Os níveis de desmatamento no Brasil e no mundo continuam preocupantes. Só para se ter uma ideia, dados recentes do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), revelam que no acumulado de agosto de 2014 a julho de 2015, a Amazônia Legal perdeu 3.322 km² de florestas. Ou seja, registrou um aumento no desmatamento de 63% em relação ao mesmo ao período de 2013 a 2014, quando este atingiu 2.044 km². Mas nem tudo são ruínas. Enquanto uns queimam, outros se dedicam, pesquisam, usam a criatividade e propõem soluções inovadoras para o resgate da natureza devastada.
Esse é o caso do suíço Ernst Götsch, 67 anos, que vive no Brasil desde 1982, e que desde seus tempos de Suíça vem desenvolvendo um trabalho inspirador com sua agricultura sintrópica. O conceito, criado por ele, prevê uma produção agrícola que vise a harmonia com o meio ambiente.
Götsch elaborou ao longo da vida um conjunto de princípios e técnicas que integram produção de alimentos à dinâmica de regeneração natural de florestas, sempre levando em conta a complexidade dos sistemas. “O objetivo da agricultura sintrópica é produzirmos o que precisamos no dia-a-dia deixando um saldo positivo para o planeta – energeticamente, qualitativamente e quantitativamente. Não podemos agir como donos e sim como parte de um macroorganismo”, afirma o agricultor e pesquisador.
O resultado de seu trabalho ficou evidente na chamada Fazenda Fugitivos da Terra Seca, no sul da Bahia, onde Götsch se instalou em 1984. Ao chegar lá, na época, Götsch se deparou com uma área de 480 hectares de terras improdutivas, resultado de práticas agressivas de corte de madeira, cultivo de mandioca e criação de suínos.
Ao longo dos anos, desenvolveu um trabalho de recuperação dos solos degradados a partir do chamado sistemas agroflorestais sucessionais, baseado na observação da natureza, da compreensão dos mecanismos ecológicos fundamentais das florestas e da reprodução destes em ambientes degradados.
Com tal intervenção, o suíço não apenas alcançou alta produtividade em variedades vegetais, como reflorestou a propriedade, resultando no retorno de 14 nascentes e da fauna local. Hoje as terras são conhecidas como Fazenda Olhos d’Água.
“Ernst entendeu como funciona a floresta e coloca a produção de alimento pra funcionar na engrenagem do planeta. Esse é o trabalho para chegarmos num estado de abundância, de reestruturar as terras de cultura do Brasil”, afirma Juã Pereira, biólogo e agricultor, que tem implantado as técnicas em uma fazenda no Distrito Federal.
E vai mais longe: “O Brasil é terra de cultura de ponta a ponta. E em 50 anos conseguimos degradar tudo. Agora temos condição de fazer um trabalho efetivo e em 25 anos recuperar toda essa terra, produzindo 70, 80 toneladas por hectare por ano de alimentos.”
A lógica, de acordo com Pereira, é buscar ocupar os estratos da plantação. “Usar a sucessão vegetativa, com o espaçamento e a ocupação dos andares (de cultivo) no tempo. E aí a poda. A poda das arvores, a poda das bananeiras e a poda das fruteiras. Esse trabalho da poda, de trazer o material para baixo o tempo todo é o grande diferencial do trabalho do Ernst, que eu nunca vi por aí.”
Götsch explica em seu texto “Homem e Natureza, Cultura na Agricultura: “Observe o que a natureza faz, aprende com ela e tenta copia-la! Por exemplo, se tu queres cultivar feijão e milho, planta também a cana e umas laranjeiras, além de muitas outras espécies. Isto significa plantá-las todas juntas, ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Nesse consórcio de milho, feijão e outras espécies, cabe ainda, por exemplo, bananeiras, capim elefante, mandioca, inhame, pimenta malagueta, sapoti, leucena, mulungu, sapucaia, mangueira e ainda pimenta do reino nas árvores altas do futuro.”
“Cada espécie contribuirá para completar o consórcio e para que todas as outras prosperem melhor. Nenhuma delas cresce ou produz menos devido à presença das demais, pelo contrário, cada uma depende da outra para conseguir chegar ao estágio de desenvolvimento ótimo.”
Segundo Götsch, seu objetivo maior é mostrar que não existe terra ruim, mas interações inadequadas. “É claro, consigo mostrar melhor esse fato se pegarmos um lugar degradado. Fica mais fácil de compreender o potencial da terra”, explica. Tanto que seus princípios podem ser utilizados em diversos ecossistemas. “Amazônia, Cerrado, Altiplano Boliviano, Caatinga, eu vi qu e todos esses lugares podem ser um paraíso quando bem trabalhados”, diz.
Natural de Raperswilen, Turgóvia (nordeste da Suíça), Götsch nasceu numa família de agricultores. Autodidata, sempre nutriu interesse pelos fenômenos da natureza e pela filosofia. Entre 19 e 20 anos, trabalhou em Zurique numa livraria, resultado de seu interesse desde cedo pela leitura. Período esse em que continuou suas investigações no campo da agricultura. Aos 36 anos foi para o Brasil ao lado da primeira companheira e seus 5 filhos.
Atualmente, uma das missões do suíço é aplicar os princípios da agricultura sintrópica em grande escala. Para isso, está desenvolvendo um projeto/pesquisa em parceria com a Fazenda da Toca, localizada em Itirapina, a 200 quilômetros da capital de São Paulo. Voltada à produção orgânica e agroecológica, a
Fazenda da Toca abrange uma área de 2300 hectares (2.130 campos de futebol) e é comandada por Pedro Diniz, ex-piloto de Fórmula 1 e filho do empresário Abílio Diniz.
“Agora vamos traduzir os princípios que desenvolvi manualmente para áreas maiores, usando tecnologia e desenvolvendo tecnologia”, explica Götsch, que também tem dado cursos e assessoria por todo o Brasil. “O negócio é pensar grande, começar pequeno e agir rápido”, diz Pedro Diniz.
Em relação à Suíça, onde moram seus irmãos, o agricultor e pesquisador ainda tem um sonho. “Sou filho da terra. Sei apreciar as partes boas. O mundo inteiro pode ser um paraíso. Mas o lugar onde nasceu tem uma ressonância forte com o seu ‘hardware’. Claro que tenho aquele sonho de fazer meu último trabalho em minha terra. Mas lembrando sempre que o planeta é um só. O planeta é um paraíso.” Por Dalen Jacomino