Prioridade de Dilma Rousseff para o segundo mandato, a reforma política vive nas últimas semanas do primeiro governo relação de tensão e dependência com o PMDB. Reside no vice-presidente Michel Temer a esperança central de encontrar uma proposta de consenso que garanta a tramitação no Congresso, enquanto alguns parlamentares enviam sinais de que gostariam de repetir as movimentações de julho de 2013 e enterrar a proposta de mudanças encaminhada pela presidenta da República.
Temer programou para hoje (5) uma reunião com a executiva do seu partido, o PMDB, com o intuito de discutir o assunto. Ele afirmou que pretende decidir, com os peemedebistas, os pontos tidos como prioritários para a legenda em relação à reforma política, de modo a ser firmado um compromisso da legenda em relação à reforma. Sua missão, no entanto, é bem mais ampla que isso.
O que se ressalta nos gabinetes do Senado é que o Executivo quer aproveitar o fato de ter um vice-presidente constitucionalista, respeitado no mundo jurídico, para que possa participar ativamente da discussão e, inclusive, atuar como interlocutor do tema junto ao Congresso.
A articulação nesse sentido teria, também, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o intuito de aproveitar para estreitar mais as relações entre PT e PMDB. E, ainda, o temor do Palácio do Planalto de evitar desgastes com o PMDB em relação ao assunto, como observado no ano passado – quando Temer se queixou de não ter sido ouvido pela presidenta durante o anúncio de realização de um plebiscito para reforma política, logo após as manifestações de junho e julho, e afirmou publicamente que a proposta trazida pela petista era inconsistente do ponto de vista jurídico.
Além de fortalecer a participação de Temer e contar com o reforço técnico de uma pessoa da equipe de governo que entende do tema, a interlocução do vice-presidente também ajudará no convencimento aos integrantes do PMDB e, em consequência, poderá influenciar outras legendas a seguirem caminho semelhante.
No final de semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), declarou que pretende incluir na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, a partir de amanhã, a votação da admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional 352, de 2013, elaborada por um grupo de trabalho após as manifestações. À época saiu derrotada a corrente parlamentar que defendia que se votasse a proposta elaborada ao longo de anos por Henrique Fontana (PT-RS), e que propunha o fim do financiamento empresarial de campanha, tema não abordado pela PEC.
A retomada da proposta levantou desconfianças entre petistas de que o PMDB novamente trabalhará para enterrar a ideia de reforma política. A PEC editada no ano passado foi vista inicialmente por integrantes da base aliada como um boicote à iniciativa de Dilma. Além disso, peemedebistas passaram a atuar para que o plebiscito fosse convertido em um referendo, ou seja, para que a população simplesmente desse aval a mudanças propostas pelo Congresso.
Somou-se a essa questão a atitude de Alves na primeira semana após a volta do recesso branco imposto pelas eleições. Derrotado na disputa do Rio Grande do Norte por um candidato apoiado por Lula, o presidente da Câmara colocou em votação, e garantiu a aprovação, do projeto de lei que derruba o decreto de Dilma editado para regulamentar a Política Nacional de Participação Social. Além disso, prometeu encaminhar ao plenário matérias que desagradam ao Planalto por resultar em novos custos à União.
Não bastasse, a PEC da reforma política foi elaborada por um grupo de trabalho criado em meio a divergências diversas na Casa, depois que o Congresso deixou de lado a ideia de realização de um plebiscito. Hoje, no entanto, deputados da base aliada ao governo e até mesmo do PT afirmaram que a inclusão da proposta na pauta é uma boa ideia.
O objetivo, segundo Henrique Eduardo Alves, é fazer com que a matéria seja apreciada quanto à admissibilidade, pela comissão. A partir daí poderá ser iniciado novo debate relacionado ao tema, com maior participação popular. Isso permitirá aos deputados da nova legislatura chegar à Casa encontrando o caminho aberto para a criação da comissão especial por onde tramitará a matéria.
“Acho que é uma pauta que terá de ser apreciada pela futura legislatura. De minha parte, pretendo deixar tudo pronto para que essa discussão tenha um bom início a partir do próximo ano”, destacou ele, que deixa não apenas a presidência da Câmara, mas a própria casa em dezembro.
Referendo ou plebiscito?
De acordo com o deputado, após a aprovação da PEC na CCJ, a comissão especial deverá ouvir todos os setores da sociedade envolvidos com sua tramitação, como Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), centrais sindicais e movimentos sociais.
A iniciativa do presidente da Câmara foi vista como um aceno positivo junto ao governo, após especulações de que ele estaria elaborando uma pauta de projetos polêmicos para serem votados nos próximos três meses. Por outro lado, ao falar em referendo, Alves foi ao encontro do que têm pregado vários parlamentares, que defendem a realização de um plebiscito nos moldes do proposto por Dilma.
O entendimento que tem sido difundido entre parlamentares é de que o referendo fortalece o papel do Poder Legislativo, ao passo que a realização de um plebiscito para discussão do assunto esvaziaria o trabalho dos deputados e senadores.
“A aprovação da PEC na CCJ é o caminho a seguir. Minha parte foi feita e acho que a proposta será mudada em muitos itens, eu mesmo sou favorável a isso. Mas foi importante termos alicerçado, por meio da comissão, a base para a reforma política. Hoje todos os partidos falam no tema porque criamos uma base para isso, com a participação de várias legendas”, afirmou o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), que coordenou o grupo de trabalho responsável pela elaboração do teor da PEC e também deixa a casa em dezembro.
A OAB, por sua vez, trabalha pela reforma, mas considera que o rito ficará mais fácil se o caminho for por meio da formalização de projeto de lei de iniciativa popular e não por uma PEC. Para o projeto de lei de iniciativa popular é necessário colher 1,5 milhão de assinaturas. Os movimentos sociais já contam com 520 mil delas. "Um projeto de lei consegue ser aprovado com muito mais simplicidade no Congresso do que uma PEC, porque basta uma maioria que não é qualificada. E, assim, a mobilização da sociedade será suficiente para convencer os deputados e senadores a aprovarem a reforma", destacou o presidente da entidade, Marcus Vinícius Furtado Coelho.
O que trata
A PEC 352/2013, elaborada pelo grupo de trabalho para a reforma política, está longe do desejado pelos grupos da sociedade civil articulados em torno da reforma. A PEC acaba com a reeleição, mantém os mandatos em quatro anos e institui o voto facultativo. Tem como ponto mais polêmico o fato de permitir o financiamento privado empresarial, embora com o estabelecimento de critérios para este patrocínio de mandato. Caberia aos partidos decidir entre o financiamento privado, o público ou a combinação de ambos (misto).
Já o projeto de iniciativa popular encampado pelas entidades da sociedade civil prevê proibição do financiamento de campanhas por empresas e o “financiamento democrático” (uma combinação de financiamento público com o financiamento de pessoas físicas); substituição do atual sistema proporcional de lista aberta utilizado para as eleições legislativas por um sistema proporcional em lista pré-ordenada e em dois turnos; correção da hoje chamada “sub-representação” de mulheres e ampliação dos instrumentos de consulta aos eleitores, como plebiscito, referendo, além dos projetos de iniciativa popular.
“A reforma política dará mais legitimidade aos mecanismos de participação e ampliará a nossa representatividade. Sem ela, nosso regime democrático ficará defasado. Precisamos encarar esse tema e levá-lo adiante. É uma responsabilidade urgente de todos nós”, destacou o líder do PT no Senado, senador Humberto Costa (PE).
Créditos: Aede Brasil Atual
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