Os cortes no Orçamento realizados desde 2015, mas muito aprofundados na gestão Michel Temer, atingiram em especial as mulheres. Em condição de maior vulnerabilidade que os homens, elas são as mais afetadas com a redução de verbas para políticas públicas em qualquer área. Além disso, as ações específicas para a promoção da autonomia e o combate à violência contra a mulher foram praticamente aniquiladas. De 2014 para 2017, a tesoura da austeridade retirou 62,87% dos recursos destinos a elas.
Estudo do IBGE aponta que as mulheres, apesar de estudarem mais, recebem salários que são cerca de ¾ daquilo que os homens ganham. No fim de 2017, 13,4% do total de mulheres em idade de trabalhar estavam desempregadas, enquanto 10,5% dos homens estavam na mesma situação. Para as mulheres negras, a situação é ainda pior.
"Sendo as mulheres mais pobres, elas dependem mais das políticas públicas. Então, quando o governo faz recortes orçamentários, que tiram dinheiro de uma série de políticas, isso vai afetar muito mais a elas", diz Grazielle David, especialista em Orçamento Público e assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
O cenário é ainda mais difícil quando se considera que, na sociedade patriarcal brasileira, os afazeres domésticos e os cuidados de pessoas são sempre delegados às mulheres. "Quem cuida dos idosos, das crianças, dos doentes e do lar são as mulheres. São tarefas que exigem muito, mas não são remuneradas. Trata-se de toda uma economia invisível, que é de responsabilidade da mulher", afirma Grazielle.
De acordo com dados do IBGE, as mulheres que trabalham dedicam 73% mais horas do que os homens aos cuidados e/ou afazeres domésticos. "O único benefício que elas poderiam ter seria por meio da oferta de serviços públicos oferecidos pelo Estado. Por isso, o Estado, ao decidir cortar o Orçamento das políticas, afeta muito a mulher, que permanece trabalhando mais e ganhando menos".
Pior: quando o governo resolve reduzir o Orçamento de áreas sociais, termina por sobrecarregar ainda mais as mulheres ou até lhes tirar do mercado de trabalho, já que o cuidado se torna mais necessário.
"Se há menos dinheiro para creche, quem vai ser obrigado a abandonar o emprego para cuidar da criança, já que o Estado não oferece essa vaga? Quem vai cuidar do doente, porque o Estado cortou a verba da saúde? Quem vai cuidar do idoso, já que o Orçamento de políticas para os idosos praticamente está zerado no país? São sempre as mulheres", aponta a assessora do Inesc.
É nesse contexto - e num país que possui um dos maiores índices de feminicídio do mundo - que as políticas de ajuste fiscal têm servido para enfraquecer as já combalidas instituições de gênero e suas ações. As mulheres, essas mesmas que estudam mais, trabalham mais e recebem menos, foram perdendo cada vez mais espaço no Orçamento Público.
"Se pegar de 2014 para cá, é impressionante o que está acontecendo com o Orçamento para a mulher. Em 2014, o verba para políticas para a mulher, de promoção da autonomia e combate à violência, chegava a R$154 milhões, em valores corrigidos. Em 2015, caiu para R$107 milhões. Em 2016, já era de R$ 81 milhões e, em 2017, caiu para R$ 57 milhões. É uma variação de 62%, é impressionante. É praticamente extinguir a política", revolta-se Grazielle.
O ano de 2014 é usado por ela como referência, porque, em 2015, com o início da crise econômica, começaram os primeiros cortes. "Mas eram reduções pontuais e temporárias, algo mais de acordo com as regras do Comitê de Diretos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, que fala que a realização progressiva de direitos exige a não redução orçamentária, mas reconhece que, em períodos de crise, isso pode ocorrer, respeitando alguns critérios. Isso aconteceu em 2015, mas não aconteceu no governo Temer", critica.
Segundo ela, a Emenda Constitucional 95, proposta de Temer que instituiu um teto para os gastos públicos, é um exemplo disso. "Primeiro, porque o governo tornou praticamente permanente o corte, já que ele vai durar por 20 anos [prazo de vigência da nova regra fiscal] e colocou isso na Constituição. Segundo, porque os cortes estão se dando de forma muito mais profunda", aponta.
Para a especialista em Orçamento, a redução de verbas é ainda mais preocupante, à medida que se dá em um momento no qual os índices de violência contra a mulher estão aumentando. Na contramão do que deveria estar ocorrendo, os serviços que atendem às mulheres vítimas de violência estão simplesmente minguando. De acordo com Grazielle, de 2014 até 2017, 164 serviços especializados, como abrigos, centros de atendimento, delegacias e varas, foram fechados em todo o país.
O desprezo com as medidas que promovem maior equidade gênero afeta mais as mulheres, mas não só elas. Há estudos do Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo, que afirmam que uma maior integração econômica delas significaria maior crescimento econômico para as nações.
"Se você corta o orçamento de políticas que permitiriam às mulheres ingressarem no mercado de trabalho, você está atrasando a retomada do crescimento econômico do país", alerta Grazielle. Com isso, todos perdem.Fonte:
Vermelho