terça-feira, 16 de maio de 2017

Judiciário do Brasil custa 1,3% do PIB

O Brasil gasta proporcionalmente mais que a Alemanha no custeio de seu Poder Judiciário. Enquanto o governo brasileiro gasta o equivalente a 1,3% de nosso Produto Interno Bruto (PIB) com este Poder, a Alemanha consome apenas 0,32%. Levando-se em conta outras instituições do sistema de Justiça - Ministério Público e Defensoria - a porcentagem nacional chega a 1,8% de toda a riqueza produzida no país. 

Os dados foram compilados por Luciana Zaffalon Leme Cardoso, advogada e pesquisadora do sistema de Justiça, em sua tese de doutorado, chamada “Uma Espiral Elitista de Afirmação Corporativista”. 

Mesmo quando comparado com outros países da América Latina, como Chile e Argentina, o volume de gastos brasileiro é superior. A discrepância pode ser verificada também no salário anual de ministros das Cortes Constitucionais. Enquanto os alemães ganham 73.679 euros, os brasileiros recebem 126.138,61 euros (em valores convertidos).
A diferença se repete em relação ao Ministério Público. No Brasil, emprega-se o equivalente à 0,32% do PIB. Na Alemanha, 0,02%.


Em entrevista ao Brasil de Fato, Zaffalon explica que o protagonismo, inclusive o orçamentário, destas instituições começa a crescer na América Latina a partir do final da década de 1980, no momento de redemocratização.
No caso específico do Brasil, tal processo se consolida com a Constituição de 1988. A dinâmica de “reformas constitucionais de ampliação de direitos”, entretanto, foi contraditório.
“Enquanto nós acreditamos no discurso do avanço da garantia de direitos, existe um receituário neoliberal que, na prática, significa a criação de elites jurídicas, que mais servem como blindagens de determinados interesses do que, de fato, para garantir a ampliação de direitos”, diz.
Segundo ela, este protagonismo do sistema de Justiça causou disfunções na política a partir do “isolamento das disputas democráticas dentro dos tribunais, sem transparência e controle social”, resultando em uma  “democracia vivenciada dentro de gabinetes”.
“Há vinte ou trinta anos, a gente nem sabia os nomes dos ministros do Supremo Tribunal Federal [STF]. Aquilo que era tido como o ‘Poder menos perigoso’ se transforma num grande poder no interior da democracia, que retira os debates do espaço público, da rua”, resume.

Poder

Como as instituições do sistema de Justiça conseguiram essa posição política e a conquista de altos salários – aliados a benefícios que muitas vezes ultrapassam o teto Constitucional de vencimentos no setor público? De acordo com Zaffalon, a partir de seu próprio funcionamento:
“As negociações, tanto com o Legislativo quanto com o Executivo, para suplementação orçamentária, se pautam sobretudo por benefícios corporativos, não só salários. Existe uma disputa em que as instituições de Justiça têm poder de direcionar a decisão política por um determinado caminho”.
Ela cita dois exemplos do estado de São Paulo, seu foco de pesquisa. No Ministério Público, por exemplo, há um relacionamento direto e uma espécie de troca de posições entre os dois poderes.
“Quando se olha o histórico, se percebe que este é o sétimo secretário de Segurança Pública oriundo do Ministério Público [em São Paulo]. O governo traz para dentro de seus quadros aquele que deveria fazer a fiscalização, levando a instituição a deixar de fazer o controle externo”, pontua. Ou seja, em detrimento de seus objetivos estabelecidos em lei, a Promotoria passa a cooperar com o Executivo.
Em outro caso envolvendo o Judiciário, ela cita a utilização de um dispositivo que permite a presidentes de Tribunais de Justiça a suspensão dos efeitos de decisões judiciais de primeira instância quando estas envolverem algum órgão público.
“Eu fiz um levantamento dos dois últimos presidentes do Tribunal de Justiça de São Paulo. Em todos os casos em que o governador pediu suspensão de decisão relacionada a contratos e licitações, ele foi atendido. O governo só foi vencido em casos em que o ele tentava suspender decisões que garantiam salários acima do teto constitucional”, menciona.
Esse mecanismo também se manifesta em casos sobre direitos de pessoas em privação de liberdade, como a criação de unidades médicas em presídios. O pedido do governador de suspender decisões que garantia direitos a presos só não foi atendido em um processo, relata a pesquisadora.
A justificativa é que seriam necessárias suplementações orçamentárias para custear os direitos de presidiários. Em São Paulo, curiosamente, 21% dos valores de suplementação orçamentária são destinados, em média, para o Tribunal de Justiça.

Resultados

O preço do sistema de Justiça brasileiro tampouco gera um eficiência na resolução de disputas judiciais. É o que aponta Maria Eugenia Trombini, advogada e integrante da Articulação Justiça e Direitos Humanos.
“O sistema é ineficiente por conta do números de processos que entram para apreciação dos magistrados. É um custo bastante alto que não garante o acesso à Justiça da maior parte da população”, diz. “Na verdade, quem mais demanda a Justiça é o próprio Estado e as companhias áreas, de telefonia e os bancos, que são os maiores litigantes”, defende Trombini.

Gastos com eventos

Na relação entre Judiciário e empresas, Trombini identifica um fenômeno que chama de “captura corporativa”, que “reforça as assimetrias já existentes nas relações que são levadas ao Judiciário”.
“O que se vê são muitos eventos de luxo sendo patrocinados por empresas. Um dos últimos, de Direito Minerário, foi patrocinado pela Vale e aconteceu em Minas Gerais. As grandes interessadas na tutela do Judiciário financiam de forma indireta. E isso certamente repercute na tomada de decisão”, critica, lembrando do papel desempenhado pela mineradora na tragédia de Mariana, no interior do estado.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu resolução em 2013 limitando patrocínio de eventos promovidos por escolas oficiais de magistrados a 30% do valor total. Associações de classe, entretanto, protocolaram Mandado de Segurança contestando a legalidade da decisão, suspendendo até o momento sua aplicação.
Trombini postula que a discussão em torno do sistema de Justiça seja assumida pelos movimentos populares e propõe alterações em seu funcionamento, como mudanças nos processo de recrutamento, com implementação de cotas raciais, e de promoção, garantindo a permanência e a evolução na carreira de mulheres.
“Um primeiro passo é desmistificar a ideia de que a Justiça é um poder isento. É necessário um trabalho de formação para que a sociedade exerça mais controle democrático sobre essas instituições", avalia.
A partir das críticas feitas pelos entrevistados, a reportagem enviou questionamentos à Associação dos Magistrados Brasileiros, à Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e ao Ministério Público do Estado de São Paulo, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição. Por Rafael Tatemoto/Brasil de Fato. Edição:Camila Rodrigues da Silva.
Créditos: Brasil de Fato

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