sábado, 3 de março de 2018

Trauma raro no pescoço causa AVC

Um homem de 28 anos, saudável, acostumado a fazer longos percursos em trilhas com uma mochila nas costas, é internado por apresentar sintomas de Acidente Vascular Cerebral (AVC). A ocorrência, incomum para uma pessoa dessa idade, levou os médicos do Hospital Universitário (HU) da USP a realizar uma exaustiva investigação para determinar sua causa. O estudo concluiu que a artéria carótida, que leva o sangue ao cérebro, sofreu um traumatismo repetitivo gerado pelo osso hioide, existente no pescoço. 

O trauma prejudicou o fluxo sanguíneo para o cérebro e levou ao AVC.
O caso é descrito na revista eletrônica Autopsy and Case Reports (A&CR), publicada pelo HU. “Um ano antes, o mesmo paciente havia apresentado quadro clínico semelhante nas mesmas condições, ou seja, carregando mochila em uma trilha”, conta o médico Fernando Peixoto Ferraz de Campos, da Divisão de Clínica Médica do HU, um dos autores do artigo.
“Naquela oportunidade a paralisia foi revertida, o exame de ressonância nuclear magnética do cérebro não identificou nada de anormal e o paciente retomou sua rotina”, afirma Campos. “No entanto, ele voltaria a ser internado, apresentando um quadro semelhante, porém desta vez constatou-se o AVC, tanto pelo exame clínico como por exames de imagem.” Segundo o médico, o AVC é mais frequentemente encontrado em pessoas de idade mais avançada, sendo incomum em um jovem de 28 anos, o que levou à decisão de realizar uma investigação minuciosa para elucidar sua causa.
“A investigação descobriu que ‘o corno maior’, ou seja, a extremidade posterior do osso hioide, osso do pescoço em forma de U que dá sustentação à laringe, apresentava íntimo contato e traumatizava a artéria carótida interna, uma das artérias que levam o sangue para a cabeça, o que não é normal”, relata Campos. “Se essa extremidade for grande e traumatizar repetidamente a carótida, a artéria sofre uma lesão, afetando o fluxo de sangue e propiciando a formação de coágulos, que ao se desprenderem vão obstruir as artérias cerebrais, causando o AVC.”
O paciente foi submetido à cirurgia. O exame de um fragmento da carótida retirado durante a operação mostrou que o trauma lesou as camadas da artéria e proporcionou a formação de placas de ateroma (depósito de gordura e tecido fibroso na parece do vaso) e a formação de trombo, um coágulo de sangue organizado e aderido à parede da artéria no local da lesão.
Uma pesquisa na literatura médica encontrou relatos de outras situações de risco para traumas sobre a carótida causados pelo osso hioide. “No esporte, por exemplo, este evento já foi descrito com um jogador de golfe, que ocorre quando o jogador dá uma tacada e gira o pescoço junto com o corpo”, afirma Campos. “Também foi reportado o caso de um pedreiro que apresentou a lesão vascular, causada pelo fato de carregar peso sobre a cabeça.”
Os autores constataram que o paciente estudado possuía o corno maior do osso hioide mais desenvolvido à direita e, pelo fato dos dois episódios terem ocorrido em situações semelhantes, postulou-se que a mochila pesada, carregada nas costas, levava o tronco para trás. “Para manter o centro de gravidade do corpo, o paciente puxava o pescoço para a frente, o que proporcionava maior contato entre a extremidade do osso hioide e a carótida”, conta o médico.
O tratamento do paciente consistiu na remoção cirúrgica do “corno maior” do osso hioide e na retirada do segmento lesado da artéria carótida, substituída por um enxerto feito com veia safena (extraída da perna). “O controle do paciente, realizado durante seis meses, demostra que ele tem uma vida normal”, destaca Campos. “A publicação deste estudo de caso tem o consentimento informado do paciente, bem como a aprovação do comitê de ética médica do HU, de acordo com a política internacional dos editores de revistas médicas (ICMJE).”
Editada pelo HU, a revista eletrônica A&CR começou a ser publicada em 2010. “A intenção sempre foi e será a valorização da autópsia, um exame que tem apresentado progressiva desvalorização na comunidade médica mundial”, afirma o professor. “Além disso, a correlação anátomo-clínica e radiológica estimulada pelos artigos demostra que o periódico médico é um importante recurso didático dentro do ambiente universitário.”
Campos destaca que o HU possui um Serviço de Patologia onde autópsias são realizadas de forma acadêmica. “Elas são um material didático-científico muito rico, que serve como produto para reuniões de correlação anátomo-clínica compartilhada com outras universidades brasileiras e de Portugal através de videoconferência.” Editada trimestralmente, a publicação conta com textos em inglês, sendo indexada em bases de dados nos Estados Unidos. A revista pode ser consultada no site www.autopsyandcasereports.org e o artigo está disponível disponível neste linkFoto: cedida pelo pesquisador
Créditos: Jornal da USP

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