quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Fascismo renovado assume nova força na Itália

Simone Dei Stefano, com terno e gravata, encabeça uma manifestação anti-imigração.
O edifício, ocupado desde 2003, tem oito andares e o nome do movimento na fachada. No primeiro andar sempre há alguém de guarda controlando a câmera que aponta para a rua Esquilino, em um dos bairros com mais imigrantes em Roma. Cerca de 20 famílias sem recursos vivem em seus apartamentos. Há caixas de comida armazenadas para quem estiver passando necessidade. Apenas para italianos. No interior, há pôsteres do filósofo Julios Evola ou do ditador Benito Mussolini. Adesivos da JONS, Amanhecer Dourado e Casa Social. A chama do fascismo do terceiro milênio se acende, e o CasaPound cresce cada vez que a Itália vai às urnas. Crise econômica, queda demográfica e chegada maciça de imigrantes. A poucos meses das eleições, a legenda tenta chegar aos 3% necessários para entrar no Parlamento e condicionar as políticas de centro-direita.
O movimento, que virou partido político em 2009, baseia seu programa no direito à moradia (daí a tartaruga do seu logotipo e a ocupação sistemática de habitações vazias), o trabalho para todos os cidadãos e o rechaço à imigração e suas derivadas. CasaPound, com 99 sedes e 11 vereadores nos poderes municipais, constrói sua atualização do fascismo em cima das ruínas de uma classe média-baixa empobrecida: o mercado eleitoral mais rentável hoje em dia. Diferente de outros artefatos da extrema direita, como Forza Nuova ou Roma ai Romani, evita a moral católica e a homofobia. Uma flexibilidade que contribui para a sedução juvenil que lhe permitiu triplicar seus militantes (20.000) em 2017 e ter uma média de idade baixa. É o movimento europeu deste tipo que mais cresce.
Em uma tarde de quarta-feira, Simone Di Stefano - 41 anos, pai de dois filhos, designer gráfico, vice-presidente do movimento e candidato a primeiro-ministro - chega ao quartel general, depois de participar de uma manifestação contra um centro de acolhimento em Tiburtina. O protesto terminou em briga contra um grupo de antifascistas. Nenhuma novidade. Roma, cujo prefeito não tem contribuído para acalmar os ânimos com os despejos deste verão, assiste a esses acontecimentos há meses. Os vínculos da extrema direita com o mundo do futebol, cujos contextos misturam política e crime, foram evidentes durante anos. Mas não no CasaPound, sustenta Di Stefano, que intelectualiza ao máximo seu discurso. "Quantos eleitores podemos conseguir em um estádio? Queremos que nos apoiem os pais de família, falar com as senhoras idosas. Nosso princípio é o da justiça social, que o Estado ajude primeiro seus cidadãos. E, se sobrar, pode fazer o mesmo com o resto. Mas não é o caso", afirma, em uma das salas, cheias de retratos de revolucionários, onde realizam reuniões e convidam militantes de outras correntes para debater abertamente.
A última vitória foi em Lucca (90.000 habitantes), uma preciosa cidade da Toscana, governada pelo PD (Partido Democrático), onde tiveram 8% dos votos nas últimas eleições administrativas e são a terceira força política, à frente do Movimento 5 Estrelas - do qual buscam roubar eleitores. A chave, afirma seu candidato, Fabio Barsanti, é manter contato com a sociedade civil abandonada. Militante de direita radical desde os 16 anos, é conhecido da população e tenta sacudir o medo das pessoas com o fascismo. "Há mais gente que ama Mussolini do que parece. Mas há uma cultura dominante que levou adiante a retórica da resistência. De todo modo, quando falamos de fascismo, fazemos isso sem nostalgia. Tomamos algumas ideias como propriedade da casa, a justiça social ou a identidade nacional, e as atualizamos", diz, por telefone.
Roma e Milão, onde a campanha de assédio contra o prefeito Beppe Sala terminou com o reforço de sua segurança, são feudos de referência. O partido oferece um discurso menos liberal do que o dos xenófobos Fratelli di Italia e Liga Norte e critica sua timidez. Mas esses partidos, que já anunciaram que tentarão revogar a recente lei que proíbe a propaganda fascista, vivem condicionados por suas propostas. Assim que o fascismo tiver sido esquecido?
O historiador Filippo Focardi, autor do livro Il cattivo tedesco, bravo italiano (o alemão ruim e o bom italiano), acredita que existe, desde os anos 90, um processo de esvaziamento do conteúdo dessa memória. "O preocupante agora é que sua presença no Parlamento seria um retrocesso, depois que o Movimento Social Italiano (MSI) se transformou, nos anos 90, assumindo o nome de Alianza Nacional [partido pós-fascista formado por Gianfranco Finni] para acomodar todas essas formações".
Este renascimento fascista, no momento, faz parte do ruído do contexto político. Mas acompanha com sucesso iniciativas da direita como o veto à lei IUS Soli, que daria cidadania aos filhos de imigrantes nascidos no país. Sobrevivem junto ao CasaPound - com relações tensas entre eles - outras formações radicais e alguns resíduos da Alianza Nacional, como o ex-ministro de Saúde de Berlusconi, Francesco Storace, com seu Movimento Nacional pela Soberania.
O cientista político e professor da LUISS, Giovanni Orsina, afirma que o fascismo nunca foi embora da Itália, mas o atual terreno fomentou o seu auge. "A identidade nacional e racial voltam a ser importantes. Há uma crise demográfica europeia que, na Itália, é particularmente grave. Temos empregadores que dizem que os italianos vão embora porque aqui não tem trabalho. Os imigrantes chegam durante meses, 200.000 por ano. São publicadas todo tipo de crônicas sobre violações, insegurança... e o mais importante: não podemos esquecer que fomos nós que inventamos o fascismo". Agora, também, sua reformulação.Por .
Créditos: El País

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