Apontada como modelo pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), a privatização da Previdência Social chilena, promovida pelo general Augusto Pinochet na década de 1980, continua vigente e cobrando um preço cada vez mais elevado. O colapso do sistema tem ganhado maior visibilidade nos últimos dias à medida que o arrocho no valor das pensões e aposentadorias se reflete no aumento do número de suicídios.
De acordo com o Estudo Estatísticas Vitais, do Ministério de Saúde e do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), entre 2010 e 2015, 936 adultos maiores de 70 anos tiraram sua própria vida no período. O levantamento aponta que os maiores de 80 anos apresentam as maiores taxas de suicídio – 17,7 por cada 100 mil habitantes – seguido pelos segmentos de 70 a 79 anos, com uma taxa de 15,4, contra uma taxa média nacional de 10,2. Conforme o Centro de Estudos de Velhice e Envelhecimento, são índices mórbidos, que crescem ano e ano, e refletem a “mais alta taxa de homicídios da América Latina”.
Uma das autoras da pesquisa ministerial, Ana Paula Vieira, acadêmica de Gerontologia da Universidade Católica e presidenta da Fundação Míranos, avalia que muitos dos casos visam simplesmente acabar com o sofrimento causado, “por não encontrar os recursos para lidar com o que está passando em sua vida”.
O fato é que à medida que a idade avança e os recursos para o acompanhamento e o tratamento médico vão sendo reduzidos pela própria irracionalidade do projeto neoliberal de capitalização da Seguridade, os idosos passam a se sentir cada vez mais como um fardo para os seus familiares e entes queridos.
Entre tantos casos, ganhou notoriedade recentemente o do casal Jorge Olivares Castro (84) e Elsa Ayala Castro (89) que, após 55 anos, decidiu “partir juntos” para “não seguir molestando mais”. A evolução do câncer de Elsa, conjugada a uma primeira etapa de demência senil, faria com que tivesse de ser internada numa casa de repouso. O marido calculou que poderiam pagar, mas somente se somassem ambas as aposentadorias e vendessem a casa. Sem qualquer perspectiva, Jorge e Elsa decidiram abreviar suas vidas com dois disparos.
Infelizmente, diz a psicogeriatra Daniela González, “enfermidades que geram uma impossibilidade de serem enfrentadas economicamente acabam colocando o tema do suicídio como uma saída honrosa”.
Como ficou comprovado, o desmantelamento do Estado serviu tão somente para beneficiar as corporações privadas que assaltaram o sistema público de pensões e aposentadorias chileno sob o pretexto que era deficitário, (até nisso os ladrões e a grande mídia tupiniquins demonstram a mais completa falta de criatividade), por outro de capitalização administrado pelo “mercado”. A “justificativa” era de que assim seria resolvido o problema fiscal e se abririam as portas ao crescimento econômico. Assim, foram montadas as Administradoras de Fundos de Pensão (AFP), instituições financeiras privadas encarregadas de administrar os fundos e poupanças de pensões. O rendimento destes fundos, com base nas flutuações do “mercado”, determina a quantidade de dinheiro que cada pessoa acumulará quando chegar o momento da aposentadoria.
Desta forma, com a capitalização para fins de aposentadoria integralmente bancada pelo trabalhador, milhões de pessoas foram obrigadas a entregar 10% de seus salários a arapucas especulativas, sem haver nenhuma contribuição dos empregadores, nem do Estado. “Houve crises financeiras nas que perdemos todas as economias depositadas ao longo da vida, porque ficamos sujeitos aos vaivéns do mercado”, explicou Carolina Espinoza, dirigente da Confederação de Funcionários de Saúde Municipal (Confusam) e porta-voz da Coordenação “No Más AFP”..
Atualmente, das seis AFPs que atuam no Chile, cinco são controladas por empresas financeiras multinacionais: Principal Financial Group (EUA); Prudential Financial (EUA); MetLife (EUA); BTG Pactual (Brasil) e Grupo Sura (Colômbia), que administram fundos de 10 milhões de filiados. No total, são mais de US$ 170 bilhões aplicados no mercado de capitais especulativos, nas bolsas de Londres e Frankfurt, para serem repassados sob a forma de empréstimos usurários aos próprios trabalhadores.
O resultado prático deste mecanismo, assinala a Fundação Sol, entidade que estuda as condições de trabalho no país, é que a pensão média recebida por 90% dos aposentados chilenos é de pouco mais de 60% do salário mínimo, cada vez mais insuficiente para os gastos de um idoso.
“Como sociedade não podemos permitir que pessoas que construíram com tanto esforço este país estejam passando seus últimos anos na tristeza”, declarou o doutor José Aravena, diretor da Sociedade de Geriatria e Gerontologia do Chile, para quem os suicídios deveriam fazer “soar o alerta para a reflexão sobre como se está envelhecendo no país”. “Para ninguém é justo viver os últimos anos de sua vida sentindo-se triste ou com vontade de não seguir vivendo”, acrescentou, apontando a “dependência e a depressão” entre os principais fatores do suicídio em idosos. Foto: BBC.