No âmbito federal, partidos políticos se unem para fazer parte da base governista ou da oposição. Em âmbito regional, as mesmas legendas se enfrentam diretamente. São as contradições do sistema político brasileiro, evidenciadas pelas atuais eleições municipais.
E o fenômeno será percebido no segundo turno, neste domingo, quando 50 prefeituras (entre elas, 17 capitais) estarão em disputa.
Em São Paulo, o recém-criado PSD, do prefeito Gilberto Kassab, apoia a candidatura de José Serra (PSDB) contra o petista Fernando Haddad. Mas o partido de Kassab também apoia o governo Dilma no Congresso Nacional – e está cotado para liderar algum ministério na próxima reforma ministerial.
Ao mesmo tempo, o PSD é aliado do PT em Campinas, onde o petista Marcio Pochmann enfrenta o PSB (aliado do governo em âmbito federal) de Jonas Donizette.
Em Curitiba, outra situação curiosa: Gustavo Fruet, do PDT, disputa o segundo turno (contra Ratinho Jr., do PSC) com o apoio do PT. Seus panfletos de campanha contêm elogios feitos pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Fruet, porém, é um ex-crítico de Lula. Na época em que era parlamentar filiado ao PSDB, ele acusou o PT de criar um "mantra da mentira" no caso do mensalão.
Uma ressalva: a atual campanha de Fruet não teve a participação pessoal de Lula – já que o PSC de Ratinho Jr. também é da base aliada do governo federal.
Para o historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), essas contradições são culpa do excesso de partidos brasileiros – 30, no total – sem uma linha ideológica clara. "Cada Estado brasileiro tem uma política partidária distinta", diz Villa, em entrevista à BBC Brasil. "Os partidos se adaptam às circunstâncias locais ao sabor de suas lideranças."
Como a maioria da população vota segundo sua identificação pessoal com o candidato, "as próprias lideranças partidárias não estão interessadas em dar cor ideológica (a seus programas) porque daí esse tipo de aliança cairia por terra", acrescenta o pesquisador.
Aécio e Campos
O caso mais emblemático de alianças diferentes é o do PSB (Partido Socialista Brasileiro), que integra a coalizão de governo da presidente Dilma Rousseff, mas que alçou voo próprio nas eleições municipais – derrotando candidatos petistas e favorecendo dois importantes potenciais adversários de Dilma em 2014, tanto Aécio Neves (PSDB, na oposição) como Eduardo Campos (PSB, na base aliada).
O PSB teve duas vitórias importantes: em Belo Horizonte, patrocinado pelo tucano Aécio Neves, o prefeito Marcio Lacerda venceu o petista Patrus Ananias, apoiado por Dilma.
No Recife, o pessebista Geraldo Julio também venceu em primeiro turno – vitória que deve projetar em nível nacional o governador pernambucano Eduardo Campos.
PT e PSB também se enfrentarão no segundo turno em Fortaleza. E, no segundo turno em Campinas, uma eventual derrota do PT na cidade será vista como uma abertura de espaço para o PSB no Estado, fortalecendo mais Campos em 2014.
No último dia 19, apesar de estarem em espectros opostos na política federal, Aécio e Campos dividiram o palanque nas eleições municipais: trocaram elogios ao defender o PSB em Uberaba (MG), que enfrenta o PMDB (também da base do governo federal) no segundo turno. Tanto Aécio como Campos têm projetos políticos presidenciais, e especula-se se eles poderiam se aliar em 2014 para enfrentar uma candidatura de Dilma à reeleição.
Negociações
O vice-presidente nacional do PSB, Roberto Amaral, afirma que o partido está "aberto a negociações", sem descartar aliança com os tucanos. Mas diz que é cedo para tratar do assunto.
"Terminado o pleito, é hora de descer do palanque e cuidar do país, 2013 será um ano de turbulências econômicas no mundo, e a presidente Dilma precisará que estejamos todos juntos", diz Amaral à BBC Brasil.
Ele admite que as alianças municipais são uma contradição – "é uma das tragédias brasileiras" –, mas as vê com pragmatismo. "São as circunstâncias. No (pleito) municipal, o que prevalece é o local – o bairro, o posto de saúde."
Já o presidente nacional do PT, Rui Falcão, não vê isso como um problema. "A aliança federal é (parte do) governo de coalizão", diz à BBC Brasil o deputado estadual em São Paulo.
"Como nenhum partido consegue sozinho maioria no Congresso, é natural que, para tocar um programa de governo, haja junção de partidos, que se fragmentam na disputa municipal. O importante é que se pautem por um programa, e não divisão de cargos e interesses."
Quanto à possibilidade de uma aliança PSB-PSDB em 2014, Falcão diz que "Eduardo Campos tem reiterado que vai trabalhar pela reeleição da presidente". "Prefiro ficar com essa afirmação do que especulações de uma eventual candidatura dele", acrescenta.
Partidos descentralizados
Em Porto Alegre, outro exemplo: houve um embate entre três partidos que apoiam Dilma: o PDT (do prefeito reeleito em primeiro turno José Fortunati), o PC do B, da segunda colocada, Manuela D'Ávila, e o PT de Adão Villaverde.
Para André Borges, cientista político da UnB, a prática de alianças diferentes é uma decorrência da autonomia dos partidos em Estados e municípios.
"Os partidos são descentralizados – quem manda não é necessariamente a liderança nacional", diz. "O lado positivo é a flexibilidade e a maior liberdade de escolha dos eleitores, sem exigir, como em outros países, o voto partidário."
O lado negativo, acrescenta, é "o enorme número de partidos, sua fragmentação e a confusão que isso gera para o eleitor. Alianças inconsistentes são ruins para a democracia."
Já a presidente Dilma defendeu a prática de coalizões na posse do ministro da Pesca, Marcelo Crivella (PRB), em março.
"Este é um país complexo, múltiplo e democrático. A constituição de alianças é essencial para que o Brasil seja governado de forma democrática e o governo represente os interesses da nação", disse a presidente na época.
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