Durante os 43 minutos do seu pronunciamento na cerimônia de posse, no Congresso Nacional, Dilma Rousseff proferiu um discurso tido como genérico, mas que, para muitos políticos presentes, mandou vários recados nas entrelinhas. Mesmo sem mencionar nomes, a presidenta fez referências implícitas à militância do PT, aos aliados do ex-governador pernambucano Eduardo Campos (filiados ao PSB), aos que apoiaram a ex-ministra Marina Silva e à oposição que hoje bate forte no governo. Além disso, citou o Congresso e os manifestantes que foram às ruas pedir mudanças no país.
O pronunciamento foi marcado por temas como políticas econômica, ambiental e externa, redução da pobreza, inovação tecnológica, intensificação de projetos no Nordeste e na Amazônia, além da reforma política. Mas não faltaram itens cuja expectativa de opinião dela a respeito era esperada há semanas, como o combate à corrupção, a defesa da Petrobras, o fortalecimento das instituições e a reafirmação do seu compromisso de não mexer em direitos trabalhistas.
Nesse último caso, o tom usado deu a entender que se tratava de uma resposta – ou explicação – às críticas dos últimos dias sobre duas medidas provisórias que alteraram regras de acesso a benefícios trabalhistas e previdenciários. Numa forma de abordar o tema, Dilma afirmou que para a garantia desses direitos, quer atuar “por meio da ação firme”. E, para isso, “é preciso ter equidade e correção permanente de distorções, para evitar excessos”.
Chamando os brasileiros de “queridos”, tanto no Congresso como durante sua fala no parlatório, após ter subido a rampa do Palácio do Planalto e colocar a faixa presidencial, Dilma disse que inicia o segundo mandato “cheia de respeito e esperanças”. Destacou que o seu desafio é o da mulher brasileira, “que encarnada na minha figura volta ao posto máximo da nação”.
Ela acentuou que esse projeto de nação – iniciado em 2003, no primeiro mandato de Lula – “tem o mais duradouro apoio popular de nossa vida democrática”. “O povo entendeu que é um projeto coletivo e de longo prazo. A partir do trabalho, iniciado pelo governo do presidente Lula e continuado por mim, conseguimos fazer com que um número importante de brasileiros deixasse de vivenciar a tragédia da fome”, exemplificou.
A presidenta abordou o aumento do número de empregos formais, os programas que possibilitaram acesso ao ensino técnico, avanços na educação e programas de transferência de renda e habitação popular. Aproveitou para pedir mais ética e respeito. “Cumprimos o compromisso fundamental de garantir os direitos básicos que devem ser oferecidos a qualquer cidadão para uma população enorme. Este é um governo que respeita, se respeita e trabalha para protegê-los”, frisou.
Sobre as manifestações das ruas e o segundo turno disputado nas últimas eleições, a presidenta repetiu considerações já feitas após a vitória eleitoral, de que entendeu o recado repassado. “O recado que o povo brasileiro nos mandou foi de que é preciso continuidade dessas grandes mudanças, para fazermos melhor.”
Apoio e diplomacia
Dilma Rousseff solicitou o auxílio dos parlamentares neste processo e disse estar ciente de que conta com o Judiciário, os militantes do PT e partidos da base aliada na empreitada.
Em relação a um tema delicado desde que anunciou a substituição do ministro da Fazenda no seu primeiro governo, Guido Mantega, pelo técnico Joaquim Levy (cuja indicação não agradou a correligionários e integrantes do PT), a presidenta foi diplomática. Acentuou que vai provar que se pode fazer ajustes na economia e que as mudanças esperadas para os próximos quatro anos “dependem da estabilidade”.
“Sempre orientei minhas ações pela convicção sobre o valor da estabilidade econômica, a centralidade do controle da inflação, o imperativo da disciplina fiscal e a necessidade de conquistar e merecer a confiança dos trabalhadores e dos empresários. Mesmo em meio a um ambiente internacional de extrema instabilidade e incerteza econômica, o respeito a esses fundamentos nos permitiu colher resultados positivos. Na economia, temos com o que nos preocupar, mas também temos o que comemorar.”
Dilma ficou de enviar ao Congresso projeto de lei para criação de um mecanismo de transição entre as categorias do Simples e os demais regimes tributários, prometeu a universalização do acesso à internet de banda larga no país e projetos estruturantes para os estados do Nordeste e da região amazônica. Com isso, atendeu a setores que costumam cobrar solicitações do Executivo em relação a tais temas.
'Pátria educadora'
O lema do segundo governo, segundo deixou claro, reflete a grande prioridade do seu programa até 2018: “Brasil, Pátria Educadora”. Enfatizou que a frase tem um duplo significado, uma vez que objetiva fazer da educação não apenas “a prioridade das prioridades”, mas a busca em todas as áreas do governo de um sentido educacional, “baseado na ética e no fortalecimento das instituições”.
Já quanto à legislação ambiental, a presidenta ressaltou a aprovação, no seu primeiro governo, do novo Código Florestal e a implementação do cadastro ambiental rural. Citou taxas de desmatamento e frisou que será aprofundada a modernização da legislação ambiental já a partir de 2015 – ao tocar em itens abordados por uma das suas principais adversárias no primeiro turno das eleições, Marina Silva, cujo discurso é voltado para maior atenção ao meio ambiente.
“Nos engajaremos fortemente nas negociações climáticas internacionais para que nossos interesses sejam contemplados no processo de estabelecimento dos parâmetros globais de redução de emissões”, afirmou.
Quanto aos integrantes do PSB, partido que rompeu com o PT para lançar a candidatura de Eduardo Campos à Presidência da República e depois apoiou o senador Aécio Neves (PSDB-MG) no segundo turno, Dilma deixou um sinal que soou compreensivo para todos os integrantes da legenda. Atualmente, o PSB apresenta divisões entre os que querem voltar a apoiar o governo e os que pretendem manter uma oposição de caráter independente no Congresso, embora a situação seja negada pelos seus principais líderes.
A presidenta destacou o interesse em incrementar programas de inovação tecnológica e ampliar as ações na Ciência e Tecnologia, setor que foi objeto de muitos projetos de Campos, quando deputado federal, que chegou a ocupar o ministério da área, no governo Lula. Para alguns socialistas, esse ponto do discurso foi visto como um aceno de que o Palácio do Planalto está de portas abertas para algumas das ideias defendidas pelo partido – e para que a legenda volte a fazer parte da base aliada.
Mudanças e personalidade
Ao encerrar a fala no parlatório, embora de forma mais informal, Dilma Rousseff citou uma frase usada pelo escritor baiano João Ubaldo Ribeiro num dos seus principais romances e gritou “Viva o povo brasileiro”. Também fez questão de destacar que “há 12 anos, neste Palácio, não se discrimina os pobres”, numa referência clara aos demais governos e à oposição.
Ao longo da tarde, Dilma Rousseff teve momentos em que apresentou um semblante mais tranquilo e momentos em que fechou a cara na descida do Congresso Nacional, diante da demora na cerimônia dos tiros de canhão. Mas sorriu e acenou para a militância do PT e pessoas que gritaram o seu nome. Ao chegar no Palácio do Planalto, coroou o evento com um grande abraço no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A presidenta fugiu algumas vezes do seu estilo pessoal ao mencionar, de forma branda, o passado (marcado por um período de prisão e tortura na ditadura) – algo sobre o qual quase sempre evita falar – e a batalha vencida contra o câncer. Fugiu do estilo até mesmo por trocar o figurino mais formal que utilizou na primeira posse por um vestido de renda em tom pastel. Ao mesmo tempo, deu várias vezes sinais da sua personalidade.
Créditos: Rede Brasil Atual
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