Depois de meses à frente do ministério da Saúde, Ricardo Barros (PP), fez sua primeira reunião com o Conselho Nacional de Saúde (CNS), na semana passada. O saldo, no entanto, segundo o CNS, não foi nada positivo. O conselho emitiu nota em que disse ser “evidente” o distanciamento das agendas das duas partes. “Pautas como o ajuste fiscal, que enfraquece demasiadamente o Sistema Único de Saúde (SUS), e a pulverização de aéreas urbanas com agrotóxicos mostraram o abismo entre as duas partes”, diz o CNS.
Na conversa, o conselho disse ainda que, “apesar de todas as críticas estarem amparadas em dados técnicos e relacionadas diretamente ao SUS, o ministro interino Ricardo Barros preferiu classificar o debate como “político”.
Entidades como a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e especialistas como Mário Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo o, e Lígia Bahia, professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ) criticaram fortemente a fala em entrevista ao “Estadão”.
Scheffer, que já falou ao Saúde! Brasileiros, que planos de saúde nunca vão substituir o SUS, salientou que não é a primeira vez que a ideia de planos baratos surgem. “Esse é um velho sonho de empresas de saúde. Ter uma regulação mais flexível, que permita ao setor a oferta de serviços mínimos e muitas bondades de governo, sobretudo renúncia fiscal”, afirmou, em entrevista.
Barros recebeu doação de administradora de plano de saúde e, desde que assumiu, defende uma agenda de expansão do setor privado, com menos fiscalização. Ele chegou a afirmar que quanto “mais gente tiver plano melhor” e sugeriu que o setor não precisava de fiscalização.
Ligia Bahia, professora da UFRJ, vê no posicionamento do ministro um incentivo para que as operadoras se sintam desobrigadas a pensar na qualidade do atendimento prestado, fato que já acontece “Não há milagre. De que adianta as pessoas contratarem um plano que não tem credenciados em número suficiente, clínicas ou hospitais?”, disse.
Entidades também divulgaram nota em apoio à livre expressão de funcionários do ministério da Saúde, em face de suspeitas sobre as motivações de muitas demissões que ocorrem na pasta. Uma nota, assinada pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), Frente Democracia e Saúde, pela Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS) e pela Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, denuncia as demissões e diz que há abuso de autoridade, e atitudes contra à liberdade de consciência, em especial no Ministério da Saúde.
A nota evoca art. 5 da Constituição Federal, que prevê como um direito fundamental a liberdade de consciência. O texto enfatiza que não existem condicionalidades aos direitos fundamentais, que são garantidos a todas as brasileiras e brasileiros, inclusive servidores públicos, concursados, temporários, contratados, terceirizados. “Qualquer tentativa de restringir esse direito dos servidores públicos se configura crime de abuso de autoridade conforme art. 3o da Lei 4898”, diz a nota.
“Somente as declarações do ministro já seriam motivos suficientes para ele até mesmo deixar de ser ministro da Saúde, uma vez que não defende os propósitos da pasta, nem do povo brasileiro. Diante desse cenário, só há uma alternativa ao povo brasileiro, aí inclusos os servidores públicos, trabalhadores da saúde e do próprio Ministério da Saúde: ampla resistência social. E é isso que tem sido feito”, enfatizou a nota.
Estudo realizado pela Comissão de Financiamento e Orçamento (Cofin) do CNS mostra que a PEC 241/2016, que estabelece teto de gastos para a saúde, levaria ao subfinanciamento na ordem de bilhões de reais do sistema. A preocupação é tão grande que essa PEC está sendo classificada como a morte do SUS, informa o Conselho Nacional de Saúde.
Outra proposta duramente criticada pelos conselheiros é a lei sancionada recentemente pelo presidente interino Michel Temer que autoriza a pulverização aérea com agrotóxicos em áreas urbanas. A falta de medicamentos para doenças crônicas, degenerativas e raras, além da falta de soros e vacinas na rede pública, também foram expostas.
No País, três sedes estaduais do ministério estão ocupadas (Florianópolis, Belo Horizonte e Bahia). O prédio da pasta no Rio de Janeiro também chegou a ser ocupado por 20 dias. Na semana passada, ativistas marcharam em frente ao Congresso Nacional em defesa do SUS, democracia e da seguridade social. Diversas manifestações em audiências públicas e reuniões também têm sido organizadas.