O contêiner jorra a água como se fosse um chafariz. Ele não está ligado a nenhuma fonte ou poço artesiano, mas a um gerador de energia elétrica. Na verdade, esta máquina suíça produz o precioso líquido a partir do nada, aparentemente. A matéria prima é invisível, gratuita e existe em abundância: trata-se do ar que se respira nos quatro cantos do planeta.
A transformação física ocorre sem a ajuda de nenhuma química. A magia atende pelo nome de condensação térmica do vapor d’água em suspensão, um princípio elementar. Depois se recolhem e purificam as gotas, aos milhares de metros cúbicos. O ciclo se encerra na distribuição da água tratada para quem precisa e, sendo o caso, na aplicação em diferentes campos, da indústria à agricultura, passando pelo setor da construção civil e da hotelaria. Virtualmente, ela foi apresentada num dos dias mais quentes e úmidos do mês de agosto, no Pavilhão da Suíça, na Expo de Milão, quando as filas dos bebedouros eram quilométricas. Uma condição atmosférica ideal para a fabricação da água pelo contêiner “mágico”.
Pena que ele não pôde ser transportado até ali, por razões burocráticas e logísticas. Ao final da apresentação audiovisual, fica a certeza de que a empresa Seas não descobriu a pólvora mas acelerou o processo do rastilho, não inventou a água quente mas criou uma nascente inesgotável, abriu uma mina de ouro azul, não nos ventres das montanhas alpinas mas nas entranhas tecnológicas de um contêiner localizado em qualquer parte do planeta, calotas polares a parte.
O equipamento reproduz uma etapa do ciclo da água através da refrigeração e do aquecimento. Ele aspira e lança o ar do meio ambiente numa superfície fria interna, depois de passar em filtros sofisticados como os de uma sala operatória. A diferença de temperatura, sempre abaixo a do ambiente externo, varia até chegar ao ponto de precipitação. E quando ali dentro chove, cho-ve.
É como se a máquina reproduzisse uma nuvem e a “espremesse” para tirar quase toda a água concentrada em forma de vapor. Assim, como se torce um pano encharcado dentro de um balde.
Depois ela passa por diferentes e patenteados filtros tecnológicos. Finalmente, estará pronta para ser servida ou usada, dentro de um reservatório especial- que inclui um “banho” de radiação ultravioleta de um micro biorreator, ainda equipado com sensores que controlam e mantém estáveis os parâmetros químicos de qualidade da água. Os dados são enviados em tempo real, à distância, via satélite para a empresa, na Suíça.
“Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, já anunciava o cientista francês Antoine Lavoiser (1743-1794). As diferenças de temperatura provocam fenômenos interessantes e quase descontados, de tão normais. Comuns a todos são o sereno de noite, quando o teto dos carros se cobre de uma sutil película de água, as gotículas de orvalho sobre as plantas ao amanhecer. Para não citar a chuva propriamente dita, quando o céu se tinge de nuvens escuras, densas de água e descarrega um temporal sobre a terra ou o mar.
A geringonça suíça absorve o ar e recria as condições atmosféricas ideais para a extração da água. Ao final do processo, dependendo do uso, ela pode ser potável, destilada, ou mineral.
O clima ideal para o seu funcionamento ocorre quando a temperatura beira os 30 graus Celsius e a umidade relativa do ar é de 70%. Nesse ambiente, em 1 metro cúbico de ar flutuam 21,9 gramas de vapor d’ água e, deste total, 60% vão virar água de beber dentro do contêiner, capaz de produzir 2.500 litros, por dia. Mas, dependendo do modelo, esta quantidade pode chegar aos 10 mil litros, ou mais. A partir de condições extremas de temperatura e umidade, as soluções existem mas devem ser personalizadas.
“A máquina foi projetada para este padrão climático porque ele cobre a faixa onde estão os países com maiores problemas de falta de chuvas e necessidade de água, como as nações do norte da África, na América Central e parte da América do Sul”, revela para swissinfo.ch o engenheiro e diretor geral da Seas, Rinaldo Bravo. Não por acaso, dois contêineres já funcionam no México, e outros dois estão sendo negociados no Peru, onde o problema é a qualidade e a quantidade da água- muita ou pouca, depende da época do ano - numa fábrica de alimentos, na beira do rio Amazonas. “Mas mesmo a 25 graus e com a umidade de 50%, vamos até o sul da Itália com ótimos resultados”, diz Rinaldo Bravo que, recentemente esteve visitando o nordeste do Brasil, na região de Campina Grande, uma ampla zona árida do país e potencial novo cliente.
O conceito em si é simples, mas a realização “artificial” é bastante complexa, principalmente se os fatores ecológicos e econômicos transpiram por todos os lados. Os pesquisadores começaram o projeto em 2010. O desafio era ir de encontro ao mercado - cada vez mais sedento de soluções para a questão hídrica mundial - com custos reduzidos e o máximo de eficiência. Ele foi realizado pelo departamento de física da universidade de Pavia, na Itália. “Numa fase bem inicial, queríamos compreender as potencialidades de uma máquina frigorífica para fazer água a partir do ar” diz para a swissinfo a professora Anna Magri.
“Os pesquisadores realizaram estudos preliminares de termodinâmica, física e condições climáticas. Mas o mais complicado foram as simulações e os cálculos para otimizar o produto ao máximo. O ideal é termos uma temperatura não muito alta, mas com elevada umidade. Acima dos 50 graus centígrados não convém e abaixo dos 5 ficamos muito perto do ponto de congelamento para extrair a água”, explica ela.
Meia década e cinco milhões de francos depois o protótipo se transformou num produto. Quatro investidores, sendo dois italianos, um americano e um suíço decidiram abrir uma start-up no cantão do Ticino, para levar ao mercado uma fábrica de água, de grande potencial e neutra, até por definição geográfica.
O design, nas dimensões e na forma de um contêiner, foi pensado para deslocar o equipamento com facilidade, por qualquer meio de transporte e chegar rápido onde for necessário. E não faltam locais no planeta com escassez de água ou com água de má qualidade. Cerca de 85 % da população mundial sofre com esse problema.
“Vivemos três emergências no mundo: a de água, a de energia e a do meio ambiente. Temos que ter energia para conseguir água e precisamos de água para gerar energia. E ambas necessidades agridem o meio ambiente. O nosso objetivo é de obter a maior quantidade possível de água, da melhor qualidade, e usando menos energia possível. O efeito colateral do nosso processo é que produzimos também ar quente e frio e a sua aplicação gera redução do consumo energético”, afirma um dos donos da empresa, o suíço Marco Honegger, já de olho na futura integração completa do equipamento com as fontes renováveis de energia.
Créditos: Swissinfo
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