Alteração em texto sobre royalties do pré-sal, feita por recomendação do governo, retirou recursos do Fundo Social. Movimento afirma que vai trabalhar para reverter quadro na Câmara
O substitutivo do senador Eduardo Braga (PMDB-AM) para o Projeto de Lei 41, de 2013, reduziu os dividendos do petróleo que seriam destinados para as áreas de educação e saúde, segundo especialistas em orçamento público que analisaram o texto aprovado na madrugada de ontem (3) pelo Senado. O parlamentar manteve a previsão de destinar 75% dos recursos dos royalties do petróleo para educação e 25% à saúde, mas fez alterações no montante que será destinado ao Fundo Social do Pré-Sal, criado em 2010 para ser uma espécie de poupança de longo prazo para garantir desenvolvimento social e regional.
O projeto da Câmara, aprovado na última quarta-feira (26), previa que metade de todos os recursos do pré-sal seriam depositados no Fundo Social. O Senado, a pedido do governo Dilma Rousseff, retomou a proposta original do Executivo e repassou para a área 50% dos juros oriundos da movimentação das verbas do Fundo Social, que serão destinadas para o mercado financeiro, para regular a economia.
“O Senado abriu sua caixa de maldades e os investidores devem estar soltando rojões hoje”, lamenta o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. Ainda não há como calcular o quanto essa perda representa em valores, mas a entidade vai iniciar um estudo para calcular o prejuízo. “Nem os senadores devem ter feito esse cálculo”, avaliou Cara.
Obrigatoriamente, 50% dos recursos do fundo devem ser destinados à educação – destes, 80% para o ensino básico e infantil –, mas a composição de verbas do fundo pode ser alterada pelo Legislativo, o que foi feito no projeto votado ontem. O relatório de Braga, porém, não dimensiona as perdas provocadas pela mudança.
Se o texto tivesse mantido nos moldes da Câmara, a educação poderia receber, até 2022, R$ 196,08 bilhões, e a saúde, R$ 65,36 bilhões, segundo projeções de uma nota técnica da Casa. Para que se tenha uma noção da importância da verba, o orçamento total do MEC para este ano fica em R$ 101 bilhões.
O especialista em financiamento da educação Luiz Araújo chegou a estimar o valor das perdas: pelo projeto da Câmara, a educação iria receber, já em 2013, mais R$ 5,9 bilhões. Porém, com o substitutivo aprovado pelo Senado esse valor cai para R$ 850 milhões, uma perda de R$ 5,1 bilhões. Em 2017, poderiam ser mais R$ 14,45 bilhões para a área, que ficaram restritos a R$ 7,53 bilhões, uma perda de R$ 6,9 bilhões. Em 2022, teria garantido R$ 47,83 bilhões pelo aprovado na Câmara, mas a verba será de R$ 17,82 bilhões, uma perda de R$ 30 bilhões.
Anos | Projeto da Câmara | Substitutivo do Senado | Perda |
---|---|---|---|
2013 | R$ 5,9 bilhões | R$ 850 milhões | R$ 5,1 bilhões |
Até 2017 | R$ 14,45 bilhões | R$ 7,3 bilhões | R$ 6,9 bilhões |
Até 2022 | R$ 47,83 bilhões | R$ 17,82 bilhões | R$ 30 bilhões |
Para Cara, os senadores foram influenciados pelo receio do governo de que o Brasil acabasse sofrendo da "doença holandesa", apelido dado por analistas econômicos ao problema que acomete algumas nações com alto nível de exploração petrolífera: a renda de mercado financeiro e a exportação acabam sendo mais produtivos do que o investimento produtivo, elevando o custo de vida e impedindo o desenvolvimento econômico.
“O texto da Câmara vinculava metade recurso do pré-sal para o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação, que vai até 2022, e a doença holandesa não vai acontecer até lá porque temos uma conta de petróleo que é deficitária. O Brasil exporta petróleo bruto, mas continua importando petróleo refinado, como gasolina e diesel. A gente importa mais do que exporta”, avaliou.
Outras alterações
Além do retrocesso relacionado ao pré-sal, outras alterações no projeto da Câmara reduziram as verbas do petróleo destinadas às demandas sociais. Os 75% dos royalties para educação e os 25% para saúde ficaram restritos apenas aos recursos da União, que representam cerca de 40% do total.
Os estados e municípios, que detêm os outros cerca de 60%, só terão essa obrigação nos contratos fechados a partir de 3 de dezembro de 2012. “Eles só vão se preocupar com os futuros poços descobertos, que é mínimo”, afirmou. “O recurso da União é muito pouco e não resolve nada em termos de saúde e educação, porque a população brasileira é muito grande e sempre foi mal atendida em educação e saúde, então a demanda é muito grande em recursos.”
Outra perda foram os royalties sobre os vasos condutores que ligam um poço de petróleo a outro e que concentram muito óleo, chamados de unitização. Eles pertencem à União e, pelo protejo da Câmara, seus dividendos estariam completamente vinculados à saúde e educação. O Senado, porém, voltou atrás na decisão.
"Eles não ouviram as ruas", afirmou Cara. “A gente teve muitas perdas por conta da posição do governo, que sempre tentou convencer a sociedade que o projeto da Dilma era muito bom para saúde e educação e não é. Era bom no sentido da iniciativa. A gente aprovou na Conferência Nacional de Educação a vinculação do dinheiro do petróleo para educação e ela mostrou sensibilidade para isso, mas a viabilidade do texto dela era mínima para a área."
Dos 81 senadores da Casa, apenas cinco votaram a favor do projeto da Câmara: Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), Inácio Arruda (PCdoB-CE), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Cristovam Buarque (PDT-DF) e José Agripino Maia (DEM-RN). “Na Câmara, nós construímos uma boa viabilidade e agora estamos com uma viabilidade aquém do nível intermediário. Vamos tentar recuperar novamente na Câmara, mas as chances são mínimas”, avaliou Cara.
O Ministério da Educação não se declarou oficialmente sobre a aprovação. O ministro Aloizio Mercadante afirmou ao site do MEC que a decisão do Senado “foi mais um passo a caminho da prioridade que precisamos para a educação no Brasil”. "Vamos seguir trabalhando para aprovar o texto na Câmara”, disse.
Rede Brasil Atual