O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu seu discurso, ontem (5), em ato realizado na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema, em São Paulo, propondo uma reflexão sobre a conjuntura política no Brasil. "Não sei se nós já construímos uma teoria para entender o que está acontecendo", disse, ao levar solidariedade ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pela invasão policial na escola na manhã de ontem. "Precisamos de um diagnóstico preciso, juntar o máximo de pessoas em torno desse diagnóstico, com propostas. O que nós vamos propor para este país para os próximos 20, 30 anos? Qual proposta vamos construir?
"Estamos na hora de construir alguma coisa mais sólida, não é partido, não é entidade, é um movimento. Até agora o que melhor fizemos foram as Diretas Já. Mas agora precisamos criar um movimento para restabelecer a democracia neste país", disse, sendo acompanhado por gritos de 'Fora, Temer' e 'Volta, Dilma'. Afirmou que é preciso unir as ideias para que se possa "acreditar que é possível".
Disse que as pessoas não devem se preocupar com ele e seu futuro: "Tenho casca dura". A preocupação agora é com os movimentos sociais. "Querem criminalizar os movimentos de esquerda."
O ex-presidente lamentou todas as conquistas sociais que já foram por terra: "Se Temer quer resolver os problemas do Brasil, coloque os pobres no orçamento".
Lula mencionou várias vezes o protagonismo do Brasil diante das relações exteriores nos últimos anos e que essa postura mudou com o atual governo, representando uma volta ao tempo de "lambe-botas" dos Estados Unidos. Lembrou que por coincidência, hoje (5 de novembro), faz 11 anos que o Brasil eliminou a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), mudando sua então postura subserviente diante dos norte-americanos.
A ex-presidenta Dilma Rousseff enviou mensagem por escrito que foi lida durante o ato: "A invasão da Escola Nacional Florestan Fernandes, ligada ao MST, é um precedente grave. Não há por que admitir ações policiais repressivas que resultem em tiros e ameaças letais, ainda mais em uma escola. É lamentável que a semana termine com novos assaltos aos direitos civis e a tentativa de criminalizar os movimentos sociais. O atropelo às regras do Estado de Direito, com a adoção de claras medidas de exceção, deve ser combatido. É uma ameaça à democracia que envergonha o país aos olhos do mundo".
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) denunciou a seletividade da Justiça, os retrocessos advindos com o golpe parlamentar e a necessidade de resistência e conexão com a América Latina contra a investida neoliberal. "É um golpe continuado que criminaliza os movimentos sociais, como o MST. Temos uma Justiça seletiva que persegue partidos de esquerda, organizações populares; para essa Justiça, o PT é uma organização criminosa, o MST é uma organização criminosa. O Poder Judiciário tomou de vez as atribuições do Poder Legislativo."
Centenas de pessoas ligadas a movimentos sociais, artistas, intelectuais e representantes de trabalhadores participam do ato de solidariedade. A atividade contou também com a participação de outros políticos e parlamentares, como o deputado dederal Ivan Valente (Psol-SP), lideranças e representantes do Levante Popular da Juventude, da União Nacional dos Estudantes (UNE), do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e do Coletivo Democracia Corinthiana.
Organizações de 36 países, entre eles África do Sul, Egito, Gana, Índia, Síria, Tunísia, Venezuela, Cuba e Palestina também estavam presentes.O ato teve início com intervenções artísticas musicais do MST e de representantes do Sindicato Nacional dos Metalúrgicos da África do Sul (Numsa) e foi seguido por falas das lideranças.
O tom dos discursos foi de resistência diante do que foi considerado um "tapa na cara" desferido pela direita. Na manhã de ontem, cerca de dez viaturas chegaram ao local. Os policiais pularam o portão da escola e a janela da recepção e entraram atirando em direção às pessoas que ali estavam.
Ivan Valente refletiu sobre este, que é um "momento muito sério da política brasileira": Muita ousadia do conservadorismo brasileiro atacar um símbolo da resistência à ditadura militar e da reforma agrária, pular a cerca dando tiros aqui. Temos que dizer que não aceitamos repressão no Brasil, vamos lutar de cabeça erguida!”.
A operação decorreu de ações deflagradas no estado do Paraná e Mato Grosso do Sul, ligadas ao caso Araupel, empresa que há décadas explora irregularmente parte de uma área considerada pública no município de Quedas do Iguaçu, no Paraná.
A empresa tem um histórico de conflito e degradação ambiental na região, com a substituição das matas nativas por monocultura de pinus e araucária, visando a indústria da madeira.
Desde maio de 2014 aproximadamente 3 mil famílias acampadas, ocupam áreas griladas pela Araupel. Essas áreas foram griladas e por isso declaradas pela Justiça Federal terras públicas, pertencentes à União que devem ser destinadas para a reforma agrária. Foto: Felipe Araújo
Créditos: RBA