terça-feira, 3 de novembro de 2015

Vaticano prende dois conselheiros por vazamento de documentos

O novo escândalo que eclodiu nesta segunda-feira no Vaticano, com a prisão do padre espanhol Lucio Anjo Vallejo Balda, acusado de divulgar documentos confidenciais, marca o início de uma semana turbulenta na Santa Sé. O caso, que lembra os vazamentos aos quais se atribui o fim do pontificado de Bento XVI, em 2013, acontece a poucos dias da publicação de dois livros que prometem jogar no altar polêmicas antigas e inéditas sobre os bastidores da Igreja Católica. O episódio também acontece pouco depois de notícias de invasão a computadores oficiais ganharem repercussão na mídia italiana.
Balda, de 54 anos, foi detido no fim de semana, juntamente com a especialista em comunicação e mídias sociais italiana Francesca Chaouqui, de 33 anos. Ela era conhecida por seus tuítes polêmicos e pela amizade com um dos jornalistas que revelaram os documentos do escândalo “Vatileaks” em 2012.
Ambos faziam parte da Comissão de Estudo sobre a Organização das Estruturas Econômicas Administrativas da Santa Sé (Cosea), criada em 2013 pelo Papa Francisco para revisar as finanças da Santa Sé. O grupo foi extinto este ano, após concluir o seu trabalho.
Balda e Francesca foram levados sob custódia pela polícia do Vaticano para prestar esclarecimentos, mas ela foi liberada no domingo, depois de concordar em cooperar com a investigação, realizada com o aval do Papa.
A divulgação de notícias e documentos confidenciais é considerada um crime desde julho de 2013, depois do vazamento de uma série de documentos, incluindo material pessoal pertencente ao então Papa Bento XVI, que foram publicados no best-seller “Sua Santidade”, de Gianluigi Nuzzi. O jornalista italiano recebeu a papelada do mordomo pessoal do Pontífice, Paolo Gabriele, que foi julgado e condenado em outubro de 2012 a 18 meses de prisão. Dois meses depois, ele foi perdoado pelo líder da Igreja.
Nuzzi é, mais uma vez, o autor de uma das obras que prometem alimentar as polêmicas do Vaticano esta semana. Seu novo livro, “Via Crucis”, será lançado em vários países na quinta-feira. Segundo o material de divulgação, o jornalista mostrará bastidores das lutas travadas por Francisco e seus assessores mais próximos para realizar uma reforma na Igreja. O autor disse que o conteúdo foi produzido com base em documentos inéditos e gravações de reuniões privadas feitas por integrantes da Cúria.
A obra sugere ainda que as finanças do Vaticano estavam tão caóticas que Bento XVI não teve outra escolha a não ser renunciar. O jornalista também promete revelar o “veneno daqueles que querem sabotar a vigorosa revolução conduzida pelo Papa”.
O segundo livro, “Avareza”, do jornalista italiano Emiliano Fittipaldi, da revista “L’Espresso”, também será lançado na quinta-feira. A publicação abordará diversos escândalos, alguns deles financeiros, que ocorreram dentro do Vaticano. Em entrevistas nesta segunda-feira, o autor antecipou que as duas pessoas presas pelo Vaticano não eram suas fontes.
Ao se pronunciar sobre as detenções do fim de semana, o Vaticano também se posicionou sobre os próximos livros. Segundo a entidade, os títulos são fruto de uma “traição”. A Santa Sé também informou que os escritórios de advocacia do Vaticano já estão avaliando as medidas legais cabíveis.
“Como aconteceu no passado, os livros que serão publicados nos próximos dias são o resultado de uma traição grave da confiança do Papa e, no que diz respeito aos escritores, de uma operação para obter benefícios de um ato ilícito de entrega de documentos confidenciais”, diz o texto. “Publicações deste tipo não servem de modo algum para esclarecer ou obter a verdade, mas para criar confusão e dar interpretações parciais e tendenciosas”.
Com as detenções e a iminência dos dois livros, a sombra do caso “Vatileaks” voltou a pairar sobre o Vaticano. A imprensa italiana também repercute um roubo de dados que teria ocorrido no computador do controlador-geral das finanças do Vaticano, o italiano Libero Milone, em seu escritório, localizado perto da Praça de São Pedro.
Milone foi nomeado pelo Papa no dia 5 de junho para a Reforma das Finanças e é responsável pela auditoria das contas de todas as administrações do Vaticano. Segundo o jornal “Corriere della Sera”, o auditor apresentou na última sexta-feira uma denúncia por violação de dados informáticos. De acordo com o periódico, foram roubados documentos sobre as revisões contábeis e sobre a reorganização em curso dos dicastérios, os ministérios vaticanos.
PAPA IMUNE A ATAQUES
Professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, Maria Clara Bingemer destaca que a reforma promovida pelo Papa Francisco já repercutiu nas finanças do Vaticano. No entanto, os métodos adotados para atingir os bons resultados foram mal recebidos por uma ala influente da Igreja.
— O Vaticano conseguiu superávit pela primeira vez em muitos anos — ressalta. — Para isso, Francisco sentou em cima do caixa. Cortou luxos, como o sustento de casas milionárias do alto clero. E algumas pessoas não ficaram felizes com estas medidas.
A prisão de Balda e Francesca é uma consequência do segundo vazamento em menos de dois meses a atingir o pontificado de Francisco. O primeiro foi uma carta assinada por 13 membros da cúpula da Igreja, que criticaram a reforma para acelerar a anulação de casamentos religiosos.
— É bom conhecer a identidade dos opositores da Igreja e ver seu fracasso na tentativa de desestabilizar medidas contra os escândalos financeiros e a pedofilia — avalia Maria Clara. — Estas polêmicas derrubaram Bento XVI porque ele tinha perfil de intelectual, não de um chefe de Estado. O Papa Francisco tem estofo e aliados. Estes vazamentos podem abalar sua saúde, mas não sua coragem.
O bispo João Carlos Petrini também compara a falta de vigor de Bento XVI com a disposição de Francisco para enfrentar as polêmicas que cercam o Vaticano. Para ele, os novos livros e vazamentos não afetarão a credibilidade do Papa ou da Igreja:
— Em todo lugar há estes jogos de poder. É natural que o Papa enfrente uma resistência, já que resolveu renovar a administração de instituições como o Banco do Vaticano. Acredito que ele continuará neste caminho, e assim enfrentará mais oposição.
O padre Denilson Geraldo, professor da Faculdade de Teologia da PUC-SP, também assegura que a imagem de Francisco não será manchada pelos novos ataques ao Vaticano, especialmente devido à dificuldade para conseguir provas de irregularidades em seu pontificado.
— O Papa é muito transparente e aberto ao diálogo. Um vazamento realizado por duas pessoas não deve mudar isso nem abalar o trabalho da comissão financeira — descarta. — Os livros, por sua vez, terão desde o início a sua credibilidade questionada.
Créditos: Correio do povo

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