência técnica aos assentados –, reforça a importância da erva-sal para a criação de animais no Semiárido. “A erva-sal é rica em proteínas e bem aceita pelos animais”, disse o agrônomo.
Assistência Técnica
A Coonap é uma das entidades de assistência técnica contratadas pelo Incra na Paraíba e atua em 35 assentamentos da reforma agrária paraibanos. Os técnicos da entidade acompanham o funcionamento do Projeto Água Doce, assim como as culturas tradicionais de milho, feijão, fava e jerimum (um tipo de abóbora) cultivadas no assentamento e a criação de bovinos, aves, caprinos e ovinos.
O Programa
A implantação do Programa Água Doce no assentamento, com R$ 117 mil em recursos do BNDES, incluiu a implantação física da Unidade Demonstrativa (casa do dessalinizador e três tanques de retenção para criação de peixes); o peixamento dos tanques de produção, com 1,5 mil alevinos; o treinamento da comunidade para operação da Unidade Demonstrativa; e atividades de mobilização social para a sustentabilidade ambiental do programa.
O programa é uma ação do governo federal, coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente, em parceria com cerca de 200 instituições federais, estaduais, municipais e sociedade civil, que atende prioritariamente comunidades rurais localizadas no Semiárido brasileiro. A iniciativa busca estabelecer uma política pública permanente de acesso à água de qualidade para o consumo humano por meio do aproveitamento sustentável de águas subterrâneas, incorporando cuidados ambientais e sociais na gestão de sistemas de dessalinização.
O Água Doce faz parte do Programa Água para Todos, do Plano Brasil Sem Miséria, e assumiu a meta de recuperar, implantar e gerir 1,2 mil sistemas de dessalinização até 2014, beneficiando 500 mil pessoas com investimentos de R$ 168 milhões. Os recursos provêm de convênio firmado entre os ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Social (MDS) e da Agência Nacional de Águas (ANA). Fonte:Incra.