Por Paulo Pimenta - A onda de golpes que ocorre na América do Sul e as tentativas de desestabilizar os governos de esquerda no continente, democraticamente eleitos, devem ser compreendidos não de forma isolada, mas, sim, dentro de uma percepção mais ampla dos interesses econômicos internacionais sobre a região. Com a descoberta do petróleo na camada do pré-sal na costa brasileira, estima-se que o Brasil possa se tornar a terceira maior reserva do mundo, atrás apenas de Venezuela – a maior reserva do planeta – e da Arábia Saudita.
Desde que a descoberta foi anunciada, ainda no governo Lula, essa riqueza despertou interesse das petroleiras norte-americanas. Documentos, de 2009, mas revelados pelo Wikileaks em 2011, comprovam isso: "Para a Exxon Mobile, o mercado brasileiro é atraente em especial considerando o acesso cada vez mais limitado às reservas no mundo todo".
Ao mesmo tempo em que estavam "interessados", aponta o Wikileaks, os norte-americanos demonstravam insatisfação diante de uma legislação própria para exploração do pré-sal enviada pelo poder Executivo ao Congresso brasileiro. "Eles são os profissionais e nós somos os amadores", teria dito Patrícia Padral, diretora da americana Chevron no Brasil, sobre a lei proposta pelo governo Lula.
De acordo com o Wikileaks, a diretora da Chevron detalha como funcionaria essa nova lei. "Para o pré-sal, o governo brasileiro mudou o sistema de exploração. As exploradoras não terão, como em outros locais, a concessão dos campos de petróleo, sendo "donas" do petróleo por um determinado tempo. No pré-sal elas terão que seguir um modelo de partilha, entregando pelo menos 30% ao governo brasileiro. Além disso, a Petrobras será a operadora exclusiva".
Segundo estimativas, 93% das reservas de petróleo do planeta estão nas mãos de empresas estatais. Entre os maiores produtores mundiais, apenas o Kuwait e o Iraque privatizaram suas reservas. Coincidência? Esses dois países foram invadidos pelos Estados Unidos, em uma guerra que alegava necessidade de intervenção sob o pretexto de "salvar a população local", para esconder o real interesse dos norte-americanos nas reservas de petróleo dessas duas nações. Como pena de guerra, Kuwait e Iraque "concordaram" em ceder suas reservas às empresas norte-americanas.
Sem jamais ter como justificar uma guerra no Brasil, para se apropriarem do petróleo brasileiro as empresas norte-americanas utilizaram estratégias mais sutis, como a cooptação de políticos locais, e buscaram apoio do candidato à presidência do Brasil, em 2010, José Serra (PSDB), que prometeu, em caso de vitória, desestatizar as reservas do pré-sal, e orientou as empresas estrangeiras a não participarem das rodadas de licitação. "Deixa esses caras (do PT) fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava (referindo-se a lei de 1997, aprovada pelo governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, que quebrou o monopólio do Estado brasileiro de exploração e refino do petróleo). E nós mudaremos de volta", orientou Serra.
Mas, José Serra foi derrotado por Dilma Rousseff (PT) em 2010, e não conseguiu - naquele momento - entregar o que havia prometido às empresas norte-americanas. Entretanto, José Serra retornou ao parlamento brasileiro, em 2015, eleito senador da república. Imediatamente após tomar posse, Serra apresenta uma proposta legislativa para mudar as regras do pré-sal, acabando com a participação mínima da Petrobras em 30% do petróleo explorado e retirando a exclusividade da operação da estatal brasileira, como queriam, desde o início, Chevron e Exxon Mobil. O projeto foi aprovado no Senado no início de 2016 e está prestes a ser votado pela Câmara dos Deputados.
Em maio de 2016, um golpe jurídico, político, midiático e econômico afasta a presidenta eleita, Dilma Rousseff, e José Serra se torna ministro das Relações Exteriores. Chanceler, ele passa a liderar uma política de retaliações à Venezuela dentro do bloco do Mercosul. Como divulgado na imprensa, acompanhado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, seu companheiro de partido, José Serra foi até o presidente uruguaio, Tabaré Vazquez, implorar para que a Venezuela não assumisse a presidência do bloco. Qual o motivo?
Recentemente, a Exxon Mobil descobriu uma jazida de petróleo na Guiana. Ocorre que esse território é alvo de disputa entre a Venezuela e a Guiana, e há um tratado internacional que impede a exploração de recursos naturais até que haja uma definição para essa disputa. Como essa decisão pode vir a ser discutida e arbitrada, em um primeiro momento, pelo Mercosul, o que José Serra buscava era impedir que a Venezuela assuma a presidência do bloco, o que certamente iria prejudicar os interesses da Exxon Mobil na região.
O continente sul-americano possui muitas riquezas, temos petróleo, água, gás e nossas fronteiras agrícolas são as únicas que ainda podem ser expandidas de maneira significativa, ao contrário do que há hoje nos Estados Unidos e Europa, totalmente esgotadas. Assim, não é nada difícil compreender os motivos e objetivos das campanhas que se sucederam ao longo da última década até os dias de hoje, contra Lula, Dilma, Chávez, Maduro, Cristina Kirchner, Evo Morales, Rafael Correa e os demais líderes da esquerda da América do Sul.
Portanto, é evidente que o que está por trás dos golpes e da desestabilização dos governos na América do Sul – dessa vez sem tanques nas ruas, mas com boicote econômico e uma guerra midiática permanente para enfraquecer companhias nacionais, como ocorre no Brasil com a Petrobras – são, mais uma vez, os interesses estrangeiros, e o petróleo é questão central.
E ontem (6), infelizmente, mais um capítulo do golpe, que possui várias faces, foi executado. A Câmara aprovou a entrega do pré-sal às multinacionais estrangeiras. O projeto de José Serra, porta-voz dos interesses dos americanos no Brasil, retira da Petrobras a obrigatoriedade de participar da exploração o pré-sal e foi colocado a "toque de caixa" na pauta pelo governo golpista de Michel Temer.
Com isso, Temer, Serra e os golpistas transferem a garantia de futuro de milhões de brasileiros e brasileiras e um projeto de soberania nacional para países que historicamente se constituíram como "potências econômicas" explorando e roubando riquezas das nações em desenvolvimento, e abalando suas democracias.(Paulo Pimenta é jornalista e deputado federal pelo PT.)