domingo, 4 de setembro de 2016

Deterioração da economia foi articulada para causar impeachment, afirma Dilma

Dois dias depois de perder o mandato, Dilma Rousseff disse que foi “estranhíssima” a dupla votação no Senado, com resultados diferentes. Ao conceder entrevista a correspondentes internacionais, a ex-presidente afirmou que os senadores que se diziam indecisos sobre a votação do impeachment foram pressionados pelo governo Michel Temer (PMDB) a mudar seus votos.
Na primeira votação, sobre o impeachment, 61 senadores votaram a favor e 20 contra. Já na que decidiria se Dilma ficaria inabilitada de exercer um cargo público por oito anos, 42 senadores foram favoráveis, 36 contrários e houve uma abstenção. Para perder os direitos políticos era preciso que 54 parlamentares tivessem votado a favor.
Para a ex-presidente, votar de formas diferentes nas duas consultas “é no mínimo estranho”. “Em Minas, a gente ficaria desconfiado. Somos um povo muito desconfiado, nós, os mineiros”, brincou Dilma. “Nem sempre a estrada dos votos é de ferro, reta. Ela é muito tortuosa”, afirmou em entrevista em Brasília, transmitida pela página da petista no Facebook. 
 Ela disse que considera “gravíssimo” o que aconteceu no país nos últimos dias de agosto, com uma intensa articulação política de Temer e seus aliados para garantir os votos pelo impeachment, e lamentou o resultado. Ao mesmo tempo, afirmou que o processo foi “desnudado” e repetiu por diversas vezes que sofreu um golpe.
“Sei que tinha muitos senadores indecisos, desconfiados que esse processo não era o que pintava, mas sei que o governo interino fez uma imensa pressão noticiada, pelos jornais”, disse na entrevista. “Apesar de todo o viés da mídia do meu país, ela não conseguiu ocultar o fato de que havia imensas pressões partindo do governo interino sobre os respectivos senadores das bancadas mais variadas. O segundo voto é o daqueles que não consideram que de fato cabia uma punição. É interessante essa consideração, de que não cabe uma punição”, comentou. “São senadores que estavam indecisos, que sofreram pressões, mas que votaram no sentido de que eu não teria a inabilitação dos meus direitos políticos por oito anos”, afirmou aos correspondentes de veículos internacionais.
Ao lado do ex-ministro José Eduardo Cardozo, Dilma afirmou que o impeachment sem crime de responsabilidade é de uma “imensa fragilidade jurídica”.
A ex-presidente ironizou as críticas feitas por Temer contra o uso do termo “golpe” e repetiu: “Estamos diante de um golpe, golpe parlamentar, mas golpe”. “No Brasil há uma grande inconformidade dos golpistas com a palavra golpe. Essa inconformidade decorre do fato de que se tenta, de todas as maneiras, evitar que fique claro, que fique evidente o caráter desse processo”.
Em seguida, citou a gravação feita no âmbito da Operação Lava-Jato que mostra uma conversa do ex-senador Sergio Machado (PMDB) com o senador Romero Jucá (PMDB-RR), na qual combinam a derrubada do governo para “estancar a sangria” das investigações antes de eles serem atingidos pelas denúncias de corrupção.
Motivo
Para Dilma, a deterioração da economia brasileira foi articulada por seus opositores para criar um ambiente propício à aprovação de seu impeachment. Ela citou o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) como um dos responsáveis por aprofundar os problemas na economia para derrubá-la.
A ex-presidente afirmou que Cunha foi articulador de seu impeachment e disse que houve uma deliberada tentativa de seus aliados de desestabilizar seu governo com as pautas-bomba no Congresso, que aumentavam as despesas. “Além de não aprovar o que mandávamos, eles ampliavam os gastos. Chegou a ter R$ 130 bilhões em estoque em pauta-bomba no Congresso. E em 2016 a Câmara parou”, reclamou.
Segundo Dilma, “deteriora-se a situação econômica para que isso sirva de caldo de expansão do vírus do impeachment”. A petista afirmou que houve uma “criminalização da política fiscal” no Brasil. “O que se tinha como problema logo no início de 2015 era fácil de ser corrigido. Se não tivessem aprofundado a crise como cuidaram de aprofundar, para criar esse ambiente de impeachment, o Brasil já teria saído da crise”, declarou a ex-presidente.
Cunha
Na avaliação da petista, Cunha não pode ser absolvido das denúncias de envolvimento em corrupção. Dilma desmentiu a tese de que a preservação de seus direitos políticos, garantida em votação no Senado, teria sido negociada para poupar o deputado de punições. “Não, não mesmo, essa não”, disse.
Polícia externa
A ex-presidente criticou duramente a política externa do governo Michel Temer, comandada pelo ministro de Relações Exteriores, José Serra (PSDB). Para ela, é uma “lamentável politicazinha imperialista”. Dilma disse ser ridículo “achar que se pode criar um padrão ideológico”. 
Janaína Pachoal
Dilma Rousseff também criticou a advogada Janaina Paschoal, coautora do pedido de impeachment da petista, e afirmou que não a respeita. A ex-presidente rebateu as afirmações feitas pela advogada no Senado, que chegou a chorar durante a defesa do impedimento, e disse que seus netos viverão em um país melhor e “não será por causa da doutora Janaina”. “Para os meus netos, ora, eu quero um país democrático, cheio de oportunidades."
A advogada disse, no Senado, que causou sofrimento à ex-presidente e, ao pedir desculpas, afirmou que defendia o impeachment “pensando nos netos” da petista.
“O comportamento da doutora é o de uma pessoa cujas convicções não se parecem com as minhas nem do ponto de vista político, nem do ponto de vista cultural, nem do ponto de vista humano. Não respeito uma pessoa capaz de falar o que ela falou”, afirmou Dilma. 
Durante a entrevista à imprensa internacional, em Brasília, a ex-presidente disse que é preciso respeito às manifestações populares e criticou a forte repressão policial que tem marcado os atos contrários ao impeachment, como em São Paulo. Ela citou o caso da estudante Deborah Fabri, que perdeu a visão do olho esquerdo ao ser atingida por um estilhaço de uma bomba lançada pela Polícia Militar em protesto na quarta-feira.
“Sei como começa e como termina [a repressão]. O pessoal vai pra rua, começa a repressão e fura o olho de uma menina. Depois matam alguém como Edson Luiz. Eu sou a jovem daquela época”, disse, reclamando em seguida que a culpa da violência é sempre atribuída aos manifestantes. “Isso é algo que o pessoal de minha geração não pode deixar, não pode compactuar. A força do Estado é muito maior do que a força das pessoas. O terrorismo de Estado é gravíssimo. O Estado não pode fazer isso, principalmente porque vivemos numa democracia”, disse. 
“Não é possível que não se possa falar o que se quer. Quando começa a ter medo das palavras, inicia processo repressivo, arbitrário e autoritário. Temer as palavras leva a isso. Nós jamais tivemos medo das palavras. Eu prefiro a voz surda das ruas do que o silêncio das ditaduras porque o silencio da ditadura”, disse.
Dois dias depois de perder o cargo, a ex-presidente afirmou que a democracia foi julgada junto com ela. “Infelizmente, nós perdemos. Espero que nós todos juntos saibamos reconstrui-la e que ao longo desse processo sejamos capazes de ter clareza daquilo que nunca mais pode acontecer. Somos uma democracia jovem”, ressaltou.
Créditos: Valor Econômico

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