Uma equipe internacional de 16 pesquisadores-incluindo o brasileiro Carlos D’Apolito Júnior, da UFMT (Universidade Federal do Mato Grosso)-, distribuídos por instituições de oito países, publicou a descoberta na atual edição da revista científica americana “Science Advances”.
Os dois “eventos de inundação” ocorreram na época geológica conhecida como Mioceno, que durou de 23 a 5,3 milhões de anos atrás. Essa época constitui o momento mais antigo do período geológico chamado Neogeno, que terminou há 2,5 milhões de anos, passando então para o atual período Quaternário. Cada época ou período é caracterizado por mudanças importantes na geologia, na fauna e na flora da Terra.
“Os novos resultados fornecem evidência indiscutível para um caminho marítimo a partir do norte, do Caribe, que atinge o coração da Amazônia. Houve teorias no passado que sugerem uma via marítima que segue todo o caminho para o Paraná, mas que é uma questão não resolvida com os dados atuais”, declarou à reportagem o coordenador da equipe Frank Wesselingh, do Centro de Biodiversidade Naturalis, de Leiden, Holanda.
“Nossas próprias indicações são de que uma travessia marítima completa na América do Sul no momento é improvável”, diz Wesserlingh; “mas agora sabemos com certeza que houve uma conexão com o Caribe”.
O brasileiro concorda. “As implicações do nosso estudo são várias. Por exemplo, os cientistas que estudam a evolução de flora e fauna da Amazônia podem comparar a diversificação de um determinado grupo de animais ou plantas com os eventos de inundação que descrevemos”, disse D’Apolito.
“Já são conhecidos vários grupos da fauna aquática que migraram e se adaptaram às águas continentais amazônicas a partir da ligação com o Caribe, como exemplo icônico temos o carismático boto”, acrescenta o brasileiro.
Hoje cerca de 80% da Amazônia é ocupada por florestas em terra firme e 20% por regiões inundáveis. A equipe, cujo principal pesquisador é Carlos Jaramillo, do Instituto Smithsonian de Pesquisas Tropicais, Panamá, examinou sedimentos em núcleos obtidos nas bacias de Llanos, Colômbia, e Amazonas/Solimões, Brasil.
“Nós oferecemos evidências fortes para um tópico muito debatido, que apoia as incursões marinhas”, disse Jaramillo à reportagem. Entre as provas estão os dados geoquímicos de sedimentos extraídos de núcleos profundos e não só de afloramentos superficiais, dados sísmicos, microfósseis e mesmo dois macrofósseis -um dente de tubarão e uma espécie de camarão.
Um total de 933 tipos de microfósseis (“palinomorfos”), ou 54.141 indivíduos, foram contados nos dois núcleos geológicos de Saltarin (Colômbia) e 105-AM (Brasil). O brasileiro Carlos D’Apolito Júnior obteve seu doutorado, no ano passado na Universidade de Birmingham, Reino Unido, justamente sobre a evolução antiga, durante o Mioceno, da paisagem da Amazônia ocidental na Formação Solimões.
“Fiz meu doutorado estudando o material que está sendo usado nesta publicação”, disse ele, que também é hoje bolsista de pós-doutorado do Instituto Smithsonian de Pesquisas Tropicais.
“Minha participação no trabalho começou em 2012 coletando os sedimentos de um núcleo de sondagem perfurado perto de Tabatinga, Amazonas, na região de fronteira com Colômbia e Peru”, diz o pesquisador brasileiro. Ele e um colega coletaram amostras de um poço de cerca de 400 m de profundidade.
“Meu interesse de pesquisa principal era saber a idade do poço e reconstruir seus ambientes deposicionais, além da vegetação. Para tanto utilizei a palinologia, que é o estudo e grãos de pólen, esporos de pteridófitas, entre outras estruturas microscópicas de carapaça orgânica que se fossilizam. Encontrei uma riqueza impressionante de pólens e esporos e eventualmente dinoflagelados, que são predominantemente marinhos”, afirma D’Apolito.
A evidência marinha fez o pesquisador analisar mais amostras; “comecei a encontrar mais e mais dinoflagelados. Bem, o resultado você já sabe -evidência direta e inquestionável de ambientes costeiros na Amazônia ocidental durante o Mioceno”.
O próximo passo foi comparar os resultados com o material colombiano que vinha sendo coletado pelo grupo de Jaramillo. “Vimos que tínhamos ali a comprovação de uma ideia antiga de que esses ambientes costeiros avançaram via Caribe durante o Mioceno”, declara o brasileiro.
O próximo passo foi comparar os resultados com o material colombiano que vinha sendo coletado pelo grupo de Jaramillo. “Vimos que tínhamos ali a comprovação de uma ideia antiga de que esses ambientes costeiros avançaram via Caribe durante o Mioceno”, declara o brasileiro.
“As evidências mostram que a Amazônia ocidental foi coberta por um oceano duas vezes durante o Mioceno; a última inundação aconteceu há 14 milhões de anos e durou cerca de 400.000 anos. Imagine toda a floresta substituída por um oceano! Isso quer dizer que o ecossistema amazônico moderno é relativamente jovem (ao contrário da visão tradicional de que é um ambiente muito antigo que dificilmente muda)”, afirmou Jaramillo, por e-mail.
A equipe descobriu que o ambiente que dominava a Amazônia entre o período de inundações era muito diferente do ambiente moderno. Eles descobriram um ambiente “marginal”, também chamado de “sistema Pebas”, um habitat que não tem um equivalente atual -uma zona úmida em escala continental com milhares de lagos e manchas de floresta.
“A maioria dos animais ou plantas que vivem na Amazônia hoje ou foram derivados deste ‘ambiente marginal’ nos últimos 10 milhões de anos ou migraram para a Amazônia moderna recentemente”, acrescenta Jaramillo.
Segundo seu colega Wesserlingh, os intervalos de inundações marinhas contribuíram para a diversidade de sedimentos e nutrientes nas formações Pebas e Solimões. Isso criaria diversidade local de tipos de solo e de plantas associadas.
Finalmente, a conexão marinha nos ajuda a entender a origem de alguns dos grupos marinhos na Amazônia, como peixes-agulha, botos e arraias”, diz o pesquisador da Holanda. Por Ricardo Bonalume Neto / Folhapress. Foto: Apolo 11.
Créditos: Em Tempo
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