Considerado na década de 90 como um exemplo de democracia na África, o Mali vive a pior crise política desde sua independência da França em 1960. Militares franceses lançaram na última sexta-feira (10) uma ofensiva para apoiar o exército do Mali na tentativa de impedir o avanço para o sul dos grupos armados islamitas, que controlam o norte do país há nove meses.
Nesta terça-feira (15), a França anunciou que irá triplicar para 2.500 o número de soldados no Mali para prosseguir as operações militares contra os rebeldes.
Conflito
Essa é a primeira vez, desde abril do ano passado, que os combates ocorrem na região central do país, segundo informou o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) por meio de comunicado, que classifica como “preocupante” a situação em todo o país e alerta para o agravamento da situação humanitéria no Mali.“Os recentes conflitos na região central do Mali entre o exército nacional e os grupos com base no norte ameaçam tornar as condições de vida ainda mais difíceis para uma população que já passa por extremas provações”, diz o informe.
O número de refugiados do conflito no Mali abrigados em países vizinhos é de aproximadamente 150 mil pessoas, indicou hoje o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur). Segundo o ACNUR, 54.100 estão na Mauritânia, 50.000 no Níger, 38.800 no Burkina Faso e 1.500 na Argélia
Instabilidade
A instabilidade no país, que veio à tona na última semana com o anúncio da intervenção francesa para combater grupos radiciais islâmicos, começou a apresentar sintomas em março de 2012, quando um golpe de estado derrubou o então presidente Amadou Toumani Touré (eleito em 2002 e reeleito em 2007), com a justificativa de combater o avanço do Movimento Nacional pela Liberação de Azawad (MNLA), grupo separatista islâmico da etnia Tuaregue.
O golpe ocorreu algumas semanas antes da realização de uma já anunciada eleição presidencial aberta. Na ocasião, França, Estados Unidos, e países do Oeste africano, declararam forte oposição ao movimento golpista e pediram a restauração do governo deposto. Em abril, a presidência do país foi entregue por Sanagogo ao civil Diouncounda Traoré.
Como resposta, alguns meses depois, em 27 de junho de 2012, grupos radicais islâmicos do norte do país, liderados pelo MNLA, tomaram o controle de três cidades que correspondem a dois terços do território malinense, e ameaçavam rumar para o Sul do país, quando a frança decidiu intervir militarmente.
Islamismo
A França combate três grupos islamistas que se juntaram aos rebeldes independentistas. A Al Qaeda do Magreb Islâmico (Aqmi), o Movimento pela Unidade do Jihad na África do Oeste (Mujao) e a Ansar Dine (Defensores do Islã) que participaram do controle das cidades de Kidali, Tombuctu e Gao, respectivamente.
Até agora, o executivo francês tem declarado que as operações militares desencadeadas no dia 10 visam impedir a investida dos islamitas para sul, cabendo ao exército do Mali reconquistar o norte do país com a ajuda de tropas de outras nações africanas.
O avanço dos islamitas é visto com receio pelas nações vizinhas, que temem que aquele país se torne um refúgio para extremistas da rede terrorista Al-Qaeda e grupos de criminosos, ameaçando toda a região.
Os primeiros soldados nigerianos de uma força de vários países africanos convocada pelas Nações Unidas deverão chegar ao Mali nas próximas 24 horas. Chade, Burkina Faso, Benim, Níger e Senegal estão entre os países da Comunidade Europeia de Estados da África Ocidental que se comprometeram a enviar meios humanos e materiais para a constituição desta força internacional.
Exemplo de democracia
Após sua independência da França em 1960, o Mali passou a ser governado por um partido único, substituído em 1968 por uma cúpula militar, que criou um novo regime, também de partido único, liderado pelo general Mussa Traoré. Em 1991, o Mali viveu uma revolução liderada pelo general Amadou Toumani Touré, que tirou do poder o regime de partido único.
Após liderar o golpe de Estado, Touré entregou o poder à sociedade civil, que elegeu o arqueólogo Alpha Oumar Konaré nas primeiras eleições livres do país desde a independência. Em 1991, na esteira do novo regime, chamado de Terceria República, nasceram dezenas de associações muçulmanas, em um anseio de maior liberdade de expressão política. O país foi então considerado um exemplo de democracia na África.
Em 1992, Touré negociou o Pacto Nacional de 11 de abril, que selou a paz com os rebeldes e uma década depois, em 2002 foi eleito presidente pela primeira vez.
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