Uma delegação brasileira chefiada pela ministra dos Direitos Humanos Luislinda Valois apresentou pela manhã, durante a Revisão Periódica Universal (RPU) realizada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU a cada quatro anos, um balanço do setor no país no período. E até setembro próximo o Brasil deve informar quais das recomendações feitas nesta sexta pelas Nações Unidas aceitará. Essa é a terceira avaliação do órgão sobre o Brasil, as outras duas foram realizadas em abril de 2008 e maio de 2012.
A RPU também fez recomendações de garantias de não discriminação e combate à violência contra mulheres e público LGBTI e sobre a ratificação de tratados internacionais, como o Tratado de Comércio de Armas e a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros das suas Famílias.
Na última RPU, em 2012, das 170 recomendações que o Brasil recebeu, 159 foram acatadas integralmente, dez parcialmente e uma, relacionada à descriminalização do aborto, foi rejeitada.
No documento apresentado nesta sexta à ONU, o governo brasileiro disse que cumpriu 60% do combinado há quase cinco anos. E citou os programas "Minha Casa Minha Vida" e o "Criança Feliz", lançado no ano passado, bem como políticas voltadas para pessoas com deficiência e de combate à tortura.
Entretanto, para organizações de direitos humanos que participaram do encontro e contribuíram para a revisão da ONU, o percentual do país está próximo de zero. Para a Anistia Internacional (AI), uma das entidades que elaboraram relatórios por ocasião do evento, as autoridades brasileiras não apenas foram omissas, como também foram “agentes do agravamento” das violações de direitos humanos no país.
A assessora da AI Renata Neder, que acompanhou a RPU em Genebra, disse que o modelo de segurança pública brasileiro é um dos principais fatores para a escalada de violações de direitos humanos no país.
“Temos quase 60 mil homicídios por ano no Brasil e não há um plano nacional de redução desse índice. As políticas de segurança não são voltadas para a proteção da vida, mas para a guerra as drogas. Isso se materializa em uma polícia militarizada que entra sucessiva e violentamente nas áreas periféricas, matando milhares de pessoas. Vários direitos estão sob ataque do próprio Estado. É preciso mudança de foco”, disse a assessora.
Ela alertou que apenas a sociedade brasileira pode pressionar o Estado a implementar as recomendações. "Os compromissos assumidos pelo Brasil não podem ficar apenas no papel, como aconteceu majoritariamente com os compromissos assumidos no último ciclo em 2012. O processo de sua implementação deve ser monitorado com ampla participação da sociedade civil", disse.
Os Estados membros da ONU voltaram a recomendar que a população indígena seja previamente consultada em decisões e projetos que afetem seus direitos e que tenham garantidas a demarcação de suas terras ancestrais e proteção contra ataques e todas as formas de violência. Embora acatado em 2012, esse compromisso tem ocorrido de forma lenta e os conflitos têm se intensificado, de acordo com relatos de organizações que trabalham com a causa indígena. Na semana passada, pelo menos 13 índios da etnia gamela foram feridos por homens armados com facões e armas de fogo no Maranhão. Dois deles tiveram as mãos decepadas e cinco foram baleados.
Agilizar o processo de demarcação e transferência das terras pertencentes a comunidades indígenas contribuiria para diminuir essa violência, segundo o documento das ONGs que participaram do encontro. Elas denunciaram propostas de mudança na legislação que podem prejudicar os direitos indígenas. Dentre elas a Proposta de Emenda à Constituição 215, que transfere do Poder Executivo para o Legislativo a palavra final sobre a demarcação de terras indígenas; a PEC 187/2016, que permite atividades agropecuárias em territórios indígenas; e os Projetos de Lei (PL)1.610/1996, que trata da exploração de recursos minerais em terras das comunidades, e PL 3.729/2004, que regulamenta o impacto ambiental de obras que degradam o meio ambiente.
A violência rural também foi um tema abordado no encontro. Em 2016, a Comissão Pastoral da Terra registrou mais de 60 mortes, 200 ameaças e 74 tentativas de assassinatos relacionadas a conflitos por terra e recursos naturais. Estes números são o segundo pior em 25 anos, depois de 2013, quando 73 pessoas foram mortas. Apenas este ano já foram registradas 19 mortes por conflitos de terra no país.
“O conflito por terra existe porque a demarcação de terras indígenas e de quilombolas é extremamente lenta. Essas comunidades são alvo de ataques de homens armados contratados por fazendeiros”, destaca Renata. “Apesar de toda a provisão legal que garante a demarcação dessas terras, nas últimas décadas pouco foi implementado. E a impunidade dos crimes cometidos, alimenta esse ciclo de violência”, falou.
O Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos foi estabelecido em 2004 no Brasil, mas dezenas de defensores do setor foram mortos ou ameaçados no contexto dos conflitos sobre terras e recursos naturais no ano passado. Como o programa foi estabelecido apenas por decreto, não tem suporte legal. De acordo com a ONG Justiça Global, em 2016 dezenas de defensores foram assassinados no país.
O GT da ONU recomendou que o governo se empenhe em investigar e responsabilizar ataques e que fortaleça o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos com aprovação do marco legal e alocação de recursos financeiros para sua implementação. O governo brasileiro reconhece, por meio do relatório, que o programa, responsável por 349 casos, enfrenta desafios, em especial quanto a profissionais de comunicação, lideranças rurais, indígenas, quilombolas e ambientalistas.
Na última revisão da ONU, o governo brasileiro aceitou recomendações para tomar medidas contra as execuções extrajudiciais cometidas pelas forças de segurança. Também se comprometeu a garantir que todos os homicídios cometidos por agentes da lei fossem devidamente registrados e investigados de forma independente. Quase cinco anos depois, a RPU deste ano recomendou garantia de treinamento adequado para as forças de segurança para uso proporcional da força, a investigação e responsabilização dos abusos cometidos pelas forças de segurança e aprovação do Projeto de Lei 4477/2012 sobre homicídios praticados pela polícia. O aumento de mortes ocasionadas por intervenções policiais também foi destaque nos relatórios enviados à ONU pela sociedade civil organizada.
Somente no Rio de Janeiro, pelo menos 182 pessoas foram mortas em operações policiais em favelas apenas em janeiro e fevereiro deste ano, um aumento de 78% de acordo com o mesmo período do ano anterior, segundo dados oficiais. Entre 2006 e 2015, 8 mil pessoas foram mortas por policiais em serviço. Em 2015, a polícia fluminense foi responsável por uma em cada cinco mortes, e em São Paulo, uma em cada quatro. Quase 100% das vítimas eram homens, 79% eram negros e 75% tinham entre 15 e 29 anos.
Os Estados presentes na RPU recomendaram que o Brasil garanta condições dignas, redução de pessoas em prisão provisória, e ampliação de audiências de custódia. No início de fevereiro, pelo menos 60 presos que cumpriam pena em Manaus (AM), foram mortos durante uma rebelião. De acordo com a AI esse exemplo é emblemático da tortura, violência endêmica, superlotação e condições degradantes existente nas prisões do Brasil. Uma pessoa presa provisoriamente no país fica em média um ano e três dias encarcerado antes de ir a julgamento, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Na reunião, o governo informou que pretende diminuir a população carcerária em 10% até 2019. O balanço do governo brasileiro apresentado à ONU focou nos avanços sociais ocorridos por meio de políticas públicas de combate ao racismo, à xenofobia, à intolerância religiosa, de promoção e proteção dos direitos humanos de migrantes e refugiados, e das pessoas com deficiência. Com 66 páginas, o relatório apresenta uma série de medidas e avanços entre 2012 e 2016.
O relatório oficial do Brasil também cita como exemplo de sucesso as ações de combate ao trabalho escravo e cita que mais de 6 mil trabalhadores em condições análogas à de escravidão foram resgatados no período da revisão pelas autoridades competentes. Medidas como o seguro-desemprego, o acesso a programas de transferência de renda, a promoção da alfabetização e iniciativas de treinamento também são mencionados como medidas tomadas em benefício das vítimas.
Créditos: Agencia Brasil
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