quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Brasil perdoa R$ 176 bi em juros e multa de dívidas tributárias

 Nos últimos dez anos, o Brasil perdoou R$ 176 bilhões em juros e multas de dívidas tributárias. Os devedores foram beneficiados por meio de nove programas de parcelamento de débitos com o Fisco nesse período. O valor é praticamente o mesmo do rombo nas contas da Previdência no ano passado. 

O levantamento foi feito pela Receita Federal a pedido do Estadão/Broadcast. Esses programas, conhecidos pela sigla Refis, permitem que empresas refinanciem dívidas com descontos sobre juros, multas e encargos. Muitas vezes os juros são maiores que o débito original.
Em troca, o governo recebe uma parcela da dívida adiantada, mas abre mão de uma parcela do que ganharia com juros e multas.

Só no ano passado, foram cinco Refis diferentes aprovados pelo Congresso, inclusive para a dívida de Estados e municípios. Ontem, o presidente vetou parte das condições do programa de parcelamento das dívidas do Funrural, contribuição paga pelos empregadores para ajudar a custear a aposentadoria dos trabalhadores. Temer vetou, por exemplo, o desconto de 100% que os parlamentares colocaram para as multas e manteve a proposta original de 25%.

O presidente já tinha vetado, na semana passada, o Refis para micro e pequenas empresas, mas um acordo foi costurado para a derrubada do veto assim que o Congresso voltar do recesso. As negociações desses programas se misturaram ao longo do ano passado com a busca de apoio do Planalto para derrubar as duas denúncias contra o presidente e aprovar a reforma da Previdência.

Pelo levantamento da Receita, a maior renúncia foi dada no Refis da Crise, lançado em dezembro de 2008, depois que as empresas brasileiras foram atingidas pelo impacto da crise financeira internacional. A renúncia fiscal foi de R$ 60 bilhões. Esse foi o programa com maior adesão até agora, com participação de 886 mil empresas e pessoas físicas. O Refis da Crise foi reprisado depois com mais quatro reaberturas do prazo de adesão entre 2013 e 2014.

O apelido de Refis nasceu do nome do primeiro parcelamento especial, feito há 18 anos, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Na época, o programa foi destinado somente a empresas. De lá para cá, já foram 39 programas, segundo a Receita, inclusive para bancos e clubes de futebol.
Créditos: Estadão

Reajuste do salário mínimo fica abaixo da inflação

Nem o menor INPC anual desde a implementação do Plano Real foi suficiente para que o governo reajustasse o salário mínimo pela inflação, como manda a Lei 13.152, de 2015. Com a divulgação pelo IBGE, ontem (10), dos resultados do IPCA e do INPC,confirmou-se que o piso nacional ficará abaixo da inflação pelo segundo ano seguido, o que põe em dúvida a continuidade de uma política pública que ajudou, principalmente, economias regionais.
Desde o dia 1º, o salário mínimo passou a valer R$ 954, um reajuste de R$ 17, suficiente para quatro voltas de transporte coletivo em São Paulo. O aumento foi de 1,81% sobre os R$ 937 do ano passado – abaixo, inclusive, dos R$ 965 que o Congresso havia aprovado dentro da peça orçamentária para 2018. O INPC divulgado nesta quarta-feira chegou a 2,07%. Isso já havia acontecido em 2017, quando o mínimo havia sido reajustado em 6,48%, para um INPC de 6,58%. 
A Lei 13.152, que implementou a política de valorização do salário mínimo, estipula reajuste com base no Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes, que valeria como aumento real, e pelo INPC do ano anterior. O PIB, de fato, não cresceu, deixando o mínimo sem ganho real. Mas o governo descumpriu a segunda parte, ao não aplicar o INPC.
"Não é só o salário mínimo. A julgar pelas demais medidas que esse governo tomou, é uma demonstração inequívoca de mudança radical nas políticas públicas", avalia o coordenador de Relações Sindicais do Dieese, José Silvestre. Ele lembra ainda que a ideia original contida na reforma da Previdência era de desvincular os pisos do salário mínimo. Além disso, várias medidas em curso apontam para redução ou restrição de políticas públicas com impacto na distribuição de renda, como o Bolsa Família, a agricultura familiar e o programa Minha Casa, Minha Vida. Com a redução paulatina de recursos, diz Silvestre, algumas devem "morrer por inanição".
Resultado de uma campanha das centrais, que se tornou regra no primeiro governo Lula e depois lei, a política de valorização do salário mínimo foi importante, observa o técnico do Dieese, tanto para pessoas que têm seus rendimentos referenciados no piso nacional como para a economia, especialmente os pequenos municípios. "Ajudou a reduzir em alguma medida a desigualdade do ponto de vista da renda, mas também a desigualdade regional. Foi um instrumento para dinamizar as economias dos municípios", acrescenta.
De 2003, no primeiro ano do governo Lula, até 2016, o salário mínimo acumulou aumento real de 77%. Começou a perder para a inflação exatamente nestes dois últimos anos, a partir da gestão Temer.
A lei contempla reajustes do mínimo até 2019 – no caso, pelo INPC deste ano mais o PIB de 2017. Mas Silvestre põe em dúvida a manutenção da regra. "Talvez pelo fato de o PIB ser positivo, com um crescimento muito pequeno, faça com que o governo cumpra. Mas, vendo o histórico desse governo, o mais provável é abandonar de uma vez." O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou em outras ocasiões que a norma não deve mudar – desde que não ponha em risco a lei do teto de gastos públicos.
Os indicadores oficiais mostram queda da inflação em 2017, o que foi apontado também pelo Índice do Custo de Vida (ICV) do Dieese, calculado no município de São Paulo. Mesmo que isso ajude a não correr o poder de compra, como observa Silvestre, o desemprego e ocupações de menor qualificação contribuíram para reduzir a massa salarial. E isso poderá piorar este ano, com a entrada em vigor da "reforma" trabalhista e medidas como o trabalho intermitente, que poderá criar situações em que um trabalhador, com diferentes empregadores, ganha menos de um salário mínimo.
O reajuste das aposentadorias e pensões em 2018 deve ser de 2,07%, percentual do INPC no ano passado. É o menor índice a ser aplicado aos aposentados desde 1994. A oficialização do reajuste ainda não foi publicada no Diário Oficial da União.
Os beneficiários do INSS que o recebem mínimo tiveram a alteração, de R$ 937 para R$ 954, anunciada em dezembro. O valor também corresponde ao piso nacional para o mercado formal e serve de base para benefícios de prestação continuada e seguro-desemprego.
Créditos: Rede Brasil Atual

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Corrupção é causa de 66% de casos de expulsão do servidor

O Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) anunciou que o enfrentamento à impunidade no Poder Executivo Federal resultou, em 2017, na expulsão de 506 agentes públicos por envolvimento em corrupção e atividades contrárias ao Regime Jurídico dos Servidores (Lei nº 8.112/1990). 

O principal motivo das expulsões foi a prática de atos relacionados à corrupção, com 335 das penalidades aplicadas ou 66% do total. Já abandono de cargo, inassiduidade ou acumulação ilícita de cargos aparecem em seguida, com 125 dos casos. Também figuram entre as razões proceder de forma desidiosa (negligência) e participação em gerência ou administração de sociedade privada.

Entre os atos relacionados à corrupção estão valimento do cargo para lograr proveito pessoal; recebimento de propina ou vantagens indevidas; utilização de recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares; improbidade administrativa; lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional.

Ainda de acordo com o balanço, ao longo de todo o ano passado, foram registradas 424 demissões de funcionários efetivos; 56 cassações de aposentadorias e 26 destituições de ocupantes de cargos em comissão. Os dados não incluem empregados de empresas estatais como Caixa Econômica Federal, Correios e Petrobras.

O Relatório de Punições Expulsivas é publicado mensalmente na internet de forma a prestar contas sobre a atividade disciplinar exercida no âmbito do Executivo Federal. O ministério mantém ainda o Cadastro de Expulsões da Administração Federal, que permite consultar, de forma detalhada, a punição aplicada ao servidor, órgão de lotação, data da punição, unidade da Federação e fundamentos legais. A fonte das informações é o Diário Oficial da União.

Segundo o CGU, servidores apenados nos termos da Lei Ficha Limpa ficam inelegíveis por oito anos. A depender do tipo de infração cometida, eles também podem ficar impedidos de voltar a exercer cargo público. “Em todos os casos, as condutas irregulares ficaram comprovadas após condução de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), conforme determina a Lei nº 8.112/1990, que garantiu aos envolvidos o direito à ampla defesa e ao contraditório”, informou o órgão.

Desde 2003, o Governo Federal expulsou 6.714 servidores. Desses, 5.595 foram demitidos; 549 tiveram a aposentadoria cassada; e 570 foram afastados de suas funções comissionadas. Nos últimos 15 anos, as unidades federativas com mais punidos foram Rio de Janeiro (1.211), Distrito Federal (800) e São Paulo (716). Já as pastas com a maior quantidade de expulsões foram o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário – que absorveu o INSS; seguido pelo Ministério da Educação e pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. Da Agencia Brasil.
Créditos: Focando a Notícia

Temer libera mais R$ 10 bi para deputados por reforma da Previdência

Michel Temer partiu para o vale tudo para aprovar a reforma da Previdência. Ele reforçará a munição do ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun (MDB-MS), com até R$ 10 bilhões para a finalização de obras em redutos eleitorais de quem votar pela reforma da Previdência.
Assessores presidenciais dizem que essa será uma das "armas" para pressionar o Congresso na volta do recesso. O dinheiro sairá da própria economia gerada em 2018 com a eventual aprovação das novas regras da Previdência.
De acordo com o governo, cálculos da equipe econômica indicam que os gastos com benefícios que deixarão de ser feitos imediatamente após a reforma vão gerar uma sobra de R$ 10 bilhões no caixa se a mudança ocorrer ainda em fevereiro. Terão prioridade os projetos em andamento que necessitam de pouco dinheiro para serem inaugurados ou entrarem na fase final.
Entre eles estão ajustes finais na duplicação da rodovia Régis Bittencourt, na serra do Cafezal, obra praticamente concluída; a segunda fase da linha de transmissão de Belo Monte; a BR-163, no Pará, os aeroportos de Vitória (ES) e Macapá (AP) e a ponte do rio Guaíba (RS).
O governo trata essas obras como "de campanha" porque podem gerar votos nos municípios afetados. Na avaliação da equipe política do governo, isso faz diferença no momento em que as verbas de campanha estão travadas pelo Orçamento nos dois fundos destinados às eleições. As informações são de reportagem de Julio Wiziack e Daniel Carvalho na Folha de S.Paulo.
Créditos: Brasil 247

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Retomada sustentável da economia virou meta impossível

 Por não ser espontânea, a recessão ocorre no capitalismo por decisão planejada de política econômica dos governos. Após a grande depressão de 1929, por exemplo, a economia brasileira registrou entre 1933 e 1980, apenas dois anos (1940 e 1942) de decréscimo do Produto Interno Bruto (PIB), sem poder ser considerados recessivos.
Em resumo, o período de 48 anos (1932-1980) registrou trajetória econômica marcada por 46 anos (96% do período) de expansão do PIB e somente 2 anos (4%) de regressão. Assim, nota-se que a cada 23 anos de evolução positiva do PIB, havia, em média, um ano de queda no nível de atividade da economia brasileira.
Desde 1980, contudo, o país passou a registrar, a cada três anos e meio de ascensão do PIB, um ano de regressão, em média. Isso porque nos 36 anos de trajetória recente da economia nacional (1981-2016), o PIB ascendeu em 28 anos (78%) e declinou em 8 anos (22% do tempo).
As três grandes recessões econômicas que ocorreram a partir de 1980 não apenas modificaram os rumos do capitalismo brasileiro, como difundiram obstáculos maiores para a retomada do seu nível de atividade. Naquele momento, a adoção de políticas ortodoxas de natureza liberal conservadora atingiu forte e prolongadamente o setor industrial, centro do dinamismo da economia nacional desde a década de 1930.
Na primeira recessão de 1980-1983, o PIB decresceu acumuladamente 6%. Naquela época, o declínio forçado da economia teve por acordo com Fundo Monetário Internacional, teve como objetivo gerar elevado superávit comercial para atender o pagamento da dívida externa. O inadequado fechamento da economia nacional decorrente do ajuste externo, não apenas desviou o país do curso da terceira Revolução Industrial e Tecnológica, como consolidou ainda mais uma estrutura produtiva oligopolizada, fortemente dependente da alta inflação.
Nos anos de 1990-1992, a segunda recessão levou ao declínio acumulado de quase 4% do PIB. A adoção do programa neoliberal identificado com o Consenso de Washington impôs a privatização desorganizada e abriu abrupta e irresponsavelmente a economia nacional, comprimindo à estrutura produtiva e a tornando dependente de altas doses de juros reais associadas ao rentismo improdutivo.
Na terceira recessão desde 1980, o PIB decaiu 7% acumuladamente entre 2015 e 2016. A implantação do incongruente programa de austeridade fiscal contraiu ainda mais o setor industrial para menos de um décimo de importância relativa da estrutura produtiva nacional, somente comparável à década de 1910.
Naquela época, recorda-se, quando o país desconhecia o que era industrialização e o seu poder de dinamização interna da economia nacional, predominava a dependência às exportações de produtos primários, como o café e açúcar. Nos dias de hoje, a especialização crescente do país à produção e exportação de produtos primários o torna dependente de apenas 6 produtos que respondem por quase a metade das vendas externas (soja, carnes, minério de ferro, açúcar, café e celulose).   
Isso nem seria mal, caso a economia tivesse impulso dinâmico interno. Como não acontece, a insistência na continuidade do programa de austeridade fiscal conduzido pelo governo Temer termina por ceifar qualquer possibilidade sustentável de retomada da economia nacional. Em 2018, a permanência da asfixia do setor público seguirá estimulando o rentismo improdutivo, na mesma medida em que a receita de anabolizante ao paciente faz crescer os músculos sob o risco de maior câncer ou o próprio infarto do usuário. Por Marcio Pochmann professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Créditos: Rede Brasil Atual

Saúde e educação perdem R$ 472 milhões para campanhas

O fundo eleitoral bilionário criado para bancar as campanhas políticas com recursos públicos retirou R$ 472,3 milhões originalmente destinados pelos parlamentares para educação e saúde neste ano. Deputados federais e senadores, quando aprovaram a destinação de verbas para as eleições, haviam prometido poupar as duas áreas sociais de perdas.
Levantamento feito pelo jornal "O Estado de S. Paulo" mostra que o fundo receberá R$ 121,8 milhões remanejados da educação e R$ 350,5 milhões da saúde. O valor corresponde à transferência de dinheiro das emendas de bancadas --que seria destinado a esses setores-- para gastos com as campanhas eleitorais deste ano.
O fundo, aprovado em 4 de outubro do ano passado, é uma alternativa à proibição das doações empresariais e receberá, no total, R$ 1,75 bilhão. Desse montante, R$ 1,3 bilhão sairá das emendas de bancada, cujo pagamento é obrigatório pelo governo, e R$ 450 milhões da isenção fiscal que seria concedida a rádios e TVs para veicular programas partidários.
    O dinheiro será distribuído aos partidos de acordo com o tamanho de suas bancadas na Câmara e no Senado. A criação do fundo é contestada por ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), sob a relatoria da ministra Rosa Weber. Ela decidiu levar o caso ao plenário da Corte e ainda não há data para o julgamento.
    A verba retirada da saúde para abastecer o caixa das campanhas seria suficiente, por exemplo, para arcar com a construção de 159 novas Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs), com sete leitos, dois médicos e atendimento médio de 150 pacientes por dia ou financiar 859 Unidades Básicas de Saúde (UBSs).
    Os recursos que deixaram de ser aplicados em educação equivalem a 34% de todos os pagamentos que o governo realizou no ano passado no Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância): R$ 355 milhões, conforme dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O dinheiro serve para construir e equipar creches.
    Os principais articuladores da reforma política, quando a proposta tramitou no Congresso Nacional, afirmaram que as duas áreas não seriam prejudicadas. "Não aceito que mexa um centavo de saúde e educação", disse à época o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE).
    Um dos idealizadores do uso das emendas como fonte de recursos, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo Michel Temer, também rechaçou as perdas: "A proposta que eu fiz não tira dinheiro da educação, da saúde, de lugar nenhum". Procurados, eles não foram encontrados para comentar o assunto.
    Créditos: Uol

    segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

    Fome aumenta pela primeira vez em quase 15 anos

    Mulher arrasta saco de comida jogado do alto pelo Programa Mundial de Alimentos no Sudão do Sul

    815 milhões de pessoas dormem todo dia sem ter comido as calorias mínimas para suas atividades diárias. Mas o número alto, calculado pelas Nações Unidas e publicado na sexta-feira, dia 15 de setembro, não é novidade: o número de famintos oficiais oscila entre os novecentos e tantos e os setecentos e muitos desde o início do século. A notícia é que, pela primeira vez desde 2003, a fome volta a aumentar.
    Esta alta em relação aos quase 777 milhões de subalimentados calculados em 2015 não foi uma surpresa absoluta: havia sinais de sobra para prevê-la. A fome reapareceu este ano no Sudão do Sul e há outros três países (Iêmen, Somália e Nigéria) perto de cair em suas garras. Nos últimos anos, estouraram guerras e enfrentamentos que se ampliam e se agravam (de fato, 6 em cada 10 pessoas com fome vivem em países em conflito). E também há regiões muito dependentes da agricultura que estão há três ou mais temporadas sofrendo secas, inundações e outros impactos climáticos. Esses são, exatamente, os fatores que explicam a alta, segundo o relatório apresentado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura) e outras quatro agências da ONU em Roma.
    Se há um ano 10,6% da humanidade passava fome, hoje são 11%. “São muitas más notícias”, lamenta Kostas Stamulis, diretor geral adjunto da FAO, a agência que faz os cálculos anuais do número de pessoas “subalimentadas”, ou que não consomem o número de calorias mínimo para suas necessidades vitais. “Por isso esperamos que pelo menos sirvam para fazer disparar o alarme e que os países ouçam”, reflete Stamulis.
    Na América Latina, os níveis permanecem baixos, mas há indícios de que a situação pode piorar, especialmente nos países da América do Sul, onde a prevalência da subnutrição aumentou de 5% em 2015 para 5,6% em 2016. No Brasil, apesar de o alerta de entidades nacionais de que o país está sob ameaça de retornar ao mapa da fome, o número registrado no biênio 2014-16 ficou abaixo de 2,5% (em 2004-06 ele era de 4,5%).
    A agência insiste firmemente: acabar com a fome é uma questão de vontade política. Porque os alimentos produzidos mais do que sobram para que os quase 7,5 bilhões de habitantes do planeta comam o que necessitam para uma vida plena. O problema é quase sempre de distribuição: há regiões em que não chega comida suficiente, há pessoas (ou comunidades inteiras) sem dinheiro suficiente para comprá-la.
    Por trás dessa complexa realidade chamada fome estão, obviamente, problemas de pobreza e vulnerabilidade. Porque uma seca pode provocar grandes perdas econômicas na Califórnia; mas se as chuvas faltam na Etiópia, centenas de milhares de pastores etíopes que sobrevivem graças a seus animais vão perdê-los. E com eles sua fonte de alimentação. A ofensiva militar contra o Boko Haram vivida no norte da Nigéria pode provocar refugiados (quase dois milhões) e destruição; mas se a maioria da população comia o que cultivava, quando se vê obrigada a abandonar seus campos e estes ficam arrasados, fica sem a única forma de conseguir alimento por conta própria. Uma alta ou queda dos preços globais do milho pode alterar o preço das espigas em um supermercado espanhol. Mas também arruinar ou expor à fome (ou ambos) milhares de pequenos produtores.
    Por isso, a resposta que os autores do relatório oferecem passa, sim, por atender com rapidez as situações de emergência alimentar provocadas pela violência ou pelo clima (ou pela explosiva combinação dos dois). E por fomentar e proteger a paz. Mas também, e sobretudo — e aí é onde entra em jogo a vontade política — por investir e apoiar o desenvolvimento e a capacidade dos mais vulneráveis para resistir a esses contratempos, como determinam os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável aprovados em 2015 pelos 193 países membros das Nações Unidas.
    Por criar, além disso, oportunidades profissionais e sociais que façam desaparecer também os famintos urbanos, um grupo em perigo de expansão com o crescimento das cidades. E por estabelecer mecanismos comerciais que não deixem a alimentação de países inteiros exposta aos vaivéns do mercado.
    Essa volta da fome é, sem dúvida, uma forte reprimenda aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o programa global concebido entre promessas de mudança e boas intenções. A segunda dessas metas que as Nações Unidas e seus países membros determinaram para o ano de 2030 é acabar com a fome e a subnutrição. Mas exatamente quando são colocadas para funcionar, não só não há progresso como se rompe a série de quase quinze anos de queda.
    “Ainda é cedo para saber se se trata de uma nova tendência ou se é algo pontual devido a crises em andamento”, ressalva o diretor da FAO. Os autores do relatório, do qual também participam o Programa Mundial de Alimentos, o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola, o Unicef e a Organização Mundial de Saúde, advertem sobre a necessidade de continuar melhorando “a confiabilidade das estatísticas”, que estão sujeitas a contínuas atualizações. Várias vozes criticaram essas mudanças a posteriori, perguntando-se inclusive se os números não foram maquiados para parecer que os objetivos estão sendo cumpridos.
    "Somos totalmente transparentes com os dados”, garante Stamulis. “São números oferecidos pelos países e que nós depois analisamos e verificamos.” Essa informação remetida pelos Estados inclui produção, fornecimento e comércio de alimentos e a demografia (idade, sexo, ocupações da população etc.) para calcular o consumo de calorias e relacioná-lo com a energia de que cada pessoa necessita. Mas há países que meses ou anos depois corrigem as estatísticas enviadas. Apesar de a metodologia não mudar, essas variações fazem com que as cifras de cada novo relatório invalidem as anteriores. “Neste momento são os melhores que podemos ter”, sustenta o grego.
    Essa diversidade de fontes (este ano foram incluídos números estimados pelo Unicef e pela OMS), admite o diretor da FAO, pode estar por trás de uma das boas notícias que o texto apresenta: os atrasos no crescimento pela desnutrição em menores de cinco anos apontam uma tendência muito mais positiva: apesar de 155 milhões de crianças ainda sofrerem do problema, a redução desde 2005 foi de 6,6 pontos (de 29,5% para 22,9%).
    Os diferentes tipos de desnutrição, sobrepeso infantil, anemia feminina e obesidade entre adultos foram incluídos pela primeira vez em um relatório que mudou de nome: já não fala do estado de insegurança alimentar, mas de segurança alimentar e nutrição. A ideia, aponta o documento, é entender melhor a relação entre segurança alimentar (a garantia de ingerir calorias suficientes) e uma boa nutrição (que estas provenham de alimentos saudáveis e com os nutrientes adequados).
    Apesar de o informe deste ano ser negativo, a série histórica traz progressos. Em 2000, os obrigados a dedicar seu dia a dia a buscar algo para comer, condenados a não desenvolver todo seu potencial físico e humano, eram 14,7% da população mundial. Hoje são 11%. Mas, como se pergunta o escritor argentino Martín Caparrósem seu enciclopédico A fome: “E se em vez de centenas de milhões de famintos fossem 100? E se fossem 24? Então diríamos, ‘ah, bem, não é tão grave’? A partir de quantos começa a ser grave?”.  ALBERT GONZALEZ FARRAN.
    Créditos: El País