domingo, 4 de março de 2018

O risco financeiro na conjuntura internacional

A economia internacional atravessa uma recuperação moderada – com uma leve melhoria do crescimento nos países centrais tomados de conjunto – que tem os melhores resultados registrados nos anos pós Lehman, mas insuficiente para superar o estancamento reinante desde 2008/9.
Além da propaganda centrada naturalmente no primeiro aspecto, os organismos internacionais como o FMI ou a OCDE, não podem evitar reconhecer o segundo. Segundo a OCDE, a dinâmica atual global alcançaria seu ponto máximo em 2018, para em seguida voltar a declinar. Enquanto que de acordo com o FMI, o crescimento promédio das economias avançadas voltaria a retroceder rapidamente no próximo ano.
A contradição relativa que declara uma recuperação um pouco mais vigorosa assentada sobre fundamentos que permanecem fracos, abre espaço a duas discussões intimamente entrelaçadas. A primeira se refere aos problemas de tipo estrutural, que afetam não só a curto, mas também a médio e longo prazo, ou dita de outra forma, afeta o destino da economia capitalista. Esta discussão é abordada num artigo recente do Esquerda Diário.
Nesse artigo ressaltamos o elemento particularmente novo em termos estratégicos, que os organismos internacionais estejam “perdendo a esperança” no médio/longo prazo, relacionando este assunto com o lugar das “reformas”, da previdência, trabalhista no que se poderia definir como uma sorte de “neoliberalismo senil”. A segunda discussão mais apontada é a que desenvolveremos aqui e se refere ao estado das tensões financeiras que se acumulam na conjuntura.
Tal com vem acontecendo ao longo dos quase dez anos pós Lehman – seguindo a norma das décadas neoliberais – a economia continua se assentando em um crescimento exuberante dos mercados financeiros. Como declara o economista/financista argentino José Siaba Serrate, o mercado altista começou em 2009 e a partir daí a bolsa – de Wall Street – multiplicou por quatro as cotizações.
Michael Roberts agrega que as empresas do índice S&P 500 compraram 3,5 bilhões de dólares de suas próprias ações entre 2010 e 2016, o que representa quase 50% a mais que na expansão anterior. Mas o específico dos anos pós crise 2008/9 não é só a velocidade do crescimento dos ativos financeiros, mas também que esse aceleramento goza de uma base particularmente débil na “economia real” que não consegue recuperar os níveis de crescimento pré crise. Tratamos deste assunto em diversas oportunidades através da abordagem crítica da tese do “Estancamento secular”.
As velocidades contraditórias que caracterizam o ritmo de crescimento da economia, por um lado, e dos ativos financeiros, por outro, acrescentam persistentemente o risco de estouro. Se trata de um elemento que está alcançando protagonismo em uma conjuntura assinada por uma série de particularidades. Por um lado, o crescimento da bolsa tomou especial impulso depois do ascenso de Trump no poder, dando lugar ao chamado “Trump rally” que abordamos em ocasiões anteriores. Por outro lado, ainda que exista uma melhoria na performance das principais variáveis estruturais da economia global – como a inversão, a produtividade ou o comércio internacional – o progresso resulta demasiado débil, motivo pelo qual prossegue a dinâmica de velocidades contrastantes. Por último, o ascenso prolongado dos mercados de valores que roça máximos históricos, faz pensar que cedo ou tarde vai se produzir o que os financistas chamam de uma “correção”. Vejamos alguns dados.
Segundo o FMI, o valor das ações continua seu ascenso e está próximo de máximos históricos. De acordo com a OCDE, os riscos financeiros também se incrementam nas economias avançadas, com o longo período de baixas taxas de juros muito baixos para os empréstimos e um aumento da dívida nos setores empresarial e familiar. Agrega que os riscos tendem a ser muito mais graves hoje há uma década, devido não somente à projeção de balances inflados dos bancos centrais, mas também à sobrevalorização dos ativos (os ditos do FMI, a OCDE e Stephan Roach estão extraídos do artigo de Michael Roberts, Previsões econômicas para 2018: a tendência e os ciclos).
De sua parte, Roberts aponta que os mercados de valores se encontram extremadamente sobreavaliados pelo menos em relação à tendência histórica. E agrega que “A relação preço-lucros ciclicamente ajustada (CAPE) de 31,3 é atualmente ao redor de 15% mais alta do que era a meados de 2007, antes de estalar a crise das suprime. Aponta que de fato o índice CAPE só foi mais alto do que atualmente duas vezes em seus 135 anos de história – em 1929 e em 2000”.
Um executivo argentino de banca privada aponta que nas bolsas vemos hoje uma euforia absoluta e em particular, nas norte-americanas. Euforia que se estende aos mercados emergentes que estão no máximo há 10 anos e ao Japão que alcança níveis não vistos desde 1991. Agrega que a China está voltando aos valores de 2015, que o índice Bovespa brasileiro alcança máximos históricos e que na Argentina o Merval parece não ter teto. Por outro lado – e como declara a fonte mencionada – a baixa volatilidade reinante acompanha os máximos da bolsa. Neste sentido agrega que o indicador que mede o sentimento altista nos inversores se encontra em 64,4% e o dos baixistas em 13,3 sendo que a última vez que registrou uma situação similar foi em 1987, quando se produziu o crack da bolsa dos Estados Unidos. Cabe agregar que nos últimos dias, Wall Street acumula quedas moderadas – o que se considera por agora uma “tomada de lucros” – que está repercutindo no Merval (principal Mercado de Valores de Buenos Aires, Argentina).
Siaba Serrate também declara que a Bolsa de Wall Street cotiza em máximos depois de alcançar uma catarata de recordes em 2017. Agrega que se antes da presidência de Trump o “bull Market” (mercado altista) nunca tinha passado o umbral de 17 vezes os lucros projetados do ano seguinte, hoje se aproxima a um múltiplo de 18. Serrate afirma que a última “correção” de Wall Street verificou uma queda de 14% e se produziu em 2016. E que desde então o crescimento registrado dos valores resultou 45%, enquanto que a maior queda de Wall Street – que ocorreu em 2017 – foi de apenas 3%. Pelo que, segundo Serrate, “uma oscilação baixista não deveria surpreender a ninguém”. A ótica financeira de Serrate é tranquilizadora, apelando à “fortaleza dos fundamentos”, a “robustez da economia global”, o enorme cuidado de Trump de não provocar uma decaída em temas que resultam sensíveis ao rumo da bolsa ou o prognóstico de crescimento em lucros em território norte-americano pela rebaixa impositiva. Ainda que admita que “o aumento das cotizações foi ainda mais vibrante que o avanço dos fundamentos” e que – pelo menos por agora – Trump a tem complicada, e segundo Serrate haveria “um espaço mais que folgado para acomodar uma correção sem colocar a tendência de fundo em causa”.
O assunto é que as possíveis derivações de uma “correção” não podem se desvincular nem da profundidade dos fatores estruturais nem das condições da “política”
Por um lado, é certo que as condições da bolsa se parecem muito com as do momento prévio à “correção” de 2016. Já a meados de 2015 a proporção entre o valor das ações e o PIB se encontrava nos Estados Unidos em 123% comparado com uma média de 68% durante os longos 65 anos prévios. Esse valor maior que o de 2007 só tinha sido superado pela bolha das ponto.com no ano 2000. Pelo qual se considerava – já em 2015, recordamos – que era necessária uma queda da bolsa de 50% para então assim retornar à elevada média histórica. 
Também o índice CAPE ao que faz referência Roberts, se encontrava em 27% naquele momento e já se falava de que seu valor só tinha sido superado no ano 2000 ou no crack de 1929. Também as bolsas de Shangai e Shenzhen se encontravam em 2015 com valores que se direcionavam aos atuais, quando em agosto se produziu um desabamento que sacudiu os mercados internacionais. Tanto o episódio das bolsas chinesas como a forte “correção” de Wall Street em 2016 foram absorvidos e não se tornaram em nada parecido a um Lehman Brothers. 
Também é certo que na atualidade e além das múltiplas discussões sobre os efeitos da rebaixa impositiva de Trump que beneficia no essencial a 1% da população norte-americana mais rica, os lucros depois de impostos vão se incrementar. Isso poderia reforçar a estabilidade da rentabilidade que segundo Roberts, se verificou em 2017 depois do descenso em 2014/16. Por outra parte, não cabem demasiadas dúvidas de que Trump fará todo o possível para não desagradar a Wall Street devido que uma derrubada financeira sem controle guardaria uma altíssima probabilidade de se transformar no fim de seu mandato.
Entretanto, as condições estruturais dizem que a debilidade é profunda e que o capital carece por agora de uma “nova empresa” que fortaleça os “fundamentos” a níveis qualitativos. Enquanto isso, o incremento dos ativos financeiros continua se separando aceleradamente da produção de riqueza efetiva (ou da “economia real”) e isso cria persistentemente as condições para uma nova catástrofe – a evolução disparatada da oscilante bolha do Bitcoin é sintoma disso. É duvidosa ainda a magnitude de capital que poderia virar em direção aos Estados Unidos depois da reforma fiscal e, em todo caso, o mais provável é que essas massas de dinheiro incentivem uma nova bolha e agreguem pressões sobre a economia mundial. 
Inclusive se resulta altamente provável que o novo presidente da Fed continue a linha conservadora de Yellen, as tentativas de “normalizar” as taxas e a injeção de dinheiro – uma tendência internacional – em uma situação “anormal” que arrasta sérios riscos. Mais ainda quando o dinheiro barato estimulado desde as políticas de Estado, representa um pilar chave de uma recuperação que permanece débil.
Por último, a economia pensada por fora da política carece de entidade. Uma “correção” da bolsa ou uma soma delas finalmente absorvidas pela economia sem maiores descalabros, resultam sempre prováveis. Mas não podem pensar as derivações de uma situação tal no antigo cenário de 2015 ou 2016. Agora Donald Trump habita a Casa Branca, Theresa May comanda os vaivéns do Brexit, uma debilitada Ángela Merkel, a duras penas, consegue gestar as condições para seu quarto mandato, a agitação independentista na Catalunha continua e Macrón tenta com extrema dificuldade devir o garantidor da unidade europeia. Enquanto isso a China continua na corrida como fator ameaçador e crescem as tensões militares globais. Como declaramos em diversas oportunidades, as consequências políticas derivadas de um crescimento econômico particularmente débil, estão chamadas a repercutir cedo ou tarde sobre a própria economia.
Mas ainda que nenhuma grave ruína ocorresse – pelo menos no imediato – o elemento mais novo seria que os organismos internacionais estão perdendo o último que se perde e isso sucede casualmente quando a economia mundial mostra sua melhor performance desde a queda de Lehman. Mas disto falamos extensamente em "Um diagnóstico para a economia mundial e o contrário do reformismo" Por Paula Bach
Créditos: Esqerda Diário

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