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Garimpo ilegal na Amazônia/Folhapress |
Sputnik Brasil-Recentemente, Polícia Federal (PF) confirmou que estrangeiros suspeitos de ligação com as antigas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) estão entrando em território brasileiro atraídos pelo garimpo ilegal de ouro nos rios da Amazônia.
De acordo com as investigações, os dissidentes estão extorquindo garimpeiros que atuam de forma clandestina nos rios da região e cobrando uma espécie de "pedágio" para poderem trabalhar.
Para compreender melhor esta situação, bem como as causas, os riscos e quais as possíveis medidas que o governo brasileiro pode tomar, a Sputnik Brasil conversou com o professor de Relações Internacionais Thomas Ferdinand Heye da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Instituto de Estudos Estratégicos, especialista em questões de Defesa e Segurança da América do Sul.
O especialista ressalta que o problema do garimpo ilegal na Amazônia não é um problema recente para o Brasil, já que nos anos 1980 houve fenômenos como o de Serra Pelada, além de "figuras sinistras como o major Curió". Nos anos 1990, o garimpo ilegal chegou a influenciar a política externa com os demais países da região, especificamente com a Venezuela, em função da utilização do mercúrio que contaminava os afluentes dos rios venezuelanos em território brasileiro.
Na época, as tensões entre os dois países fizeram com que o embaixador venezuelano no Brasil tivesse sido chamado de volta ao seu país, mostrando um profundo desagrado, o que resultou em tensão nas relações diplomáticas entre os dois países.
Contudo, segundo ele, a principal diferença é que o atual problema conta com a presença de ex-guerrilheiros das Farc.
Aqueles que não aderiram ao tratado de paz com o governo colombiano, não aceitaram deixar a guerrilha a se tornar um partido político, tornaram-se reais criminosos envolvidos com todos os tipos de listas nacionais.
"Eles não são mais guerrilheiros no sentido político do termo. Ou seja, eles ambicionavam mudar o poder político na Colômbia através do uso da força para implementar o socialismo. Não se trata mais disso, é justamente ao contrário. As Farc em 2016 foram transformadas em partido político. São esses que não aderiram ao tratado de paz com o governo colombiano, não aceitaram deixar a guerrilha se tornar um partido político", ressaltou.
"Em outras partes da Colômbia, por exemplo na fronteira com a Venezuela, estes atuais criminosos, ex-guerrilheiros, já estão mais ativos, mas em relação ao Brasil, é um fenômeno mais recente e que vem ganhando cada vez mais importância", afirmou.
Um dos desdobramentos visíveis disso é que agora "nós temos na região norte do país, assim como o Comando Vermelho no Rio de Janeiro e o PCC em São Paulo, facções criminosas" que também vão se envolver com todo tipo de atividades, como extração de madeira ilegal", disse.
De acordo com o professor, estes grupos são compostos por veteranos de combate na selva e não devem ser encarados como bandidos ou criminosos normais dos grandes centros urbanos do Brasil.
"São indivíduos que são extremamente bem preparados, bem treinados para fazer este tipo de serviços, e precisam ser encarados com poder de fogo semelhante", ressaltou.
Com relação à facilidade de acesso ao território brasileiro, o professor afirmou que a razão disso é que nenhum Estado ou poucos Estados conseguem controlar completamente suas fronteiras.
"Para dar um exemplo, basta pensar nos EUA, a maior potência do planeta, que tem fronteira simples com um único país, o México, não consegue controlar o fluxo migratório e isso para eles está sendo um problema. Mas a gente não está falando de guerrilheiros ou ex-guerrilheiros das Farc, com décadas de treinamento de combate, a gente está falando de pessoas em busca de qualidade de vida melhor. E nem esses a maior potência do mundo consegue impedir. Então seria muito difícil o Brasil conseguir impedir, vedar totalmente a fronteira da região norte do país ou de qualquer região do país", explicou.
Thomas Ferdinand Heye ressalta que isso não significa que o Brasil não tenha tomado uma série de iniciativas para proteger suas fronteiras na região norte e sul.
Para o professor, o Brasil até pouco tempo atrás possuía todos os meios possíveis e os recursos necessários para conseguir enfrentar esses ilícitos transnacionais de uma forma mais eficaz.
"É claro que no atual governo tivemos graves retrocessos, mas em termos gerais, temos os recursos necessários, ou podemos fomentar os recursos necessários para lidar com essas questões de uma maneira mais coordenada por parte do Estado brasileiro, sem ser uma atribuição única de uma agência ou instituição", explicou.
"Falta mais vontade política [...] É uma oportunidade para o Brasil ter uma posição de protagonismo na região. O que falta nesta equação é que não é somente um problema de segurança pública, a questão do garimpo ilegal, a presença de atores externos, a questão dos ex-guerrilheiros colombianos, mas a ausência de um modelo de desenvolvimento socioeconômico sustentável para a região, sem que seja predominante a série de medidas ilegais que são tomadas na região, principalmente o grave impacto no meio ambiente", afirmou o professor.
Essa é uma região com muitas preocupações estratégicas, principalmente envolvendo a invasão das terras indígenas, garimpo, desmatamento e pecuária, que estão presentes em todos os documentos de Defesa do país.
De acordo com o professor, o país vem fazendo uma série de iniciativas na esfera militar, como patrulhamentos na fronteira, aplicação do sistema integrado de proteção da Amazônia, que faz parte do sistema de vigilância da Amazônia.
"Nós temos grande capacidade de penetração, não somente no que se refere ao nosso espaço aéreo, mas também ao espaço aéreo dos países vizinhos, no que se refere a qualquer espécie de aeronave e que possa parecer suspeita que possa ter sua presença questionada", observou.
Segundo Thomas Ferdinand Heye, uma série de questões relativas à segurança, que são muito preocupantes, está emergindo na Amazônia.
Ao ser questionado como os dois países têm tentado resolver este problema na fronteira, o professor afirma que, caso o assunto seja tratado, não deverá ser de uma forma tão ostensiva, e recorda que em breve os líderes dos dois países devem se encontrar.
Com todos os países atentos e "palpitando" sobre a Amazônia, certamente é hora de o Brasil demonstrar seu poder e soberania para despachar não apenas os "curiosos e palpiteiros" como também os invasores.
Falando sobre o assunto, Thomas Ferdinand Heye cita que essa "vilanização" do Brasil, "mais especificamente do atual presidente" na comunidade internacional "é extremamente prejudicial" não apenas para a região amazônica, mas para o país como um todo.
"É importante assinalar politicamente para os demais países que, se o atual governo é um problema, o Brasil como Estado, é a solução. Ou seja, da mesma forma que tivemos um enorme retrocesso em questões relativas à proteção do meio ambiente e à promoção de qualquer espécie de desenvolvimento regional sustentável, isso não impede que no futuro o façamos", afirmou.
Thomas Ferdinand Heye cita que, ao se tratar de fronteiras, fala-se de dois atores, mas as áreas de fronteira são áreas extremamente vivas e diferentes dos estados restantes.
Nas cidades fronteiriças, é frequente ver os habitantes cruzarem as fronteiras por diversos motivos.
O professor recorda que o Brasil vem desenvolvendo no sul o sistema integrado de monitoramento de fronteiras, que é um esforço coordenado das Forças Armadas, justamente em fiscalizar esta faixa de fronteira junto com as demais forças.
Além disso, na região sul, a Força Aérea Brasileira recorre frequentemente à interceptação de aeronaves suspeitas, bem como a pelotões de fronteira no Extremo Norte, que "são indivíduos extremamente corajosos, solitários, mas que são a cara do estado do Brasil, nos lugares mais inóspitos e inacessíveis".
Ao ser questionado como os dois países têm tentado resolver este problema na fronteira, o professor afirma que, caso o assunto seja tratado, não deverá ser de uma forma tão ostensiva, e recorda que em breve os líderes dos dois países devem se encontrar.
"Sem dúvida nenhuma, a região carece de um ator que assuma o protagonismo na Amazônia, e esse ator naturalmente é o Brasil, não somente por deter a maior parte da Amazônia, mas também por ser o país com maior capacidade de recursos e ser capaz, justamente, de desenvolver as relações diplomáticas, políticas com os demais países vizinhos, em um esforço colaborativo entre os países da região para coibir a propagação destas atividades como o garimpo ilegal, desmatamento ou qualquer questão relativa", observou.
O professor ainda enfatiza que essa questão deve ser percebida nas atuais relações com as demais grandes potências globais.
"Eu me refiro especificamente aos EUA, China e alguns países da Europa Ocidental. Todos eles têm como prioridade nas suas respectivas agendas de segurança, a questão do meio ambiente, e todos eles estão voltados para a Amazônia", destacou.
Um dos pontos que vai ser discutido na COP26, que será realizado neste mês em Glasgow, será justamente a maneira como podemos financiar ou obter recursos para promover o desenvolvimento sustentável da região, contribuindo significativamente para a diminuição da ocorrência de atividades ilícitas, de maneira geral.
Contudo, infelizmente, tendo em conta as atitudes do atual governo em relação à questão ambiental, "provavelmente esta oportunidade será perdida", mas vai ficar na agenda para o próximo governo, ressalta o professor. Por Felipe Camargo e Luiza Ramos/Sputnik Brasil. Créditos: Sputnik Brasil