Em visita ao Brasil, ex-funcionária da ONU em Damasco explica que tanto Washington como Moscou gostariam de ver os dois lados da guerra disputando eleições.
A ativista síria Sara al-Suri esteve no Brasil ano passado e retornou recentemente ao país com a intenção de promover campanhas políticas contra a ditadura de Bashar al-Assad. Ex-funcionária das Nações Unidas em Damasco, Sara deixou a Síria em março de 2012 – sua família precisou abandonar o país há sete meses. Com 25 anos, a ativista cursava Ciência Política e Sociologia.
Sara al-Suri observa que os Estados Unidos e a Rússia são “dois lados da mesma moeda” no que diz respeito às negociações em torno do regime sírio. Para ela, as duas potências desejam articular uma alternativa política para a saída de Bashar al-Assad do governo. “Todos gostariam de fazer com que Bashar al-Assad, os rebeldes e a oposição burguesa simplesmente sentassem em uma mesa, apertassem as mãos, agendassem eleições para 2014 e fingissem que está tudo resolvido.” Essa solução, acredita, apenas levaria a uma “cosmética transição de governo dentro de um país que está em guerra”.
Nesta
entrevista ao
Sul21, concedida durante sua passagem por Porto Alegre na semana passada, Sara al-Suri também fala sobre a situação das mulheres na Síria. Ela ressalta que tanto os rebeldes quanto os soldados do governo são machistas. “O que a revolução fez foi dar a nós, mulheres, uma chance de sermos ativistas, de lutarmos contra a opressão, contra a exploração e contra a marginalização. Porém, é um engano pensar que a revolução, por si só, nos libertou”, comenta. “Quanto mais comparecia aos protestos, mais eu conhecia pessoas que não encontraria na universidade ou através dos meus amigos. Era um contexto social completamente diferente.”
De que lugar da Síria tu és e quando começaste a lutar contra o regime?
Sou de Damasco, a capital. O primeiro protesto que eu participei ocorreu no dia 8 de março de 2011. Era uma manifestação em favor dos revolucionários líbios, em frente à embaixada da Líbia. Éramos um grupo de aproximadamente 50 a 60 pessoas. Foi um evento muito pequeno e insignificante comparado ao que aconteceu depois, mas muitos de nós fomos presos. Alguns foram presos por poucas horas, outros por alguns dias. Esse foi meu primeiro protesto antes da verdadeira revolução de massa, que começou no dia 15 de março na cidade da Daraa, no sul do país.
O que tu fazias na Síria?
Eu trabalhava na ONU e era estudante: graduanda em Ciência Política e mestranda em Sociologia. Eu também trabalhava para o World Food, programa de alimentação das Nações Unidas.
Por que e quando tu saíste do país?
Deixei a Síria em março de 2012. Não havia problema em sair, mas eu não poderia voltar. Se quisesse voltar, teria que ser clandestinamente. No início, minha atuação na Síria era focada na participação nos protestos. Depois, acabei me dedicando ao Comitê de Coordenação Local em Rukn Eldin – um bairro na área central de Damasco –, organizando manifestações, escrevendo panfletos, fazendo campanhas para a liberação de detidos.
Como está a situação deste bairro atualmente?
Atualmente é uma das maiores áreas armadas dentro de Damasco em que o regime ainda não conseguiu intervir. É um bairro de classe trabalhadora. No início, eu não me senti muito confortável lá. Meu primeiro contato com a revolução envolveu intelectuais e artistas que apoiavam o processo na Líbia. Porém, quanto mais eu comparecia aos protestos, mais eu conhecia pessoas que não encontraria na universidade ou através dos meus amigos. Era um contexto social completamente diferente. Foi aí que comecei meu ativismo. Não íamos ao centro de Damasco, mas, sim, às partes periféricas da cidade, especificamente a um local chamado Dummar, que é agora uma zona liberada. Era muito interessante, pois as pessoas saíam das áreas centrais da cidade para juntarem-se a esses protestos na periferia, já que Damasco ainda estava sob forte controle do regime.
Qual foi o sentimento das pessoas na Síria quando a primavera árabe começou, quando os primeros protestos tomaram conta da Tunísia?
Foi inacreditável, porque não podíamos nem comemorar publicamente. Ficamos muito felizes por tudo ter começado na Tunísia. (Mohamed) Bouazizi (o cidadão tunisiano que colocou fogo no próprio corpo) se tornou uma figura importante na Síria, todos usavam sua foto. O regime foi tolo o bastante de permitir isso. O clima ainda era de segurança, então podíamos falar sobre isso, desde que não publicamente. Quando Mubarak caiu no Egito, lembro que as pessoas trocavam mensagens de texto utilizando uma expressão em árabe em que uma pessoa diz “parabéns” e a outra responde “espero que você seja o próximo”. É uma expressão utilizada para felicitações em casamentos e nascimentos de crianças. Foi assim que celebramos em Damasco.
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