Negros e brancos no Brasil vivem em realidades distintas no que se refere à violência. Em 2016, a taxa de homicídios de negros foi de 40,2 por 100 mil habitantes, duas vezes e meia maior à de não negros, que ficou em 16. Quando se analisa o período entre 2006 e 2016, enquanto a taxa de homicídios de negros aumentou 23,1%, a de brancos diminuiu 6,8%. Na prática, 71,5% dos brasileiros assassinados por ano são pretos ou pardos.
“É como se, em relação à violência letal, negros e não negros vivessem em países completamente distintos”, diz trecho do
Atlas da Violência 2018, lançado nesta terça-feira (5) no Rio de Janeiro, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
O estado de Alagoas é o exemplo perfeito da disparidade em que vivem negros e brancos no Brasil. Ao mesmo tempo em que teve a terceira maior taxa de homicídios de negros, com 69,7 por cem mil habitantes, Alagoas apresentou também a menor taxa de homicídios de não negros, com 4,1. Para os analistas do Atlas, “é como se os não negros alagoanos vivessem nos Estados Unidos, que em 2016 registrou uma taxa de 5,3 homicídios para cada 100 mil habitantes, e os negros alagoanos vivessem em El Salvador, cuja taxa de homicídios alcançou 60,1 por 100 mil habitantes em 2017”.
Além de Alagoas, outros seis estados registraram taxas de homicídios de brancos de apenas um dígito – exceção num país que, em 2016, teve a taxa de 30,3 homicídios para cada 100 mil habitantes. São eles: Paraíba (5,8), Piauí (7,0), Amapá (7,8), Ceará (8,3), São Paulo (9,1) e Espírito Santo (9,3).
Quando o recorte da pesquisa é por gênero, a desigualdade se mantém: a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71% superior à de mulheres não negras.
Apesar do abismo na exposição à violência entre brancos e negros em Alagoas, as maiores taxas de homicídios de negros, no Brasil, estão em outros dois estados nordestinos: Sergipe, com 79 por 100 mil; e Rio Grande do Norte, com 70,5. Em sentido oposto, as menores taxas de assassinatos de negros no país estão em Santa Catarina (22,4), Paraná (19) e São Paulo (13,5), os três estados do país com maior porcentagem de população branca,
segundo o IBGE. O Paraná, inclusive, é o único estado do Brasil onde a taxa de homicídio de brancos é superior à de negros: 30,6 por 100 mil habitantes e 19, respectivamente.
“A conclusão é que a desigualdade racial no Brasil se expressa de modo cristalino no que se refere à violência letal e às políticas de segurança. Os negros, especialmente os homens jovens negros, são o perfil mais frequente do homicídio no Brasil, sendo muito mais vulneráveis à violência do que os jovens não negros. Por sua vez, os negros são também as principais vítimas da ação letal das polícias e o perfil predominante da população prisional do Brasil. Para que possamos reduzir a violência letal no país, é necessário que esses dados sejam levados em consideração e alvo de profunda reflexão. É com base em evidências como essas que políticas eficientes de prevenção da violência devem ser desenhadas e focalizadas, garantindo o efetivo direito à vida e à segurança da população negra no Brasil”, destaca o Atlas da Violência.
Ao todo, o Brasil registrou em 2016 a marca histórica de 62.517 homicídios, de acordo com informações do Ministério da Saúde. Essa quantidade representa uma taxa de 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes – 30 vezes superior à taxa da Europa. De acordo com o estudo divulgado, 553 mil pessoas foram assassinadas no Brasil nos últimos 10 anos.
Juventude perdida
Outro dado alarmante do Atlas da Violência 2018, embora não seja novidade, pois já apareceu em anos anteriores, é o que trata da violência contra jovens. Neste recorte, os homicídios são a causa de 56,5% das mortes de homens entre 15 a 19 anos. Quando a faixa etária é ampliada para jovens de ambos os sexos entre 15 e 29 anos, a taxa de homicídio, em 2016, é de 142,7 por 100 mil habitantes.
“A juventude perdida trata-se de um problema de primeira importância no caminho do desenvolvimento social do país e que vem aumentando numa velocidade maior nos estados do Norte”, afirma o estudo.
No capítulo sobre a violência contra a mulher, o Atlas apresenta uma subseção sobre as vítimas de estupro no Brasil. E a revelação é chocante: 68% do casos de estupro registrados no sistema de saúde, se referem a menores de 18 anos, e quase um terço dos agressores de crianças de até 13 anos são amigos e conhecidos da vítima, enquanto outros 30% são familiares próximos, como país, mães, padrastos e irmãos.
“Quando o perpetrador era conhecido da vítima, 54,9% dos casos tratam-se de ações que já vinham acontecendo anteriormente e 78,5% dos casos ocorreram na própria residência”, aponta a pesquisa.