Ao comentar o caso dos médicos cubanos, que começaram a chegar hoje ao país, Padilha afirmou que xenofobia e preconceito não fazem parte da cultura do Brasil, uma nação formada por imigrantes. “A experiência e a história de todos os países que precisaram ter política de atração de médicos foi essa. No início, forte resistência, mas ao longo da presença desses profissionais vai se distensionando.”
Ele recordou que o país tem parcerias com o Ministério da Saúde cubano há duas décadas, em acordos que se pautam pela qualidade médica em áreas como vacinação, hepatite e câncer. “Não foi um ministro do PT que teve a primeira ideia de trazer médicos cubanos para o Brasil. Tenho muita tranquilidade de sair de qualquer debate ideologizado e partidarizado que estão tentando fazer. Quando José Serra era ministro da Saúde foram feitas várias parcerias com Cuba.”
O ministro disse que sua equipe vem estudando maneiras de lidar com o déficit de médicos desde 2011, quando assumiu a pasta. Para Padilha, é preciso olhar a questão de maneira integrada, sem imaginar que um tipo de medida vá resolver a questão. O Mais Médicos, lançado em 9 de julho por Dilma Rousseff, na esteira das manifestações do mês anterior, prevê investimentos em infraestrutura, especialmente na construção de unidades básicas de saúde (UBSs), e um aumento na formação de médicos, com 11 mil vagas até 2017, frente a um total de 18.212 atualmente. Caso tudo corra bem, o país saltará de 354 mil médicos atualmente para 600 mil em 2026, atingindo a proporção atual da Inglaterra, de 2,7 médicos para mil habitantes – ainda abaixo de 3,2 na Argentina, 3,7 no Uruguai e 3,9 em Portugal.
A conversa, com duração de pouco mais de três horas, foi pautada pela crítica feita por entidades de classe ao Mais Médicos. Inicialmente, organizações como o Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira diziam que a questão era a falta de infraestrutura, e não de profissionais. Depois, passaram a acusar que a vinda de médicos estrangeiros sem a revalidação do diploma colocava em risco a população. “Não podemos dizer que o Mais Médicos é contra os médicos. Se fosse contra os médicos eu diria que sobram médicos no Brasil e que estes médicos não querem ir para as áreas mais pobres. Estou dizendo o contrário”, rebateu Padilha.
Ontem, a Associação Médica Brasileira entrou com ação direta de inconstitucionalidade contra o a medida provisória de criação do programa. Na visão da entidade, apoiada pelo Conselho de Medicina, trata-se de uma “manobra político-eleitoral”, “inócua e populista”, que não resolve os problemas da população. Em nota, a organização alega ainda que a dispensa de revalidação do diploma cria riscos à sociedade e a obrigatoriedade de que os médicos estrangeiros atuem apenas nas áreas para as quais foram selecionados cria duas categorias de profissionais. “A MP 621 estabelece uma burla à legislação trabalhista, promovendo um regime de escravidão moderno”, argumenta.
O ministro recordou que desde 2011 enfrenta a resistência de segmentos sociais à possibilidade de resolver o problema do déficit de médicos. Ele indicou as tentativas de boicote ao sistema de inscrição do programa como um sinal claro desta linha de pensamento. Para Padilha, os ataques a ele fazem parte da democracia, mas as tentativas de prejudicar a sociedade devem ser coibidas. “O que lamento é qualquer movimento para prejudicar o atendimento da população. Um movimento para se inscrever para ocupar uma vaga e postergar a chegada de um médico para atender a população, isso não admitimos.”
Esta semana o governo anunciou a vinda de até 4 mil médicos cubanos até o fim do ano, que começam treinamento na segunda-feira (26) e passam a atender em campo no dia 16 de setembro. O acordo firmado entre o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde visa a garantir atendimento aos 701 municípios que não despertaram o interesse de nenhum profissional inscrito no Mais Médicos. A maioria das cidades (68%) apresenta os piores índices de desenvolvimento humano do país (IDH muito baixo e baixo) e 84% estão no interior do Norte e Nordeste em regiões com 20% ou mais de sua população vivendo em situação de extrema pobreza.
Uma das críticas a esta decisão é de que a remuneração é repassada pelo governo federal ao Ministério da Saúde de Cuba, que faz o pagamento dos médicos. Isso levou à acusação de que se trata de uma forma de escravidão dos médicos cubanos. Padilha recordou que, diferentemente dos demais profissionais estrangeiros que estão participando do Mais Médicos, os profissionais da ilha são contratados pelo sistema nacional de saúde daquele país, têm direito a previdência e vão receber mais que os demais integrantes das equipes que vão comandar no Brasil. “Ele está recebendo seu salário lá, ganha um adicional por fazer uma missão externa, ganha uma remuneração aqui e a família dele recebe uma remuneração lá. Além de ter uma garantia de previdência que nenhum médico estrangeiro que está vindo para o Brasil tem”, apontou, cobrando cautela nas críticas: “Antes de mais nada, pense nos milhões de brasileiros que só serão atendidos por conta dessa estratégia que o Ministério da Saúde montou.”
Após o anúncio do programa, o presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, João Batista Gomes Soares, afirmou que vai orientar os profissionais a não socorrer pacientes vítimas de eventuais falhas de cubanos. Ele pediu ainda que os médicos vindos da ilha sejam levados à Polícia Civil e detidos por exercício ilegal da profissão, delito que resulta em prisão de 15 dias a três meses.
Para Padilha, além do preconceito ideológico contra Cuba e partidário contra o PT, parte das críticas vem do medo de comparação com profissionais que possam ter um nível melhor de formação. Ele entende que o Mais Médicos já tem a virtude de provocar um debate sobre a necessidade da atenção básica, que, na visão dele, pode resolver 80% dos problemas. “Uma parte da crítica é de quem não compreendeu que estamos trazendo profissionais médicos para atuar na atenção básica de saúde.”
Os médicos estrangeiros ou brasileiros formados no exterior que decidiram aderir ao Mais Médicos vão passar por três semanas de treinamento a partir de segunda-feira. Além das habilidades para o atendimento básico, serão testados na proeficiência em língua portuguesa nas universidades federais que coordenam a iniciativa.
Padilha considera que as críticas das entidades médicas à não exigência de revalidação de diploma destes profissionais é equivocada. Ele entende que a autorização de trabalho para uma finalidade específica é fundamental para assegurar que o contratado se dedique exclusivamente à atenção básica nas cidades que mais precisam, sem que depois de um breve período migre para os grandes centros, concorrendo com o profissional brasileiro e deixando de lado o objetivo para o qual foi trazido.
Ao mesmo tempo, o ministro defende que um grupo de médicos formados no país seja submetido ao Revalida, a prova de revalidação do diploma, para criar uma referência sobre o nível da graduação no país. “Só podemos exigir do médico estrangeiro exatamente o mesmo que exigimos do médico brasileiro. O sarrafo tem de ser o mesmo. Não pode ser mais, não pode ser menos.” A edição do exame que seria aplicada neste fim de semana foi cancelada porque o nível de procura foi baixo, segundo o Ministério da Educação.
Padilha reforçou que o governo quer repensar a formação do médico para garantir que ao menos os primeiros anos de carreira sejam dedicados à atenção básica. Ele argumenta que a baixa quantidade de vagas, com 40 candidatos para cada posto nas universidades públicas e privadas, precisa ser revertido para garantir a democratização do acesso, o que por sua vez traria diversidade ao perfil dos estudantes.
“Um jovem que teve um certo padrão de vida na cidade, um ambiente urbano, ele vai ter dificuldade de ir para o interior, uma região onde não tem os mesmos hábitos de vida. Então, não tenho dúvida de que um dos desafios é ter uma democratização do acesso aos cursos de Medicina”, diz, afirmando que existe uma cultura de que o paciente pobre é apenas um aprendizado para depois poder tratar o rico. “Ao longo da sua formação vai se dessensibilizando, inclusive a vontade cada vez menor de ter contato com o povo. É um processo diário de bullying em relação ao SUS.”
Créditos: Rede Brasil Atual
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