quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Fiocruz testa droga contra febre amarela

As imensas filas formadas nos postos de vacinação são justificadas: a febre amarela mata. De acordo com estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), metade dos casos que chegam a fase tóxica terminam com a morte do paciente. Atualmente, não existe um tratamento para o combate ao vírus, apenas para amenizar os sintomas, mas um medicamento desenvolvido para a hepatite C pode virar esse jogo. Testes em laboratório com o sofosbuvir — comercializado pela farmacêutica Gilead com a marca Sovaldi — demonstraram eficácia contra o vírus da doença em células e camundongos. Por causa da epidemia, ele está sendo experimentado em humanos.
Os testes laboratoriais foram realizados pela equipe do pesquisador Thiago Moreno, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz. Os resultados ainda não foram publicados, mas, segundo Moreno, sua eficácia é consistente com a utilização farmacológica da droga. Com esse dado em mãos, hospitais e centros de pesquisa nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais deram início ao uso compassivo do medicamento em pacientes com febre amarela.
O uso compassivo acontece quando um medicamento é receitado para uma finalidade não aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No caso, o sofosbuvir tem indicação para o tratamento da hepatite C, não da febre amarela. Ele requer acordo prévio entre médicos, pacientes e a farmacêutica responsável, e é autorizado segundo critérios de gravidade e estágio da doença e do quadro clínico, ausência de alternativa terapêutica e avaliação da relação risco benefício do medicamento.
— Nós temos o seguinte cenário: uma doença sem tratamento, com alta taxa de mortalidade; e uma droga descrita para outro fim, mas considerada segura e com histórico de efeito comprovado estudos laboratoriais. Diante dessa equação, a saúde pública precisa se mobilizar e agir — explicou Moreno. — O medicamento está sendo utilizado em pacientes em estado grave, que em princípio não teriam outra oportunidade de tratamento.
A equipe de Moreno liderou outro estudo parecido, que demonstrou a atividade do sofosbuvir contra o vírus da zika. Os resultados foram divulgados mês passado na prestigiada “Scientific Reports”, publicação científica do grupo Nature. Uma outra pesquisa, realizada no Canadá, revelou a ação do medicamento contra o vírus da dengue. Essa ação compartilhada é explicada por uma questão familiar: o vírus da hepatite C pertence à família Flaviviridae, a mesma dos causadores da dengue, zika e febre amarela, entre outras doenças.
— Esses vírus compartilham alguns componentes muito similares, em particular a enzima RNA polimerase, a parte mais conservada dos membros dessa família — apontou Moreno. — O RNA polimerase do vírus da febre amarela tem identidade superior a 90% em relação aos vírus da zika e da dengue.
No estudo sobre a zika, Moreno e sua equipe notaram que o RNA polimerase é apenas 25% idêntico ao do vírus da hepatite C, mas 80% dos aminoácidos que interagem com a droga estão conservados. Essa enzima é responsável pela replicação dos vírus e alvo da ação do sofosbuvir. Dessa forma, o medicamento impede que o antígeno se multiplique, controlando a infecção.
Ainda é cedo para avaliar o uso clínico do sofosbuvir no tratamento da febre amarela, mas mesmo que os resultados sejam positivos, existe uma barreira para a aplicação em grande escala: o Sovaldi é um medicamento caro. Uma consulta on-line mostra que o pacote com 28 comprimidos custa entre R$ 61 mil e R$ 85 mil. Em março do ano passado, a Anvisa rejeitou pedido de patente apresentado pela Gilead, o primeiro passo para que o mercado seja aberto aos genéricos.
— O preço é o calcanhar de Aquiles para atender uma estratégia de saúde pública — comentou Moreno. — No meu entendimento, encontrar mais usos para essa droga pode favorecer a queda dos preços. O aumento da demanda pode gerar maior produção e criar uma pressão pela redução dos valores cobrados. Isso pode beneficiar até mesmo os pacientes com hepatite C.
Em busca de outras alternativas farmacológicas para o tratamento da doença, Lucio Freitas-Junior, pesquisador do Instituto Butantan e pesquisador colaborador do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, realizou ampla análise para identificar compostos já em uso comercial para outras doenças que sejam capazes de combater a febre amarela. Das 1.280 drogas rastreadas, 88 conseguiram reduzir a infecção em 50% ou mais. Agora, a equipe do pesquisador trabalha na otimização desses fármacos e busca parceiros na indústria farmacêutica brasileira.
— A febre amarela é urgente. Com essa estratégia nós estamos encurtando o tempo para colocar um medicamento no mercado — disse o pesquisador. — Normalmente, o processo de pesquisa de novos medicamentos leva entre 7 e 8 anos até os testes clínicos, nós encurtamos para 3 ou 4 anos, ou até menos.
Como última alternativa para salvar a vida dos pacientes, o estado de São Paulo realizou transplantes de fígado em sete pessoas que desenvolveram hepatite fulminante em decorrência da febre amarela, sendo que três vieram a óbito. No Hospital das Clínicas da USP foram realizados cinco procedimentos, com uma morte. No Hospital de Clínicas da Unicamp foram duas cirurgias e os dois pacientes faleceram. Um terceiro aguarda por um órgão compatível.
Durante a semana, o secretário de Estado da Saúde de São Paulo, David Uip, tornou públicas as duas estratégias adotadas de forma emergencial para o tratamento da doença.
— Isso é inusitado, é a primeira vez que se faz no mundo — disse Uip, sobre os transplantes. — Talvez estejamos diante de uma possibilidade de curar a hepatite fulminante causada pelo vírus da febre amarela
O último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, que contabiliza os casos entre 1º de julho do ano passado e 30 de janeiro, aponta 81 mortes por febre amarela, com 213 casos confirmados e 435 em investigação. (G1).
Créditos: WSCOM

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