quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Sem unidade, esquerda corre risco de 'perder trem da história'

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Falta unidade às forças progressistas no Congresso para enfrentar as pautas conservadoras e a liderança do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), às voltas com as denúncias de manter contas na Suíça com dinheiro de propinas recebidas de contratos de empresas com a Petrobras. Para o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, erros históricos da esquerda na atual legislatura podem fazer com que o campo progressista perca o trem da história e seja atropelado pela direita nas próximas eleições.
Nos últimos anos, a legislação eleitoral permitiu que o dinheiro tomasse conta das eleições, mas isso é apenas parte do problema. “O mais dramático decorre dos partidos de esquerda e centro-esquerda”, diz Toninho, lembrando que o PT fez alianças em Pernambuco, por exemplo, com a centro-direita e que se tivesse saído sozinho, teria eleito três (deputados), mas na aliança não elegeu nenhum. “Aqui em Brasília, se tivesse saído sozinho elegia dois, mas na coligação elegeu um cara da extrema-direita. Então, essa lógica dos partidos de quererem fazer aliança para ter mais recursos do fundo partidário contribuiu para distorcer a representação, favorecendo os conservadores.”
O analista político também diz que as alianças não têm coerência do ponto de vista ideológico. Um desdobramento dessa situação, afora o fato de que no dia a dia a imprensa se empenha em criminalizar a política e criticar o fisiologismo que se impôs na reforma ministerial, é que o governo vem recebendo ataques da sua própria base de apoio. Na semana passada, o relator-geral do orçamento da União para o próximo ano, Ricardo Barros (PP), despontou na imprensa anunciando a ideia de corte de R$ 10 bilhões do Bolsa Família, entre outras medidas, nada mais, nada menos do que 30% do orçamento do programa para o próximo ano, de R$ 28,8 bilhões. “Isso é um absurdo completo sobre um programa social estrutural do governo. Isso significa que não há coerência nenhuma nessa vontade da base”, avalia Toninho.
“O que vocês não sabem, muito provavelmente, é que ele (Barros) é vice-líder do governo, pelo PP; então, nós temos um vice-líder que opera contra o governo. Quando você tem uma presidente cuja popularidade está em um dígito de aprovação, as piranhas veem sangue na água”, afirmou na quinta-feira (22) o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), em debate da Frente Brasil Popular, em São Paulo., Na ocasião, Chinaglia  admitiu que sua bancada não está empenhada em enfrentar o presidente da Câmara por medo do processo de impeachment. “Nós escolhemos não bater no Cunha para não dar o pretexto a ele de, digamos, em um momento ruim, usar o poder que ainda tem no caso do impeachment, esse é o jogo.”
E se engana quem acha que a base do governo está fechada com as propostas que surgem no Palácio do Planalto. “O problema é que essa base é heterogênea, tem muita gente de direita e esses caras entraram para o governo para implementar sua própria agenda e não para aderir à do governo. As forças à esquerda no espectro político não estão percebendo isso no interior do governo e não vão para o enfrentamento. E fica nessa coisa de compor e viver fazendo concessões, o que não faz o menor sentido”, critica o diretor do Diap.
“Com certeza, na próxima eleição, mesmo que a extrema esquerda cresça, como o Psol, ela virá bem menor do que hoje, não tenha dúvida disso”, diz Toninho, lembrando que a atual legislatura já piorou em relação à anterior. “Sem dúvida, houve um avanço no sentido de explorar essa campanha moralista, justiceira, de associar a esquerda à corrupção, houve uma série de movimentos que foram determinantes para a alteração dessa composição. A bancada sindical, comprometida com os trabalhadores, caiu na Câmara de 91 integrantes para 51. Direitos humanos também caiu uma barbaridade, trabalhadores rurais, defensores do meio ambiente, todas as forças à esquerda na política perderem espaço para o poder econômico e para a agenda conservadora.”
O próprio Chinaglia, falando à plateia paulistana sobre os erros do PT nos últimos anos no governo, confessou que está com pouca paciência para o Planalto. Ao comparar os escândalos da Petrobras e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que estão respectivamente “precificados” em R$ 6 bilhões e R$ 19 bilhões, o deputado disse que não entende por que o governo não se mexe frente ao órgão da Receita Federal que só tem servido para aliviar os ricos de tributos.
“O Joaquim Levy (ministro da Fazenda) foi à Câmara, e eu perguntei, perdendo a paciência: por que o governo não acaba com o Carf, para que serve o Carf?”, afirmou Chinaglia, destacando que o Carf é “uma síntese cruel do Brasil para quem deve para o Estado brasileiro: dívida velha não se paga e nova você deixa envelhecer. Se o cara sabe que tem o Carf, por que que vai pagar?”, criticou.
Enquanto o governo fica na paralisia, a Operação Zelotes, que investiga as falcatruas no Carf – tendo como suspeitas grandes empresa de diversos setores –, depois de meses de ostracismo ganhou os holofotes da imprensa conta de ação da Polícia Federal na empresa do filho do ex-presidente Lula, Luís Cláudio Lula da Silva, que não tem relação direta com o Carf, muito menos com a Zelotes, mas apenas prestou serviço a uma das empresas investigadas, a Marcondes e Mautoni.
A operação espetaculosa joga uma cortina de fumaça na real questão, que permite ao Carf ser o antro de falcatruas, ou seja, uma conselho em que os empresários participam para defender seus próprios interesses, algo que pode ser comparado à convocação do vampiro para tomar conta do banco de sangue.
Hoje, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), relator de uma subcomissão da Câmara que acompanha a Zelotes desde o início, criticou a "manipulação da imprensa" na cobertura da operação deflagrada para investigar grupos econômicos que teriam pagado propina a agentes públicos para abater dívidas com a Receita. Pimenta disse que a Rede Globo "mentiu descaradamente" e foi "criminosa" ao informar que a Zelotes seria uma operação para investigar compra e venda de Medidas Provisórias para o setor automobilístico.
Para o diretor do Diap, a representação do setor empresarial do Carf não deveria existir. "Tem o sujeito que é advogado, e que está advogando para a empresa e ao mesmo tempo é conselheiro, isso é brincadeira. Não faz sentido isso. O Carf é necessário, ele pode ser uma espécie de tribunal administrativo, mas ele não pode ter uma composição em primeiro lugar paritária entre governo e representantes do empresariado. Se tivesse o trabalhador também, tudo bem, seria tripartite, mas não é. E o setor empresarial pode advogar, quer dizer, é um completo absurdo", afirma.

Projetos do retrocesso

Enquanto isso, alerta Toninho, a oposição, continua apostando no quanto pior melhor. O senador José Serra (PSDB-SP), que vinha atacando a lei de partilha do pré-sal para derrubar a soberania da Petrobras, agora quer engessar o orçamento público e perpetuar a austeridade na economia.
E seu companheiro de partido, Aloysio Nunes, como relator do Projeto de Lei da Câmara (PLC 101), sob o argumento de que é preciso dar clareza a artigo da Constituição que classifica o terrorismo como crime inafiançável e insuscetível de anistia, tenta criminalizar os movimentos sociais. “A proposta representa um grande retrocesso para os direitos de participação política no Brasil, porque deixará nas mãos de delegados e promotores o filtro para dizer se tal conduta é ou não de movimento social”, afirma manifesto contra a lei, assinado por mais de 80 entidades do movimento social.
O próprio presidente da Câmara se empenha nos projetos reacionários, enquanto experimenta o silêncio da base do governo em torno de suas falcatruas. Um deles é o Projeto de Lei 7.382, de sua própria autoria, voltado ao "combate à heterofobia". O projeto prevê pena de reclusão de um a três anos por atos de discriminação contra heterossexuais, algo que tem sido interpretado pelo campo progressista como “provocação”, porque poderá contribuir ainda mais para aumentar a discriminação contra a população LGBT.
Ou ainda o Projeto de Lei 5069/2013, que cria dificuldades para mulheres vítimas de estupro serem submetidas legalmente a um aborto, cuja aprovação representa um retrocesso que deixou desoladas as forças progressistas.
Créditos: Rede Brasil Atual

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